Não é óbvio?

Você acha que algumas coisas são óbvias e outras não? Pois eu acho que nada nesse mundo é óbvio. Leia e veja se você concorda.

Obviedades

28-05-2008 Estou aqui pensando que não existe nada menos óbvio no mundo do que a palavra “óbvio”. Ela nasceu lá na antigüidade, do vocábulo latino via (caminho). Obviam significava então algo que está “no caminho”. Nos dicionários atuais, a gente pode atestar que óbvio é aquilo que é claro, manifesto; que salta à vista.

Mas acabo de me dar conta que essa palavra é absurda. Na comunicação humana não existem coisas óbvias. A semiótica nos ensina que cada pessoa interpreta um signo (aquilo que significa) de acordo com o seu repertório pessoal, seus filtros, suas vivências e até seu estado de espírito. Nada está mais fora do nosso controle do que a interpretação daquilo que a gente escreve, diz, faz ou parece. Podemos nos comunicar de maneira clara, evidente, compreensível, didática e até redundante; mas jamais conseguiremos ser óbvios. O que me faz lembrar uma frase que ouvi esses dias: eu sou responsável pelo que eu falo; você é responsável pelo que você ouve. Essas duas coisas quase sempre são bem diferentes.

Por que esse papo todo? É que há algumas semanas, escrevi uma coluna no AcontecendoAqui falando de uma definição de design que gerou polêmica (adorei). Mas um comentário em particular me chamou atenção e me fez pensar bastante (na verdade, fiquei ruminando sobre o assunto até agora). É que o Gabriel Inler, muito apropriadamente, lembrou que a tradução literal da palavra design é projeto. Iniciamos uma saudável discussão (que não gostaria de retomar agora) porque sempre achei essa definição insatisfatória e genérica demais. Demorei bastante, mas finalmente consegui entender o que o Gabriel estava querendo dizer (dãããã…). É que design (projeto) é uma coisa; design industrial é outra (óbvio!). Eu estava falando de design industrial, o Gabriel estava falando de design.

A mim sempre pareceu evidente que se alguém quer se referir a um projeto, não precisa usar a palavra design. Existe um termo em português muito apropriado e que traduz perfeitamente a idéia: é “projeto”. Entenda-se por projeto qualquer empreendimento temporário (início, meio e fim) com objetivo definido (essa eu peguei da disciplina de gerenciamento de projetos). Sempre achei que estava subentendido que quando eu escrevo design, quero dizer design industrial, afinal é disso que essa coluna quase sempre trata. Óbvio. Ou não? Ainda bem que o Gabriel me fez ver que não.

Então, convém deixar claro, daqui para frente, que toda vez que eu usar a palavra design nesse espaço, estarei me referindo ao design industrial, que tem esse nome porque nasceu durante a revolução industrial, onde se precisava bolar um jeito de projetar coisas que pudessem ser fabricadas em série. Design, nesse contexto, não tem equivalente em português (ok, eu sei que já propuseram desígnio, mas não é consenso) e é por isso que a gente usa no original mesmo. Se tivesse uma tradução, eu usaria a palavra em português e acabariam os mal-entendidos.

O que me serve de consolo é que boa parte da literatura especializada também prefere usar a expressão mais curta, o que certamente amplia o significado nos países de língua inglesa. Pelos motivos que expliquei antes, não via motivo para essa confusão em um país onde se fala português e oferece à sua inteira disposição a belíssima palavra projeto.

Pois então. Só para não deixar nada subentendido (de novo), segue uma classificação geral simplificada das áreas de atuação do design industrial no Brasil, segundo João Gomes Filho*:

Design de produto: desenvolve projetos de produtos tridimensionais como veículos, móveis, utensílios domésticos, eletrodomésticos, eletroeletrônicos, calçados, jóias, embalagens, roupas, instrumentos, acessórios, cortinas, tapetes, etc

Design gráfico: desenvolve projetos de produtos bidimensionais como sistemas de identidade visual, livros, folhetos, cartazes, sinais, ilustrações, páginas web, CD-ROMs, e-books, vinhetas, totens, banners, estampas, papelaria, organização da informação, embalagens e aplicações gráficas em geral.

Design de ambientes: desenvolve projetos de configuração ambiental como organização, decoração, especificação de mobiliário e equipamentos, composição e layout espacial.

Gomes ainda cita o design de moda, mas ele é tão próximo ao design de produto (desenvolve produtos tridimensionais como roupas, calçados, jóias e acessórios) que não consigo encontrar uma justificativa para separá-lo, pelo menos nesse contexto. Há também o design de interfaces, que trata da integração entre duas ou mais especialidades do design na configuração de um produto, como, por exemplo, uma embalagem.

É isso então, pessoas. Quando eu quiser dizer projeto, escreverei simplesmente projeto. Quando estiver tratando de design industrial, usarei design. Combinado?

_____________

*GOMES FILHO, João. Design do objeto − bases conceituais. São Paulo: Escrituras Editora, 2006.

Lígia Fascioni | www.ligiafascioni.com.br

3 Responses

  1. 2 junho 2008 at 1:29 am

    Lígia, do design industrial pro design de moda tem que ser adicionado a futilidade do mercado, a pretensão de estar sempre “ditando moda”, e a submissão aos padrões mundiais sobre o que está e o que não está na moda.

    Desenhei uma série de estampas e bordados mês passado, e comecei a ver o quanto é duro a vida no design de moda..

  2. 2 junho 2008 at 11:31 am

    Desde que, há mais ou menos 15 anos, resolvi começar a caminhar sobre aquela fina (no sentido de espessura, não de nobreza) fronteira entre o design e a arte, praticando o tal do design autoral, venho recebendo críticas, comentários e boas palavras acerca dessa opção. O que é design? O que é arte? Onde termina um e começa outra?
    Pude perceber, então, o quato somos carentes de definições, conceitos e parâmetros. O subjetivo não tem muito espaço em detrimento de um entendimento explícito e absolutamente claro. Preto no branco (de preferência em altíssima definição e bem iluminado para não deixar dúvidas…). De minha parte, Lígia, abri mão de definições prévias. Vou lá, analiso o briefing, desenvolvo o trabalho e entrego a resposta para as dúvidas e necessidades do cliente. Se é projeto, design, arte ou outra coisa qualquer, deixo para os críticos analisarem e discutirem. O próximo projeto aguarda. Não podemos deixá-lo esperando.

    Morandini
    PS. Feliz é o Haroldo, que vive a vida sem essas chatisses teóricas e definições obrigatórias…

  3. Alexandre Wisintainer
    Responder
    3 junho 2008 at 3:27 pm

    Caros amigos, esse papo realmente é polêmico. Quase uma tese de doutorado…

    Para mim, projeto é um processo que cabe perfeitamente nas atividades profissionais como um todo. Afinal, design é projeto? Também, além de outras características específicas quanto comuns a outras áreas.

    Ligia, referir-se ao design industrial apenas como design, vai “magoar” o design gráfico, viu!? faz isso não, “quirida”!!!

    Ah, ia esquecendo, “teoricamente” o design industrial, projeta embalagens sobre o aspecto estrutural ou arquitetura da embalagem. A porção gráfica, caberia “teoricamente” ao designer gráfico.

    Abraço,

    Alexandre

* All fields are required