Os originais

Ando lendo muitos livros bons e esse aqui não é exceção. “Originals: how non-conformists move the world” (tradução livre: “Originais: como os não conformistas mudam o mundo”), do Adam Grant, é excelente (recomendo também o outro livro dele, “Give and Take”).

O volume tem oito partes e fala principalmente sobre o perfil e as práticas das pessoas inovadoras, mas vou destacar as que, para mim, mais surpreenderam por derrubar mitos que pareciam óbvios.

Sobre riscos

Por exemplo; no capítulo 1, onde ele fala da destruição criativa, achei que ia ler o de sempre: que empreendedores são pessoas com um nível de ousadia acima da média, que nascem com uma espécie de imunidade biológica ao risco, que são radicais e não têm medo de nada. Inclusive a palavra entrepeneur (empreendedor, em inglês), cunhada pelo economista Richard Cantillon, significa “aquele que carrega o risco, o portador do risco”.

Pois ele conta que um estudo conduzido por dois pesquisadores por mais de 12 anos com cerca de 5 mil empreendedores de todas as faixas etárias mostram justamente o contrário. Os mais bem sucedidos são bem avessos a riscos, acredita?

A primeira descoberta surpreendente é que a maioria esmagadora dos inovadores manteve por anos um emprego em tempo integral e empreendia nas horas vagas (noites e finais de semana). A explicação faz sentido. Sem a pressão de ter que pagar as contas mais urgentes de subsistência, é possível se concentrar em desenvolver um produto bem acabado. Se a pessoa está endividada, quase falindo e precisa urgentemente vender, dá o produto como terminado antes dele realmente estar pronto. Eu não sabia, mas o sócio do Steve Jobs na Apple, Steve Wozniak, continuou trabalhando como engenheiro em tempo integral na Hewlett-Packard mesmo após ter terminado o desenvolvimento do Apple I. Só depois que a empresa começou a dar realmente lucro é que ele se sentiu seguro para pedir demissão.

Larry Page e Sergey Brin consideraram vender o Google porque o projeto estava atrapalhando o doutorado de ambos (e eles podiam perder a bolsa). Por sorte ninguém comprou, a dupla defendeu suas teses e pôde trabalhar full time no buscador.

Bryan May estava no meio do doutorado em astrofísica quando começou a tocar guitarra no Queen. Só depois da defesa é que pode se dedicar inclusive a compor “We will rock you”. O cartunista Scott Adams, criador do Dilbert, continou trabalhando em tempo integral na Pacific Bell por sete anos depois da primeira tirinha ser publicada nos maiores jornais dos Estados Unidos. Stephen King trabalhou como professor, zelador e atendente de posto de gasolina até sete anos depois de escrever sua primeira história.

Os exemplos não param; a pesquisa mostrou que os empreendedores que mantêm seus empregos têm 33% menos chances de falir do que os que chutam o balde logo no começo. 

O autor explica que é preciso haver equilíbrio em tudo; se a pessoa é original num aspecto da vida, precisa ser estável em outros para manter o balanço. Não é possível inovar sem estabilidade social e emocional. Ter a sensação de seguraça é fundamental para a liberdade de ousar. Os melhores empreendedores não maximizam os riscos; ao contrário; sempre tentam minimizá-los e mitigá-los. O próprio Henry Ford continuou no seu emprego como engenheiro chefe da Thomas Edison mesmo depois de desenvolver e patentear o carburador, que revolucionou a indústria automotiva e deu origem ao seu império. Mesmo o Bill Gates, que abandonou a faculdade, administrou as faltas durante um ano inteiro para não perder a vaga até ter certeza de que seu negócio iria dar certo. Esse tipo de comportamento de alto risco por um lado e convencional no outro é normal no mercado de ações; os portfolios sempre têm um mix de ações de risco e outras mais estáveis. 

Isso acontece porque os inovadores, mesmo os brilhantes, são pessoas mais comuns do que se imagina; morrem de medo, são inseguros e, em muitos casos, precisam de um grande empurrão da família e dos amigos para continuar. Não acredite nos discursos bonitos de empreendedorismo de palco; aquela segurança toda, na maioria das vezes, é só fachada.

O deja vu e o vuja de

Grant também cria um termo novo; em vez do deja vu (aquela sensação de que a gente já viveu uma situação antes), ele inventa o vuja de (que é olhar para uma coisa familiar como se fosse a primeira vez, de um jeito totalmente novo). O vuja de permite que a pessoa seja inovadora mesmo dentro de uma empresa ou fazendo o mesmo trabalho.

Quantidade é importante para a qualidade

O livro também mostra estudos que confirmam o que já se sabia: quantidade é muito importante. Não é possível ser excelente sem produzir bastante. Para gerar algumas dezenas de obras-primas, Mozart compôs mais de 600 peças antes de morrer aos 35 anos; Beethoven produziu 650 peças e Bach, mais de mil. O acervo de Picasso inclui 1800 pinturas, 1200 esculturas, 2800 cerâmicas e 12 mil desenhos, sem mencionar tapeçarias e outros experimentos. Einstein publicou 248 papers, mas pouquíssimos tiveram realmente impacto. O psicólogo Dean Simonton descobriu que as obras primas surgem nos períodos de mais produtividade. Thomas Edison, por exemplo, tem 1093 patentes registradas, mas menos de uma dezena foi realmente revolucionária. Ele diz que muitas pessoas não são originais porque geram poucas ideias e se contentam em refinar obsessivamente as primeiras. Estudos do psicólogo concluíram que são necessárias no mínimo 25 ideias para chegar a uma original.

Outras áreas de conhecimento

Outra constatação importante: para se ter ideias originais é necessário ampliar as áreas de conhecimento. Grant apresenta uma tabela que mostra, por exemplo, que ganhadores de prêmios Nobel costumam ter hobbies relacionados a desenho, pintura e escultura com uma frequência sete vezes maior que a média dos cientistas. Escrever poesia, ensaios e histórias curtas são 12 vezes mais frequentes e trabahos manuais relacionados a mecânica, eletrônica e marcenaria, 7,5 vezes. Agora o mais incrível: os ganhadores de prêmios Nobel que dançam, gostam de mágica ou fazem teatro amador chegam a ser 22 vezes mais que seus colegas não ganhadores. O estudo descobriu que entre empreendedores e inventores, o fenômeno se repete.

Sobre comunicar ideias

Uma coisa muito interessante é sobre comunicar as ideias originais para as outras pessoas. Existem dois requisitos para que as pessoas realmente ouçam: poder e status. O poder envolve a autoridade sobre os outros; o status tem a ver com ser respeitado e admirado.

Se a pessoa tem uma ideia original, não basta ter poder de mandar nas outras pessoas, seja por meio de um cargo ou dinheiro. Se ela não tiver status, não será respeitada entre os pares. Status não dá para comprar; tem que ser conquistado e está baseado nas contribuições que a pessoa faz ao grupo. Só assim é possível ganhar credibilidade para apresentar e ter as ideias aceitas.

Depois que a pessoa tem autoridade (poder e status) ela também conquista credibilidade para propor o que quiser. Mas sem isso, as ideias, sejam quais forem, encontram muita resistência. Por isso, a melhor estratégia é dar um jeito de pelo menos conquistar o status antes de apresentar qualquer proposta original.

Deixar para depois

Mais uma destruição de mitos: a procrastinação não é tão ruim como parece (confesso que essa me deixou chocada!). É claro que ela não é a causa da criatividade, mas possibilita que as ideias ganhem tempo para amadurecer. A pessoa tem que entregar um trabalho e fica jogando videogame, na verdade está incubando as ideias e pensando no projeto em background.

Cada idade com seu estilo

A última, para fechar: em caixas de sugestões de grandes empresas, as melhores ideias costumam vir de pessoas com mais de 55 anos! Isso porque elas também costumam gerar mais ideias do que a média. Em tecnologia, a média de idade dos fundadores de startups que conseguem investidores de risco é de 38 anos. Por outro lado, há gênios que desabrocham cedo, por volta dos 20 anos, e depois quase não conseguem produzir mais muita coisa de útil. 

O estudioso David Galenson mostra que o motivo é que há dois estilos diferentes de inovadores: os conceituais e os experimentais. Os conceituais formulam uma grande ideia e a executam rapidamente, pois ela geralmente não requer anos de pesquisa e método.  Os experimentais resolvem problemas através da tentativa e erro, aprendendo e desenvolvendo mais ideias durante o processo. Galenson diz que os inovadores conceituais são sprinters, e os experimentais são maratonistas. Entre os ganhadores de prêmios Nobel, a média de idade dos conceituais é 43 anos; a média dos experimentais é de 61 anos.

Se um inovador é conceitual, ele quer resolver logo o problema, mas não se dedica a amadurecer a solução, pois quer logo mudar de assunto. Já os experimentais ficam anos burilando a solução.

Tem ainda um mundo de coisas interessantes nesse livro, por isso recomendo demais a leitura.

4 Responses

  1. Mateus Falk
    Responder
    4 abril 2019 at 11:31 am

    Gostei muito do texto e fiquei interessadíssimo no livro que pretendo ler em breve.
    Fiquei positivamente surpreso com a ruptura de alguns mitos que sempre me incomodaram pois sempre tive a impressão de que “não era bem assim”.
    Grato pela leitura e parabéns pelo texto.

  2. Maristela Klein Sternadt
    Responder
    1 fevereiro 2021 at 12:51 pm

    Muito interessante a sua resenha, Ligia. Compartilhei com o meu filho que está pensando em mudar de área professional e acho as considerações deste livro muito oportunas.

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