Tatuagem pode?

Sim, essa tatuagem é minha...
Sim, essa tatuagem é minha...

Meu e-mail está parecendo consultório sentimental de rádio popular; parece que as pessoas combinam os assuntos. Agora meus consulentes querem saber se podem usar piercing e tatuagem no local de trabalho. A resposta não é tão simples quanto parece, vamos lá.

As roupas, o corpo, a maneira como a gente se veste e se movimenta comunicam muito sobre o ser humano que está carregando isso tudo. A gente usa esses recursos para se expressar e se mostrar para o mundo; para marcar posição.

Não custa lembrar, isso nada tem a ver com recursos financeiros. Já cansei de falar aqui que uma das pessoas mais elegantes, dignas e com atitude profissional exemplar era uma varredora de rua que conheci; finíssima. E o programa “Mulheres Ricas” está aí para provar que boas maneiras e elegância não estão à venda nas lojas para quem quiser comprá-las.

Pois é, então nosso corpo é uma ferramenta poderosíssima para expressar quem a gente é e o que pensa dessa bagaça toda; fato. Quando a pessoa faz uma tatuagem, há um monte de mensagens implícitas e explícitas sobre como ela vê o mundo (depende do desenho, do tamanho, do lugar, da quantidade, da postura e da roupa que vai junto, entre outras coisas).

Geralmente quem faz uma tatuagem agressiva, usa um alargador na orelha ou um piercing no rosto, demonstra algum tipo de revolta com o estado vigente das coisas, algum inconformismo com as regras e “com tudo isso que está aí“. É também uma forma de se destacar na multidão, de mostrar que é diferente, de não ser “enquadrado” no sistema. Claro que essa é uma interpretação genérica e há quem faça tudo isso por uma questão estética, apenas porque acha bonito.

Bom, o ponto em que eu queria chegar é que, quando a pessoa trabalha numa empresa, ela está sendo contratada para transmitir e compartilhar a identidade dessa empresa. E, como já cansei de falar aqui, a organização tem que ter um discurso coerente e bem encaixadinho para ajudar a construir uma imagem de credibilidade.

Pois então. Se a identidade da empresa também é de inconformismo, de mudança, de ousadia e de quebra de paradigmas, nada mais adequado do que contratar pessoas com um visual, digamos assim, mais alternativo. É mais que coerente; é desejável. Ficaria muito estranho um sujeito de terno azul marinho e gravata, todo lambidinho, trabalhando num estúdio de tatuagem ou numa sex shop, por exemplo. Mas um juiz de bermudão e com uma sereia na testa também não faz muito sentido (o trabalho dele é fazer com que as regras/leis sejam cumpridas; é uma incoerência da parte dele contestá-las).

Resumindo: empresas mais ousadas têm maior probabilidade de lidar bem com esses acessórios; por outro lado, em organizações mais conservadoras e totalmente adaptadas às regras, um alargador do tamanho de uma argola de baiana do acarajé não se encaixa; é um ruído grave na sua comunicação.

Então, a resposta é: estude seu cliente. A empresa compra a maior parte das suas horas e lhe contrata para ajudá-la a comunicar a identidade dela. Se todas as peças que ela distribui por aí forem ousadas e transgressoras, capriche no visual hardcore e vá firme para a entrevista.

Mas se ela parecer mais convencional ou você passou num concurso público (já sabia muito bem onde estava se metendo, não se faça de desentendido), há duas opções: ou você esconde as manifestações mais radicais de sua arte corporal (não mata ninguém; conheço um monte de gente que tira o piercing para trabalhar numa boa) ou reavalie se você quer mesmo trabalhar lá.

Talvez você e a empresa não tenham um conjunto suficiente de atributos comuns para garantir a sintonia e a convivência pacífica; acontece. Nesse caso, mude para outra que seja mais compatível com sua identidade profissional. Quem contrata (no caso, o cliente) tem o direito de escolher como quer ser representado no mercado; quanto a isso, não há discussão.

E perceba que não tem ninguém errado nessa história. É só uma questão de adaptação a cada caso.

Curiosidade: tenho duas tatuagens antigas que são administradas conforme o cliente; na primeira reunião elas sempre estão escondidas. Se tiver espaço e for conveniente, a flor atrás do pesçoço e a borboleta no braço podem aparecer. Eu as fiz, primeiro, por questões estéticas; mas confesso que elas fazem parte de minha história e também representam meu lado revoltadinho adolescente sim, não vou enganar vocês não….

6 Responses

  1. 13 março 2012 at 4:35 pm

    Excelente texto!!!

    • ligiafascioni
      Responder
      13 março 2012 at 4:46 pm

      Que saudades, Edna!!! Vamos marcar de nos encontrar um dia desses…
      Beijocas 🙂

  2. Pri-k
    Responder
    14 março 2012 at 12:34 am

    Não tenho tatuagem e nem alargadores mas amei o post, super concordo que não tem ninguém errado nessa história e que cada caso é um caso. Acredito também que conforme certas escolhas ou para uma boa colocação no mercado precisamos nos submeter as regras, nos “sacrificar” para uma boa adaptação.

    Bjx

  3. 15 março 2012 at 8:41 am

    Lígia, querida.
    Que texto bonito. Perfeito.
    Minhas duas filhas (lindas, 18 e 22 anos) não têm tatuagens nem piercings, embora tenham sido liberadas para usar, se quisessem, à partir dos 15 anos.
    Acho que pesou na decisão delas o fato de que nós sempre procuramos ensiná-las que tatuagem e piercing é uma decisão importante e com consequências. E isso requer inteligência e maturidade.
    Acredito que elas possam usar uma coisa ou outra, no futuro. Tenho certeza de que será algo inteligente e bonito, porque não terá objetivo de autoafirmação ou agressão a ninguém.

    • ligiafascioni
      Responder
      15 março 2012 at 12:14 pm

      Quero ver você usando um piercing, Ênio….ahahahahah

      • 15 março 2012 at 10:32 pm

        Não, obrigado!
        E nem é por qualquer preconceito ou ideologia.
        É puro senso estético mesmo. Tenho certeza que ficaria muito feio em mim.
        Mas, se uma das meninas quiser usar, acho que vou gostar. Gosto, particularmente, daqueles piercings delicados que algumas moças usam na sobrancelha. Muito bonitinho!
        Quanto aos alargadores (de orelha e lábios)… Meu Deus! Bom… tem gosto pra tudo, né?

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