O andar do bêbado

Já estava namorando do livro desde o ano passado, mas agora finalmente consegui dar conta de lê-lo. Estou falando de “O andar do bêbado: como o acaso determina nossas vidas“, do PhD em Física Leonard Mlodinow. Apesar do estofo acadêmico, Leonard contribuiu como roteirista nas séries MacGyver (eu adorava!) e Star Trek, além de ter escrito “Uma nova história do tempo” tendo ninguém menos que Stephen Hawking como co-autor.

Mlodinow explica a teoria da aleatoriedade de uma maneira, que, como diria (e aprovaria) Einstein, até uma garçonete entenderia.

Ele começa já destruindo nossos mais sólidos paradigmas que costumam associar sucesso com competência. Segundo uma galera que se ocupa há anos (na verdade, há séculos) em estudar as questões probabilísticas, o número de variáveis aleatórias envolvidas em qualquer situação da vida real é tão grande que nos seria impossível calculá-las, mesmo que tivéssemos todas as informações necessárias. Sim, o que ele afirma categoricamente é que não há uma associação simples e direta de que a empresa X vai indo bem por causa do talento e brilhantismo seu principal executivo. Ele tem que ser capaz, mas também precisa muito que os eventos aleatórios sobre os quais não possui nenhum controle lhe sejam favoráveis (chamamos isso vulgarmente de sorte). Depois ele mostra uma série de exemplos muito convincentes e faz contas probabilísticas bem simples (que, infelizmente não cabem numa coluna) para corroborar a idéia.

Nós tentamos ser desesperadamente determinísticos o tempo todo: se o filme fez sucesso, então é porque é bom; se fulana se separou é porque o marido a enganava; se beltrano não consegue se dar bem na vida é porque é um fracassado; rápido, fácil, simples e… errado (ou pelo menos, não é bem assim).

Leonard explica que nosso cérebro lida muito mal com a aleatoriedade e, mesmo nos processos lógicos e tomadas de decisão mais simples, a gente erra feio porque vai pelo caminho determinístico, o mais fácil, curto e aparentemente seguro. Quer um exemplo? Ele cita um caso famoso nos EUA, onde uma célebre física respondia a questões do dia-a-dia em uma coluna de jornal e recebeu a seguinte pergunta:

“Num programa de auditório, o participante pode escolher entre três portas. Atrás de uma há uma Ferrari; nas outras duas, apenas brindes simbólicos. O participante escolhe uma e o apresentador abre outra porta, mostrando que tem apenas um brinde. Depois, pergunta se a pessoa quer trocar de porta ou não. A pergunta é: há vantagem em trocar de porta ou é melhor continuar com a mesma?

A física respondeu que, trocando de porta, as chances de ganhar são bem maiores; foi virtualmente linchada. Ora, é óbvio que as chances são de 50%, pois só há duas portas, então tanto faz trocar ou não. Será? Um raciocínio simples demonstra que, o que parece correto à primeira vista não resiste a dois ou três neurônios trabalhadores (quem quiser a prova me escreva ou leia o livro) e que a resposta dela está certa (e de acordo com as estatísticas do programa), apesar de aparentemente absurda.

O autor também conta um pouco da história da matemática e da probabilidade, dos símbolos matemáticos e sobre como o conhecimento na área foi sendo desenvolvido lentamente com o tempo. Apesar da teoria da aleatoriedade ser inadequada para analisar vida particular de cada indivíduo, ela se ajusta perfeitamente em situações onde as variáveis são controladas (jogos) ou quando precisamos analisar fenômenos sociais. Com a ajuda de alguns cálculos, pode-se prever comportamentos com razoável precisão; é a presença inexorável da curva normal (ou curva de Gauss).

Ele mostra como o estudo nessa área é importante não só para quem faz previsão de tempo, mas também para juristas, médicos, policiais, administradores, corretores de seguros, jornalistas e qualquer pessoa que precise tomar decisões baseadas em análise probabilística (ou seja, todos nós).

Apesar dos estudos cada vez mais avançados para entender como a mente humana percebe e processa a aleatoriedade, as conclusões até o momento indicam que as pessoas têm uma concepção muito fraca desse fenômeno; não o reconhecem quando o vêem e não conseguem produzi-lo ao tentarem. É isso mesmo: desde tempos imemoriais o ser humano vem “forçando a barra” para explicar eventos que são, na verdade, completamente aleatórios. Já apelou-se para deuses, explicações esdrúxulas de todo o tipo, magia, mau-olhado, mérito e até lógicas capengas e sem nenhum fundamento. O fato é que não conseguimos lidar com isso.

Só para citar um caso real, a Apple teve que mudar o programa que embaralhava as músicas no iPod porque, num processo randômico de verdade, há ocasiões em que uma música se repete ou canções do mesmo artista são tocadas em sequência. Pois as pessoas achavam que isso era um defeito e a empresa teve que fazer com que “a função ficasse menos aleatória para parecer mais aleatória“, nas palavras de Steve Jobs.

No final das contas, a conclusão que Leonard tira de tudo é que mundo que a gente vive, as influências aleatórias são tão importantes quanto nossas qualidades e ações (esse, na verdade, é o enunciado da Teoria do Acidente Normal).

É que em sistemas complexos (como as nossas vidas), deve-se esperar que fatores menores, que geralmente ignoramos, causem grandes acidentes em função do acaso (acidentes não são necessariamente negativos; você pode conhecer o amor da sua vida porque esqueceu a chave de casa ou perder o emprego porque um executivo indiano pegou a mulher dele com outro; pode ficar famoso porque estava na mesma festa que a pessoa certa ou levar um tiro porque se abaixou para amarrar o tênis).

Parece bem assustador, mas, no final das contas, isso de forma nenhuma deve nos desanimar. A ação a tomar é continuar tentando, seja lá o que tivermos em mente, pois isso, inevitável e matematicamente aumenta as nossas chances de atingir o objetivo. Mesmo um dado viciado tem chances de cair em números pouco prováveis; o que a ciência da aleatoriedade recomenda é jogá-lo repetidamente até consegui-lo.

Além do mais, mesmo que não consigamos calcular as probabilidades do acaso por causa do excesso de variáveis, sempre há a possibilidade de se levar em conta a famosa frase de Einstein: “Deus não joga dados”.

Então, só me resta desejar boa sorte!

Lígia Fascioni | www.ligiafascioni.com.br

14 Responses

  1. 1 fevereiro 2010 at 3:06 pm

    Uau !!!!!!!!! É admirável ler tudo isso, mas o que realmente me surpreende é a tua capacidade, Lígia, de ler tudo o que você lê, escrever e ainda trabalhar. Ufa, sinto-me uma tar-ta-ru-ga… Snif, só me resta desejar aos do meu time, boa sorte, também.

  2. 1 fevereiro 2010 at 3:24 pm

    Bjs♥ aleatórios de quem viveu sempre (ou quase) aleatóriamente)♥♥♥♥

  3. 1 fevereiro 2010 at 9:25 pm

    Coincidência ou não, estou lendo esse livro neste momento. =)

    Resumiu perfeitamente.

  4. Maikon
    Responder
    7 fevereiro 2010 at 12:47 am

    É, nós apenas tentamos e nunca deixaremos de somente tentar. Que Deus nos ajude a tentar e a vencer, nos fortalecendo e nos aprimorando, e que a sorte contribua com a gente também.
    Deixo uma citação de Einsten para reflexão do conteúdo deste tema:
    “O espírito científico, fortemente armado com o seu método, não existe sem a realidade cósmica.” Albert Einstein

  5. Cesar Manieri
    Responder
    25 junho 2014 at 9:50 pm

    Li o livro e depois dele passei a aumentar as chances de algum sucesso em algo aumentando o número de tentativas e deixando de lado o fato de ter ou não talento para algo.

  6. 31 maio 2015 at 1:13 am

    Parei de ler o texto quando chegou na parte de ” ate uma garçonete entenderia”. Discriminaçao e ignorancia persistem. E incrivel como o ser humano ainda quer diminuir e desvalorizar o trabalho do proximo.

    • ligiafascioni
      Responder
      1 junho 2015 at 6:15 am

      Dd, o que você tem contra garçonetes? Elas só foram usadas como exemplo porque a maioria delas não tem formação em física teórica, apenas isso. Na verdade, costumo dizer, em textos semelhantes (quando leio livros sobre assuntos complexos explicados de maneira simples), que o negócio é tão bem explicado que até pessoas leigas como eu conseguem entender.

      Incrível como um ser humano consegue interpretar frases conforme seus próprios filtros pessoais… 🙂

  7. 31 maio 2015 at 1:20 am

    Se foi Einstein quem falou nao repita essa bobagem. Einstein batia na sua propria esposa e nem tudo q ele fez na vida foi correto. Foi um grande fisico cheio de defeitos Nao foi um texto informando o q ele falou, mas parafraseando. Essa bobagem nao esta escrita no andar do bebado, nao precisa ler p saber.

    • ligiafascioni
      Responder
      1 junho 2015 at 6:12 am

      Achei que você tivesse parado de ler o texto bem no início, segundo seu comentário anterior… de qualquer maneira, não encontrei nenhuma parte do texto onde estivesse escrito que Einstein era um ser humano perfeito e sem defeitos. Vou procurar mais 🙂

  8. 22 agosto 2015 at 6:18 pm

    Oi. Empaquei a leitura na página que traz um triângulo de números. Achei enfadonho este capítulo, pulei e li os demais, muito mesmo interessantes. Depois, fiz questão de ler Subliminar, do mesmo autor, e gostei mais que o primeiro. Teu texto e considerações são muito bons. “Brincando” de escrever (crônica), a que tento me dedicar, eu que (força do destino… :)) sou contadora e naturalmente limitada para a escrita, tentei me divertir usando ferramenta aprendida no livro. Vou deixar o link aqui. Espero que não se importe, se puder, que leia, e se gostar, que comente. Obrigada, Auristela
    https://alegracatarina.wordpress.com/2014/09/03/sobre-a-teoria-do-acidente-normal/

    • 23 agosto 2015 at 10:29 am

      Oi, Alegra (que nome lindo!).
      Não entendi a parte em que você diz que é limitada na escrita; imagina se não fosse! Achei seus textos ótimos, parabéns!!

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