Como não ser engolido pelo dragão

Recentemente fiz uma apresentação para uma empresa da área de confecções; o pessoal está muito preocupado, e com motivos. A concorrência com produtos chineses (cuja qualidade vem aumentando e o preço caindo) é assustadora. As empresas mais espertas já se deram conta de que bater de frente não vai adiantar, é preciso encontrar uma solução lateral.

Para os mais atentos, há um movimento claro no mercado no sentido de mudar a referência do produto para o serviço. É que o valor de um objeto não está mais nele mesmo; mas nos seus serviços associados. Pense num celular; de que serve o aparelhinho mais modernoso sem uma operadora para fazê-lo funcionar? Imagine o carro mais bacanudo e baratinho, mas sem rede de assistência técnica no país. Visualize um computador sem software que rode nele. Essas coisas tecnológicas todas são apenas lixo sem serviços que as suportem.

Com roupas a coisa é um pouco mais complicada. É preciso apelar para os sentidos das pessoas e suas experiências. Martin Lindstrom, no seu excelente “Brand Sense: sensory secrets behind the stuff we buy” nos conta que o único sentido realmente explorado em quase todo o seu potencial na área de vendas é o visual. Os demais, são todos claramente sub-utilizados, ignorando informações que podem decidir a vida ou morte de uma marca. Por exemplo: vocês sabia que os bebês chegam a ter os sentidos 300% mais apurados que suas mães? Não é à toa que os nenéns todos têm um “cheirinho”, geralmente um paninho que não largam. Com o crescimento, a parte visual toma conta e a gente perde o faro afinado.

E o que as lojas que vendem roupas para crianças deviam fazer? Ora, explorar esses sentidos! Que tal uma etiqueta peludinha, que só sua marca tem? Ou uma loja cheia de estímulos sensoriais para os pequenos? Quem sabe um biscoito ou docinho especial ganho somente na compra de um produto? Roupas com sons divertidos? Sei lá, mas com a tecnologia que temos hoje, não há justificativa para competir por preço como se não houvesse amanhã.

Ontem passei pelo shopping e vi uma loja especializada em biquínis e roupas de verão. Luz fria e ar condicionado no máximo. O provador, para ser completo, deveria ter um antidepressivo na saída, tal é o estrago que a luz e o espelho fazem com a auto-estima da mulher incauta que se arrisca a experimentar um modelo.

Meodeos, há coisa mais básica no mundo do que compreender que uma loja que vende biquínis deve ser mais quente que as outras? Que deve ter cheiro de verão? É tão difícil imaginar que toda mulher quer se ver morena e alongada no provador? Uma vez que é de conhecimento geral que esses efeitos são fáceis de se obter com uma iluminação adequada (luz quente e indireta, não fria e direta, please) e um espelho de qualidade, fica realmente tentador torcer para os chineses.

Ok, mas uma vez que a pessoa sai da loja, como continuar o processo de consolidação da marca, para que ela não seja esquecida? Lindstrom relata uma experiência realizada com jovens consumidores de jeans nos Estados Unidos. As etiquetas de vários modelos foram retiradas e as calças todas colocadas em cima de uma mesa. Pois o único jeans claramente identificado foi o Abercrombie. Perguntados sobre como sabiam que aquele modelo era da marca, a resposta foi: o cheiro; único, inesquecível, desejado. O que me lembra, aliás, o prazer de comprar uma sandália Melissa, com aquele perfume de plástico novo (parecido com o das bonecas novas) tão caro à minha geração.

A C&A recém inaugurou uma loja no shopping Iguatemi, em São Paulo, onde as clientes podem assistir a desfiles e conversar com personal stylists; a Nespresso criou lojas próprias (lindas e aromáticas) e um programa de fidelização para a compra de sachês (até o manual da máquina é uma experiência sensorial; eles cuidaram, inclusive, da textura do papel).

A Kellog’s chegou a contratar um laboratório para criar um barulhinho especial quando comemos seus sucrilhos; os clientes da Starbucks lembram-se do som da máquina de café expresso (além do aroma inebriante, claro); ou seja, nem tudo é apenas o que parece. Os outros sentidos estão sempre presentes, quer os ignoremos, quer não. E as marcas espertas jamais os ignoram…

Competir por preço é suicídio para uma marca; ignorar o apelo dos sentidos e o valor da experiência, também. Existem tantas maneiras de se tornar inesquecível e transformar o ato de consumir em algo prazeroso e especial que não dá para entender porque tanto medo dos olhinhos puxados. Será por causa do dragão?

Ligia Fascioni | www.ligiafascioni.com.br

7 Responses

  1. Pedro Varella
    Responder
    27 outubro 2010 at 4:33 pm

    Parabéns Ligia! Adoro seu blog. Amanhã estaremos juntos em BH, irei na sua palestra com certeza. Seja bem vinda a Belô!

  2. 27 outubro 2010 at 8:55 pm

    Espetacular seu post. Adorei seu texto e sua visão apurada e objetiva do assunto.

  3. Alexandre Akira
    Responder
    28 outubro 2010 at 3:00 pm

    Concordo plenamente Ligia. Outro bom exemplo é a indústria automobilística, que dispõe de áreas para desenvolver tecidos e texturas que serão utilizados no acabamento interno dos carros. O cheiro de carro novo, que também é estudado e replicados em série. O barulho do motor, que precisa agradar aos ouvidos e que em alguns casos é patenteado(leia-se Harley-Davidson). Acho que o único sentido não contemplado é o paladar.

  4. Andrea
    Responder
    28 outubro 2010 at 4:46 pm

    Adorei! Trabalho em uma industria de confeccao infantil e seu artigo ja foi encaminhado aos meus superiores (comercial e mkt), com os devidos creditos.

  5. 29 outubro 2010 at 10:21 am

    O melhor exemplo disso é o perfume característico da loja Le Lis Blanc.
    Ao sentir o perfume lembra-se da marca na hora.

* All fields are required