O cardume

Um bom livro de ficção científica, na minha opinião, é o que leva a sério a palavra “científica” no nome do estilo literário. Ao contrário de livros de fantasia (que também são interessantes) e esotéricos (que não gosto muito), esses levam em consideração e com muita seriedade as leis da física, química e biologia na construção da história.

Nesse aspecto, Der Schwarm (“O Cardume”, em tradução livre), de Frank Schätzing,  é indefectível. Só imagino o tanto de pesquisa que foi necessária para escrever as quase mil páginas (com letras miudinhas…rs). 

Bom, tudo começa no litoral do Peru, onde um pescador acaba “atropelado” por um cardume excepcionalmente denso e gigante, que faz desaparecer muitos barcos. Ao mesmo tempo, na Ilha de Vancouver, Canadá, um posto de observação de baleias começa a identificar comportamentos extremamente agressivos em espécies até então pacíficas. Simultaneamente, pesquisadores de uma companhia petrolífera na Noruega observam um tipo mutante de minhocas de alta profundidade oceânica que pode corroer a base do solo comprometendo todo o litoral do país.

Cientistas desses e de outros lugares começam a observar fenômenos muito estranhos no fundo e na superfície do mar; a situação vai ficando tão tensa que toda a atividade humana no oceano é impactada: pessoas são atacadas e mortas, pescados como lagostas e crustáceos passam a conter venenos letais, carangueijos contaminados invadem cidades litorâneas, navios e barcos são afundados, cabos de telecomunicações são cortados e até um tsunami provocado pelo colapso de montanhas em águas muito profundas acontece. É como se o mar estivesse se rebelando contra o que estão fazendo com ele.

O governo dos EUA (sempre ele) reúne cientistas para uma força-tarefa cuja missão é descobrir o que está acontecendo e salvar a Terra. 

O interessante é que os estudos são mostrados detalhadamente; para quem gosta de biologia, é um curso completo. Aprendemos sobre baleias, águas vivas, golfinhos, minhocas, organismos unicelulares, enfim, muita coisa interessante sob qualquer ponto de vista. Como bônus, todos os personagens que aparecem são muito bem construídos; além dos protagonistas, que são mais de dez, os figurantes também têm suas crises existenciais e as ações são inseridas no contexto de suas vidas. Há muita filosofia nas discussões, muito debate sobre o que é consciência, o que é inteligência e o que difere os humanos dos outros organismos. Até um simulador de inteligência artificial é construído ao longo da trama, baseado na teoria de Ray Kurzweil (aqui a resenha de “How to create a Mind”; aliás, foi pesquisando a biografia desse autor que cheguei em “Der Schwarm”). 

A história é bem detalhada e muito criativa. O mais incrível é que ela é justamente crível; poderia acontecer de verdade. O livro é denso, cheio de informações e debates filosóficos, cuja parte do conteúdo certamente perdi por não estar lendo na minha língua mãe. 

Fiz uma pesquisa e descobri que em Portugal o livro saiu com o estranho título de “O quinto dia” (jamais vou entender a lógica por trás dessas traduções de títulos). No Brasil é “O cardume” mesmo, mas deve ter esgotado a edição, pois só achei na seção de usados. Aqui o link do Mercado Livre para quem quiser dar uma olhada.

Vou procurar outros livros do autor, que parece ser uma pessoa interessantíssima: um ex-publicitário alemão que vive em Colônia, mas que também é músico, gosta de cozinhar e tem assombrosos conhecimentos de biologia marítima, geologia e geofísica, além de escrever muitíssimo bem. Impressionante.

Recomendo com estrelinhas!

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