Uma questão de princípios

Em se tratando de livros, sou mais que volúvel, sou libertina. Passo de um volume para outro sem remorsos, com paixão e entrega. Leio vários ao mesmo tempo, risco, anoto, releio.

Esse papo todo é só para apresentar meu mais novo amor: é o “Principios universales de diseño”, de William Lidwell, Kristina Holden e Jill Butler. William é chefe de desenvolvimento de um instituto de ciências aplicadas; Kristina é engenheira da área espacial; e Jim tem um estúdio de design. Uma turma que não é fraca.

Eles se juntaram para escrever a obra porque se deram conta de que, no início do século passado, os designers eram profissionais ecléticos, donos de uma vasta cultura e versados em arte, ciência e religião. Com essa erudição toda eles tinham mais elementos para entender a natureza dos problemas. Os designers de hoje estão ficando cada vez mais especializados e muitos acabaram por atrofiar sua faceta multidisciplinar, tão necessária ao exercício da profissão.

Os autores reconhecem que há coisas demais para estudar; além do mais, nesse universo de novos conhecimentos, há que se selecionar o que ler. É tudo muito complicado e o tempo é curto. Generosamente, o grupo teve o trabalho de selecionar princípios de todas as áreas que poderiam ser úteis a um designer.

Só para dar um exemplo, o primeiro princípio é o da Regra de Pareto (também conhecida como 80/20), criada pelo economista italiano Vilfredo Pareto, que observou que 20% da população possuía 80% da riqueza. Estudiosos aplicaram a mesma proporção em outras áreas e descobriram que 80% do trânsito de uma cidade passa por 20 % das ruas; que 80% dos lucros de uma empresa provêm de 20% de seus clientes, entre outros exemplos. Depois de uma longa excursão na engenharia, onde a regra primou pela ubiqüidade em sistemas de controle de qualidade, ei-la aqui, aplicada ao design. Assim, os autores afirmam que 80% do uso de um produto vêm de 20% de suas características. Pode-se dizer que no design de um site, 20% das funções mais utilizadas devem estar visíveis e acessíveis no primeiro nível do menu. As demais devem ficar em segundo plano para aumentar a usabilidade. Legal, né?

Outro exemplo: a Lei de Hick, da psicologia experimental, diz que o tempo que se leva para tomar uma decisão é diretamente proporcional ao número de alternativas. Se preciso apertar um determinado botão numa emergência, vou demorar mais quanto mais botões houver para serem apertados. A lei é mais aplicável a tarefas mais simples e que requerem rapidez na tomada de decisões. Certamente muito útil em projetos de interface e em design de equipamentos.

Quer mais? Ainda tem a Navalha de Ockham, que diz que, ante a possibilidade de escolher entre desenhos equivalentes do ponto de vista funcional, convém optar pelo mais simples. A regra, aplicada em várias áreas do conhecimento, é atribuída a um frei franciscano e também filósofo chamado Guillermo de Ockham, que viveu no século XIV. Ele corrobora a máxima de Aristóteles que diz que a natureza sempre escolhe o caminho mais curto. O peso desnecessário, seja físico, visual ou cognitivo, aumenta a possibilidade de comportamentos inesperados e erros.

Gostei mesmo foi do efeito von Restorff, que leva esse nome em homenagem a uma cientista alemã que passou anos estudando este fenômeno, segundo o qual recordamos com mais facilidades coisas claramente diferentes do que coisas parecidas. Assim, para destacar palavras num texto, convém usar o negrito com comedimento, senão se perde o efeito diferencial e tudo fica muito parecido (ok, entendi!).

Ao todo, são 100 regras que respondem a cinco perguntas básicas:

1. Como influir na percepção do design?

2. Como instruir usando o design?

3. Como realçar a utilidade de um design?

4. Como incrementar a atratividade de um design?

5. Como melhorar o modo de fazer design?

A regra 80/20 faz parte do grupo que responde às perguntas 3 e 5. E todas são muito interessantes. Há regras sobre escolha de cores; proporções figura-fundo; hierarquia, organização, interferências, alinhamentos, adequação, legibilidade, pregnância, consistência, fragmentação, erros, arquétipos, dissonância cognitiva, enquadramento, modelo mental, autossimilitude, redundância, série de Fibonacci, proporção áurea, efeito da expectativa, fator de segurança, escala, distribuição normal e muito mais.

Para cada princípio há referências às principais publicações nas áreas que lhe deram origem. No mínimo, vale como cultura geral.

Bom, depois disso tudo, acho que não corro mais o risco de ser acusada de fútil e de ser atraída só por um corpinho bonito: nem precisava, mas a encadernação é em capa dura e a diagramação é belíssima! Ah, como o amor é lindo….

Lígia Fascioni | www.ligiafascioni.com.br

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