O cliente, esse ignorante…

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Fotografia: Ligia Fascioni

Olha, se tem uma coisa que me deixa chateada é gente reclamando dos seus clientes. Para mim é como reclamar do marido. Reclamante, por acaso fui numa feira e escolhi seu marido/mulher no seu lugar? Você corria risco de morte se não casasse com ele/ela? Não tinha mesmo outra opção a não ser o apedrejamento público?

O que muitos profissionais não se dão conta é de uma coisa muito básica: assim como é você quem escolhe sua cara-metade, é você também quem escolhe seus clientes — e isso inclui você que é funcionário em algum lugar; seu patrão é o cliente que compra a maior parte de suas horas produtivas.

Se o parceiro que você escolheu para dividir a vida é um problema com CPF e seus clientes são todos uns trastes, analise e descubra o que você está fazendo para atrair gente assim.

O relacionamento com o cliente (qualquer um, aliás), pode começar de duas maneiras: ou você propõe a aproximação ou o cliente procura por você.

Se foi você que iniciou o contato e depois não ficou satisfeito, procure outro, oras. Vá tentando até acertar. Vejo gente dizendo que não pode chutar o pau da barraca por “enes” motivos. Olha, se a pessoa resolveu que não vai mudar mesmo, então que se adapte, que se conforme, que pare de reclamar e dê um jeito de ser feliz nessas condições mesmo. Mas se não é esse o caso, então há que se fazer uma lista com “emes” motivos para pensar em fazer tudo diferente e recomeçar em grande estilo. Passar a vida reclamando não é uma opção para quem não quer gastar todo o salário com antidepressivos.

Agora, se foi o cliente que procurou você e depois se mostrou desonesto, grosso e mau-caráter (será que é tudo isso mesmo?), avalie e analise seu posicionamento: como é que ele chegou à conclusão que você era a pessoa que ele poderia tratar mal e dar o calote sem nenhum problema? Por que, entre tantos outros profissionais que há no mercado, ele escolheu contratar justamente você?

Desculpe, mas talvez você esteja se comunicando de maneira que as pessoas possam tirar essas conclusões. O que eu vejo no dia-a-dia é que quem cultiva a excelência e faz direitinho a lição de casa (o marketing pessoal) nunca reclama de clientes; relacionar-se com gente de perfil semelhante é natural. Os afins se reconhecem mutuamente e se conectam para fazer coisas interessantes juntos. É uma rede de competências que se complementa.

Mesmo aqueles clientes com os quais a gente tem uma história com final infeliz também são muito úteis para o nosso autoconhecimento. Como é que a coisa chegou a esse ponto? Aliás, como é que eu conduzi a coisa de maneira que ela conseguiu chegar a esse ponto? Será que não tem nenhum aprendizado aí? Será que as coisas não poderiam ter acontecido de outra maneira se eu tivesse mais atitude e meus propósitos fossem mais definidos?

Bom, isso é no caso de calote e mau-caratismo. No caso do cliente ser um ignorante, aí parte da responsabilidade é do profissional mesmo. É só a gente lembrar que entende (um pouco) de um, dois, vá lá, no máximo, três assuntos, aos quais dedicou anos estudando e trabalhando. Pense: em todos os outros infinitos assuntos, a gente é ignorante também.

Então, se você passou 5 anos na universidade e mais um tanto trabalhando, fazendo estágios e cursos, como quer que o cliente tenha a mesma visão e enxergue o mundo da mesma maneira que você, sendo que nesse tempo ele estava estudando e se aprimorando em outro assunto, completamente diferente?

Fico boba quando vejo designers fazendo piadinhas com o fato do cliente ter mandando um arquivo em .doc quando devia ser um .ai, ou querendo um logo maior ou mais redondo. Gente, onde está a graça? Por acaso os designers nasceram sabendo isso? Por acaso o jardim de infância que frequentaram ensinava os conceitos básicos de branding? Não tem como exigir que o cliente saiba isso, minha gente! É como exigir que todo mundo saiba calcular a impedância de circuitos eletrônicos e considerar quem não souber um idiota. Ah, vá. Menos, né?

Se o cliente está falando bobagens, é porque o conhecimento dele é mais aprofundado em alguma outra área (em que você deve ser ignorante, claro). E parece que aprendeu bem, pois agora ele tem uma empresa e está contratando seu trabalho.

Se você não explicar a diferença que vai fazer bem direitinho, ele nunca vai saber exatamente o que está contratando. Se o cliente não tem paciência para ouvir, talvez o profissional não esteja usando a abordagem certa, talvez não esteja se posicionando corretamente, talvez não esteja usando uma linguagem acessível ou talvez não esteja conseguindo transmitir credibilidade por causa de uma postura inadequada. Ou, no final, pode ser que o santo não bata e talvez seja melhor mesmo vocês não trabalharem juntos; existem várias possibilidades que devem ser estudadas com carinho e atenção.

É claro que analisar as próprias atitudes, o próprio posicionamento, e olhar o cliente com um pouco menos de preconceito dá um trabalhão e  já vou avisando: às vezes dói bastante a gente concluir que não era tão bom quanto pensava.

Mas o outro caminho mais fácil que esse aí, você já sabe: overdose de reclamação e um cartão de fidelidade na farmácia…

11 Responses

  1. 29 agosto 2013 at 1:37 pm

    Muito correta a abordagem e as conclusões.
    Obrigado, Lígia Fascioni por sempre nos dar uma visão despregada do senso comum.
    Show!

  2. 10 fevereiro 2015 at 9:12 am

    Sensacional o artigo, isso vale para tudo, inclusive para sociedades em empresas. Parabéns

  3. 10 fevereiro 2015 at 10:02 am

    Lígia muito bom o seu artigo mais uma vez. Sinto a mesma coisa quando vejo designers reclamando e fazendo piadinhas sobre clientes “ignorantes” e eu sempre digo que a qualidade de nosso trabalho inevitavelmente influencia no tipo de clientes que atraímos. Abraço.

  4. 10 fevereiro 2015 at 1:07 pm

    Parabéns pelo texto. O seu pensamento é exatamente o que eu penso.

  5. 10 fevereiro 2015 at 4:31 pm

    Perfeito. Eu acho os designer de hoje muito preparados para trocar kerning, mas totalmente analfabetos em ler, e entender a lingua do cliente.

  6. 19 fevereiro 2015 at 2:36 pm

    Concordo com você Lígia, exceto em um ponto: posso provar por A+B que o resultado do meu cálculo de uma determinada impedância está correto. Agora provar e defender que determinado
    elemento gráfico comunica exatamente o que uma empresa ou um cliente é, me parece bem mais complicado. Acho inevitável que aconteçam atritos, tamanho é o grau de intangibilidade presente. Mas como você pontuou e concordo, existe um limiar saudável para esses atritos, assim como em qualquer relação.

    O que acredito ser o gerador de muito stress, e escrevo como designer gráfico que trabalha há uns poucos anos no mercado, é exatamente esse choque de subjetividades. Como disse, trabalho há alguns anos na área, e em certos trabalhos, sinto-me como se não soubesse absolutamente nada da minha profissão, tão díficil é acertar e entender o que o cliente quer, ainda que se tenha em mãos um briefing completo. E já vi trabalhos de meses de estudo e projetação, serem jogados no lixo ou simplesmente abandonados. Tratados de semiótica? Entrevistas de profundidade? BMC? Jornada de pontos de contato? Deskresearch? Talvez ajudem em algo, e também podem levar a nada. Mas como você também explicitou, esses problemas de ordem comunicacional podem ser falhas do próprio designer.

    Só sei que não há um problema que desperta tanta empatia em nós designers como esse que você abordou. Esse relação designer X cliente me aviva uma série de questionamentos, assim como alguns dissabores. Lembro-me de um livro chamado “How to be a graphic designer without losing your soul” que trata exatamente desses pequenas desavenças, mas em escala corporativa. Parece-me que praticamente todos os designers sofrem desse problema, do freelancer iniciante ao designer-chefe de um escritório da Pentagram. E acho que vão continuar
    sofrendo, talvez não reclamando explicitamente de seu cliente, mas balbuciando uma palavra ou outra de raiva na frente do computador de vez em quando.

    • ligiafascioni
      Responder
      25 fevereiro 2015 at 5:17 am

      Oi, Roberto!
      Compreendo perfeitamente seu ponto de vista. Mas o que para mim permanece sendo um mistério (ou não) são os designers que conseguem atrair os cliente que conseguem entender o valor do design. Não é que o cliente difícil não exista, mas tem designer que atrai esse tipo. Por quê? O que gostaria de chamar atenção é justamente sobre isso: uma reflexão de como o profissional está se comunicando e se posicionando.
      Mas concordo com tudo o que você disse; de fato, não é fácil 🙂
      Abraços e sucesso!

  7. 7 julho 2016 at 5:16 am

    Concordo totalmente, Lígia. Embora não seja da área de Design, muita gente me questiona sobre a relação com os clientes, mas nunca tive problemas com eles – todos brasileiros. 🙂 Acho que depende do posicionamento mesmo, se você adotar a estratégia certa, vai atingir o público certo. E os clientes são, em sua maioria, reflexo do próprio profissional.

  8. 7 julho 2016 at 4:44 pm

    Muito bom o artigo. Acredito que reclamações aos quatro ventos não adiantam de nada. E assim como vc, não acho graça em piadinhas sobre diálogos com o cliente, pois sempre disse isso “ninguém sabe tudo de tudo”.
    Abraços.

  9. André Pessetti
    Responder
    15 outubro 2017 at 1:49 am

    Excelente reflexão Ligia. As vezes olhar para si e reconhecer os erros das escolhas que fizemos dói, mas é extremamente necessário para evolução na vida pessoal e profissional. Clientes pagam as nossas contas, muitos não levam isso em conta…

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