Você não é tão generoso quanto pensa…

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De vez em quando faço um favor ou outro para alguém e invariavelmente acabo ouvindo um “fico te devendo essa” no final. É claro que é só uma forma de falar, mas tem quem leve isso a sério.

Desconfio que há pessoas que mantêm tabelas com registros dos favores que fizeram, dos que receberam, e ficam conferindo para ver se os valores batem. Ajudas maiores contam mais pontos? Como medir o tamanho da contribuição de cada parte? Esses cálculos complicados geram não apenas sentimentos de injustiça (ah, como esse povo é ingrato!) como posts constrangedores em redes sociais.

E mais; tenho certeza que há viventes nesse planeta que acreditam que o Criador do Universo gasta seu tempo atualizando e analisando planilhas de boas ações e cruzando dados sobre a quantidade/qualidade de favores que cada pessoa presta. Depois, baseado em pontos alcançados numa estranha competição religiosa, Ele calcula classificação de cada mortal quando o jogo termina. Aparentemente, a pontuação define quem vai para onde depois que morre (bônus: se rezar muito ou fizer promessa pode ganhar pontos suficientes para receber algum favor divino enquanto está vivo).

O duro é que quem faz mais favores (segundo seus próprios critérios, claro), fica se achando muito generoso e superior aos demais mortais, portanto merecedor indiscutível de benesses e privilégios.

Será?

Vamos ser sinceros. Mesmo que o objetivo não seja ganhar pontos na divina gincana ou sair bem na foto, fazemos favores aos outros segundo nossos próprios interesses. Sempre.

Se ajudo um amigo ou pessoa querida numa situação qualquer, é porque eu é que vou ganhar em vê-la bem e feliz. É do interesse do meu coração; serei diretamente beneficiada com um sorriso ou abraço se a coisa der certo.

Se estou ajudando um desconhecido, é porque de alguma maneira essa pessoa contribui para que o mundo se movimente do jeito que eu quero. Todos temos um ideal de como as coisas deveriam ser; quando a gente observa alguém fazendo um gesto na direção que desejamos (seja uma pesquisa, um trabalho, um projeto), nada mais óbvio do que dar um empurrãozinho, não é?

Então, se o sujeito me escreve para tirar uma dúvida pessoal ou profissional, e posso ajudá-lo, por que não? Essa ação contribui para que o mundo fique mais próximo do modelo que imagino, onde as pessoas são mais felizes e bem resolvidas. Se elogio alguém é porque é minha intenção que ela continue reproduzindo esse comportamento, que está alinhado com meu mundo ideal.

Então não é uma questão de generosidade; apenas uma ação natural e lógica. Se você quer mover uma coisa numa direção, não faz sentido ficar parado e não ajudar quando surge uma oportunidade.

É claro que nem sempre se consegue fazer todos as ações necessárias para que o mundo siga na direção que a gente quer, seja por falta de recursos, tempo ou desconhecimento mesmo. A gente elege prioridades, mas no final das contas, acaba fazendo tudo por interesse.

Sou grata às muitas pessoas que me ajudaram ao longo da vida, mas não me sinto em dívida. Penso que tudo faz parte de um enorme movimento para fazer a bola girar (para um lado ou para o outro; o lado que recebe mais impulso acaba ganhando).

Enfim, estou fazendo o favor de cutucar aí sua cabeça para você parar de pensar em dívidas, pontos e planilhas e começar a pensar e movimentos, intenções e resultados.

De nada 🙂

8 Responses

  1. Alberto Costa
    Responder
    21 agosto 2014 at 12:17 pm

    Lígia,

    “Fico te devendo esta” tem o mesmo sentido de “obrigado”, que é a abreviação para “sinto-me obrigado para com você, por causa do favor que recebi de você”.
    O sentido é o mesmo de “dar graças” ou “agradecer”, que originalmente significa “atribuir à graça – favor imerecido – de outro o bem que se recebeu e não ao próprio merecimento”.

    Em ambos os casos, trata-se de reconhecer que aquele bem que recebemos de outro é fruto da benignidade do outro e não de nosso merecimento, razão pela qual nos portamos como quem deve (se tivéssemos dado algo em troca, não precisaríamos agradecer – o outro só estaria cumprindo sua parte na transação).

    • ligiafascioni
      Responder
      21 agosto 2014 at 12:19 pm

      Alberto, meu querido, só me resta ficar te devendo mais essa….rsrsrsrs

  2. 26 agosto 2014 at 1:52 pm

    Todos nós ficamos te devendo mais essa, Lígia. Uma reflexão necessária e muito original (pra variar, né?)

    Antes mesmo de ler o seu artigo, só de ver o título, fiquei pensando, “será que toda vez que eu faço alguma coisa para alguém (ou por alguém) eu espero algo em troca?” A resposta é sim. Claro!

    Mas algumas vezes, a cara de feliz (ou de aliviado ou de satisfeito) de quem recebe já é o retorno esperado. Um “muito obrigado” é sempre bem vindo. E o desejo de que um determinado comportamento seja estabelecido ou sustentado também é, muitas vezes, o motor das minhas ações.

    Não me considero calculista e manipulador a ponto de só fazer pelos outros algo que me garanta algum tipo de retorno. Admito que, muitas vezes, ajudo alguma pessoa, mesmo tendo certeza de que não haverá nenhuma atitude dessa pessoa que possa me beneficiar de alguma forma

    Mas, confesso: não tenho vocação para Madre Tereza. A falta de reconhecimento muitas vezes me deixa muito indignado. Um exemplo muito comum é quando um estudante desesperado me pede para ajudar na produção de um TCC, Monografia ou Dissertação. Se está ao meu alcance, ajudo como posso. A única coisa que peço em troca é que o infeliz me envie cópia do trabalho depois de pronto. De uns trezentos que eu já ajudei nos últimos dez anos, apenas uma (uma única, Lígia!) me mandou o trabalho pra eu ver.

    Acho isso muito triste!

    • ligiafascioni
      Responder
      26 agosto 2014 at 3:01 pm

      Oi, querido Ênio!
      Como você, também não tenho vocação para Madre Teresa; acabei de admitir publicamente que faço tudo por interesse…rsrsrsr
      Mas sobre esse povo que pede coisas e não é capaz de dar pelo menos um “ok, recebido”, já me estressei muito. Mas continuo por causa dos 2% que respondem e fazem tudo valer a pena, principalmente quando a gente percebe que de alguma maneira está fazendo diferença na vida de alguém e, por conseguinte, diferença no mundo também.
      Beijos solidários 🙂

  3. Thinara Ramos
    Responder
    3 fevereiro 2018 at 8:36 am

    Bom dia, realmente ao ajudar o outro todos nós temos interesse, há os mais nobres interesse que eh de fazer com que aquela pessoa ajudada seja melhor e ajude o próximo.. . Eu pelo menos fico muito chateada quando alguém qud ajudei não retribui, não a mim, e sim ao outro…. para poder fazer essa roda girar…. sendo assim tbm não sou tão generosa, mas não espero que algum favor seja retribuído, só quero que o outro seja feliz…. porque gente feliz não “enche” rsrsrs

  4. SUE ELLEN CAETANO VAZ
    Responder
    20 maio 2020 at 3:24 am

    Uma reflexão magnífica a qual não tinha pensado ainda rsrsrsrs…grande parte do tempo fico feliz e esperando um sorriso de agradecimento, porém, de uma forma implícita espero a retribuição.
    🙏

  5. Isabel Silveira
    Responder
    27 junho 2022 at 12:08 pm

    Ligia, olá de novo!

    Sinto de todo coração que quero muito te agradecer, já agradeci em outro post, mas a medida que avanço por aqui minha alegria só faz aumentar! Quando fazemos coisas boas há um desejo de algum reconhecimento: o mais singelo ” muito obrigada” junto a um sorriso alimenta o coração. Não se trata de encher o ego de auto-satisfação, mas de criar uma rede de não egoísmo, onde quem se beneficia entende que ao surgir uma oportunidade ( elas aparecem a todo momento!) de ajudar alguém estará mantendo viva uma corrente poderosa de afetos. Ao quebrarmos , ao não contribuirmos com sua continuidade diminuímos de tamanho. E podemos ser gigantes, pois os afetos podem ser maravilhosos. Muito obrigada, a cada post fico te devendo uma, duas, três infinitas alegrias.

    • 28 junho 2022 at 12:25 pm

      Puxa, Isabel! Que coisa boa de se ler! Meu coração se enche de alegria vendo que não estou trabalhando em vão e que, mesmo que pouquinho, consigo fazer alguma diferença na vida das pessoas. Obrigada demais!!! Também gosto muito do professor Clóvis.

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