Por favor, não acredite em mim!

Estava aqui pensando: por que tantas pessoas de boa fé frequentemente disseminam notícias falsas, mesmo depois de tantos avisos? Ontem falei isso para a minha mãe e ela respondeu que não confere a notícia, como ensinei, porque acredita na pessoa que enviou.

 

Entendo. Se a minha geração foi criada e educada para acreditar, imagina a dela?

 

Quando era pequena, credulidade era uma virtude, um elogio. Criança obediente, que não discute e não contesta, era o sonho de consumo de todos os pais. As pessoas crentes e ingênuas eram as boas; as desconfiadas eram as más. Se a pessoa não acreditava é porque tinha malícia, maldade; pensava sempre o pior. E essa construção, que contradiz inclusive a evolução da espécie (a luta pela sobrevivência pede desconfiança), não veio de graça. Para os governantes, gente obediente é o paraíso.

A questão é que cresci durante o regime militar, em que duvidar não apenas era indesejado, como perigoso. Gente que desconfia incomoda, perturba, causa transtorno e desordem. Não me admira que viramos todos presas fáceis para os espertos.

 

Com o tempo, os estudos e a vida, percebi a arapuca em que a gente tinha se metido. Desconfiar não somente é desejável, mas necessário ao nosso crescimento e até sobrevivência. 

 

Mas ter uma opinião própria dá muito trabalho, além de ser arriscado, pois não se sabe a que conclusões chegaremos. Ao duvidar de um fato ou opinião, a gente precisa pesquisar, ler com atenção, checar diferentes fontes, encontrar contradições, comparar pontos de vista, enfim, gastar neurônios. Já acreditar não custa absolutamente nada: é só escolher um ponto de vista que a gente acha simpático e fim. Zero neurônios envolvidos da operação. Trabalho nenhum.

 

Acreditar é como colar na prova da vida: a gente pega alguém que a gente acha que estudou mais ou que tem simpatia, e simplesmente copia a resposta. Mais moleza, impossível. Confortável no último. Não é difícil entender porque a maioria esmagadora das pessoas prefere acreditar, né? Nenhum risco, nenhuma energia gasta, nenhum trabalho.

 

É claro que não dá para desconfiar de tudo e de todos o tempo todo; o gasto de energia seria insano e a gente ficaria paranóico e com mania de perseguição. Então como equilibrar a desconfiança e a credulidade para não ficar refém dos outros e evitar a deterioração do cérebro por falta de exercício?

 

Bom, cada um tem suas técnicas. Eu levo em consideração principalmente dois critérios:

  1. Motivação: que motivos a pessoa/instituição tem para me transmitir uma informação equivocada ou distorcida?
  2. Coerência: baseado no histórico do comportamento anterior dessa pessoa/instituição, dá para acreditar no que ela diz?

 

Como resultado, no geral, desconfio pouquíssimo de pessoas nas relações pessoais e profissionais. Se alguém diz que gosta de mim e já demonstrou isso ao longo do tempo e de várias maneiras, ou seja, sempre foi coerente, por que eu deveria desconfiar? Além disso, por que uma pessoa me enganaria? O que ela ganharia? Nesse quesito, nem me dou ao trabalho. Tem funcionado muito bem.

 

Tenho alguns cuidados, porém: se a pessoa é crédula, desconfio quase sempre de suas fontes de informação. Se não conheço a pessoa e ela diz que meu trabalho é sensacional, também tendo a não levar ao pé da letra. Os brasileiros costumam ser muito diplomáticos e nunca querem passar por mal educados; não raro, exageram nos elogios, mesmo que não tenham gostado tanto assim. Então há que se dar um desconto.

 

Já instituições governamentais (ou não), veículos de comunicação, empresas e, principalmente, políticos, desconfio SEMPRE. Não só porque eles têm todas as motivações do mundo para tentar moldar minha opinião, como também porque coerência não é o forte deles. Basta observar. 

 

Assim, confiar em blogs, correntes de redes sociais, notícias de partidos políticos e posts de Facebook é uma prática que ultrapassa o nível da ingenuidade; aí é preguiça de pensar nível hard mesmo. Há que se rever essa posição até para a própria segurança e saúde mental da pessoa.

 

Além dessas, penso que há outras situações em que duvidar é saudável. Inclusive, peço que duvidem de mim toda vez que inicio um curso ou palestra. E não é porque tenho a intenção de enganar as pessoas. É porque as opiniões e pontos de vista que compartilho são resultado direto da minha vivência pessoal: dos livros que li, dos cursos que fiz, das conversas que tive, das pessoas que conheci, das viagens, amizades, relacionamentos, reflexões. Enfim. Quem está me ouvindo (ou lendo) leu outros livros, fez outros cursos, teve outras conversas, conheceu outras pessoas, viajou para outros lugares, enfim, teve outra vida. Não seria de se estranhar que sobre alguns assuntos, suas conclusões sejam completamente diferentes das minhas. Normal, saudável, produtivo e muito enriquecedor. Melhor não colar na prova.

 

Então, fica aqui um pedido. Duvidem do que puderem. E, principalmente, de mim.

1 Response

  1. Graça Taguti
    Responder
    4 outubro 2018 at 8:02 pm

    Sua conversa aqui é acolchoada, ao pé do ouvido 😉 Realmente a preguiça nos faz linearizar nossa credibilidade em outrem. Evita arestas, arranhões, contestações reflexivas. Enfim, duvidar dá trabalho, pois impõe reflexões essenciais e extensas, muitas vezes. Teremos que nos equipar para uma neurocaminhada considerável, né. Adorei o post. Obrigada, minha querida!

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