Que tal mudar seu jeito de mudar?

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Posso dar uma sugestão? Incluir o livro “Switch: how to change things when change is hard” em todos os cursos de graduação, treinamentos empresariais, classes de ensino médio, planos de carreira diversos e formação de administradores públicos. Boa parte dos problemas seria bem mais administrável se as pessoas aplicassem as ideias que os autores compartilham.

Chip Heath e Dan Heath estudaram a fundo o tema mudança e tiraram muitas e interessantes conclusões, olha só.

Primeiro, a dupla descobriu, como resultado de várias pesquisas, que nossa capacidade de auto-controle é limitada; uma hora a gente explode e acabou. Não há disciplina mental que sempre dure e fica muito mais fácil administrar as mudanças se a gente levar isso em consideração (quem está tentando emagrecer ou parar de fumar sabe exatamente do que estamos falando). Então, o que às vezes parece falta de força de vontade é só cansaço mesmo. O fim do mundo? Não, pelo contrário: é o começo!

Os irmãos Heath usam uma metáfora bem bacaninha  para a gente entender como é que o cérebro gerencia mudanças: tem uma parte, pequena, que eles chamam de Cavaleiro (Rider, em inglês) e outra, grandona, que eles chamam de Elefante. O Cavaleiro é o lado racional, que “pilota” o elefante, que escolhe a direção a seguir levando em conta cada alternativa, bem como os respectivos prós e contras. Já o Elefante não quer nem saber; é o nosso emocional, movido a paixões e desejos.

A questão é que se a gente quer que alguém mude (ou a gente mesmo precisa mudar algum comportamento), precisa trabalhar os dois atores: o Cavaleiro e o Elefante. Quando apenas o Cavaleiro está convencido da necessidade da mudança (sim, você sabe que precisa parar de fumar), ele até começa o movimento e esforça-se, mas não consegue arrastar o Elefante se este também não estiver sensibilizado (é quando a autodisciplina fica exaurida). Neste caso, temos direção sem motivação.

Já em outras situações, você está sensibilizado (sim, você precisa começar a se alimentar melhor), mas não sabe exatamente o caminho a seguir, pois a questão é ampla demais. E, no caso, quem determina o caminho é o Cavaleiro, que está “perdidinho da silva”, sem ideia de por onde começar. Assim, temos motivação sem direção.

Beleza, mas então como resolver o problema? Primeiro, pensar que o Cavaleiro fica maluco se houver muitas opções para escolher (esse fenômeno já foi exaustivamente estudado e tem até um nome: paralisia da decisão — veja o ótimo livro The Paradox of Choice, de Barry Schwartz). É assim: quanto mais informações e alternativas você der para uma pessoa, mais ela vai tentar medir, pesar, analisar e menos vai conseguir decidir. Nesse caso, o Elefante fica ansioso e o resultado é óbvio: ele opta pelo mais familiar, por aquilo que já conhece, mesmo que saia prejudicado na história. Resultado: o comportamento não muda.

Você quer que uma pessoa ou grupo mude de atitude? Então, sensibilize o Elefante, mas diga para o Cavaleiro o que fazer (e que a ação seja simples e factível).

Ok, mas ainda está muito trivial essa conversinha, até aí todo mundo já sabe. É que agora é que vem a chave do negócio, que faz tudo ficar diferente: a busca pelos bright spots (ou pontos brilhantes). É que a gente tende a olhar um cenário, observar alguma coisa que não está funcionando e logo pensar: o que posso fazer para consertar isso?

Bom, aí é que está o erro. Em vez de se concentrar no que está errado, a gente devia buscar as lições do que está certo.

Quer um exemplo prático disso? Em 1990, um sujeito chamado Jerry Sternin foi convidado pelo governo do Vietnam para combater a desnutrição infantil. Detalhe: seu orçamento era quase zero, ele só tinha 6 meses e não era especialista no assunto.  Muitos estudiosos já tinham estado antes no mesmo cargo e bolado planos infalíveis que não tinham funcionado por motivos diversos. Ele não podia construir sistemas de saneamento básico, não tinha verba para trazer água limpa para os locais mais pobres. Mesmo assim, o maluco topou a parada.

E aí, como começar? Ele sabia que as mães precisavam de direção, não de motivação, que elas tinham de sobra. Então Jerry visitou as mães das comunidades para conhecê-las e mediu e pesou suas crianças. Ele descobriu que um percentual ridiculamente pequeno enquadrava-se nas condições de crescimento e nutrição ideais; o restante estava muito abaixo do peso.

A grande sacada foi se concentrar no que estava dando certo (os tais brigh spots). O que essas mães faziam de diferente, já que estavam todas na mesma situação de pobreza? Aí Sternin descobriu que elas misturavam batatas, crustáceos e ervas ao arroz que normalmente era servido puro aos pequenos. E que o valor nutricional desses alimentos, que normalmente não eram oferecidos às crianças por uma questão cultural, era importantíssimo.

O próximo passo foi organizar encontros onde as mães bem-sucedidas compartilhavam suas experiências com as demais. Jerry sabia que não adiantava ficar dando palestras sobre desnutrição; em vez disso, ele criou 5 regras bem claras que todas deviam seguir — e eram as próprias mães que compartilhavam essas práticas umas com as outras. Isso dava aos Elefantes uma esperança (o emocional é fundamental nessas horas) de que poderia dar certo, pois as histórias de sucesso estavam aí para todo mundo ver e ouvir.

Nesse caso, o Cavaleiro também entrou em ação: as mães passaram a ter uma direção a seguir, uma forma simples de agir para ajudar seus filhos. E não era de um gringo qualquer que veio sei lá de onde impor valores de fora; a solução estava no próprio lugar, com ingredientes baratos e acessíveis para todo mundo (mais ou menos como a Dra. Zilda Arns fez com a Pastoral da Criança no Brasil). Resultado? Depois de 6 meses, 65% das crianças já estavam mais bem nutridas do que quando ele chegou e agora é um modelo nacional que abrange 2,2 milhões de vietnamitas.

A ideia é relativamente simples: quer mudar uma situação? Procure os bright spots e replique-os de maneira organizada (para o Cavaleiro) e motivadora (para o Elefante).

Outro exemplo: um menino-problema, que já estava na quarta família de adoção, quase sempre se comportava mal na escola e agredia os colegas e professores. A chave estava no “quase”. Pois o psicólogo John Murphy  teve apenas poucas horas para conversar com o menino e conseguiu uma melhora de comportamento de 80%. Como?

Ele tentou descobrir o que acontecia quando o menino comportava-se bem. Descobriu que isso acontecia quando uma determinada professora cumprimentava-o de manhã e explicava novamente o exercício para ele enquanto os colegas trabalhavam. Ou quando um outro professor olhava nos olhos dele quando sorria. Enfim, coisas simples que o faziam sentir mais calmo. Bastou instruir claramente os outros professores para fazerem o mesmo. Claro que não resolveu totalmente, mas foi muito mais eficaz do que os outros métodos punitivos que nunca deram resultado nenhum.

Seu marido deixa a toalha molhada em cima da cama e você quer que ele mude? Pense no que acontece quando ele não faz isso e tente replicar o comportamento.

Seus funcionários estão sempre chegando atrasados nas reuniões? Concentre-se em replicar as atitudes dos que chegam no horário. O que eles estão fazendo de diferente? Crie regras claras, para que as pessoas saibam exatamente o que fazer e o que você espera delas. Motive-as emocionalmente, mas também mostre o caminho para o Cavaleiro. Se quando as pessoas brigam pensassem nos momentos bons e o que elas fizeram para que eles acontecessem, quão mais fácil (e produtiva) seria nossa vida, heim?

É claro que o negócio não é receitinha de bolo e é mais complexo do que apresentei aqui (são 300 páginas, né, minha gente?), mas os princípios são esses.

Olha, acho que você deveria ler esse livro. Espero que seu Elefante já esteja aí bem empolgadinho, mas aí vai o link do livro em português para que seu Cavaleiro saiba exatamente por onde começar, ok? Vai lá: http://tinyurl.com/cnoz4oh

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* Nossa, agora é que vi o horror que ficou a tradução do título em português: “Guinada: maneiras simples de operar grandes transformações“. Difícil motivar alguém a comprar um livro com esse nome…

18 Responses

  1. Luiz Roberto
    Responder
    8 abril 2012 at 11:14 am

    Excelente artigo!

  2. 8 abril 2012 at 11:27 am

    Lígia save lives!

  3. Carla De Oliveira
    Responder
    8 abril 2012 at 11:29 am

    Obrigada pelas dicas, adoro ler seus artigos.

  4. Maria Marta Stopa
    Responder
    8 abril 2012 at 11:45 am

    Muito bom!! Acredito que é essa a chave, a solução. Devemos trabalhar com os 2 lados do nosso cérebro, o analítico e o intuitivo. Realmente não é tão fácil como parece. Simples porém um pouco complexo, mas é possível, como vemos em algumas ações. Também concordo que devemos prestar mais atenção nas idéias dos autores e mais que isso, aplicá-las. Genial Lígia.

  5. Clotilde Fascioni
    Responder
    8 abril 2012 at 1:16 pm

    Adorei, passarei a observar os “pontos brilhantes” das situações…

  6. 9 abril 2012 at 3:54 pm

    Demais! Gostei do texto uma barbaridade, e principalmente da ideia.
    🙂

  7. Marcelo
    Responder
    13 abril 2012 at 11:31 am

    Pô… além do título do livro traduzida, a capa está nada motivadora, hein!?
    O menino e o elefante estão bem melhores!!
    Gostei das analogias. Abss

    • ligiafascioni
      Responder
      13 abril 2012 at 3:13 pm

      É, Marcelo, eu nem olhei direito a capa prque fiquei muito chocada com a tradução. Mas agora fui lá de novo olhar e é horrorosa mesmo. Com certeza quem fez isso não leu o livro antes (devia ser lição de casa do designer que faz capas, mas se eles não querem vender os livros, fazer o quê, né?).
      Abraços e saudades 🙂

  8. 18 abril 2012 at 2:04 pm

    Olha a coincidência, você comentou por lá e eu já estava com esse post pronto: http://www.anamappe.com.br/blog/2012/04/18/que-tal-mudar-o-seu-jeito-de-mudar/

    • ligiafascioni
      Responder
      18 abril 2012 at 2:13 pm

      Nossa, que honra! O seu blog é um dos mais lindos ever! Obrigadão mesmo, viu?

  9. Clarissa Pacheco
    Responder
    19 abril 2013 at 1:37 pm

    Muuuito legal o artigo! E fiquei muito curiosa em ler o livro, vou comprar (se eu tivesse visto esse livro na prateleira sem antes ler seu artigo, nunca compraria. O título em português fiicou com “cara” de de auto-ajuda hahaha).
    🙂

  10. Aline
    Responder
    3 junho 2013 at 7:10 pm

    Adoro Gregory Colbert, lindo! Excelente escolha para ilustrar esse post!

  11. Rosane Terezinha Dutra
    Responder
    1 novembro 2014 at 7:00 pm

    O seu post me encantou e meu elefantinho ficou muito interessado em ler o livro. Acontece que eu não sei ler em inglês e esse link que você divulgou no seu post está bloqueado. Por gentileza, existe um outro local onde eu possa encontrar o livro, virtual ou físico? Sou Coach para Mulheres e esse assunto agregou muito valor ao meu trabalho. Muito obrigada pela dica e pelo post. Desejo muito êxito à você

  12. Walkiria Maciel
    Responder
    12 junho 2020 at 11:22 am

    Adorei o livro!! A analogia usada, a partir de J.Haidt, do Elefante, Condutor (na versão em português) e do Caminho, foi uma ótima reflexão para compreender o processo de mudança. A explicação através de exemplos torna mais concreta a possibilidade de aplicação, a questão mesmo é estarmos atentos, sem deixar a ansiedade e o desejo de termos transformações com resultados rápidos atrapalhar essa análise. Sem falar que envolve o autoconhecimento e o conhecimento da situação e das pessoas que estarão envolvidas com a mudança. Confesso que no âmbito das organizações públicas, que é o meio onde eu trabalho, às vezes é muito complicado porque as mudanças surgem de cima para baixo a partir da percepção de um grupo pequeno. Bem, mas isso não é desculpa para não atuar no meu pequeno ambiente! Valeu muito a leitura!

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