Os seis segredos da inteligência

Tudo o que explica (ou tenta explicar) o modo como a gente pensa, me interessa. Então, mesmo com esse título caça-cliques horrível, resolvi levar o “The six secrets of intelligence: what your eduction failed to teach you”*, de Craig Adams, para casa. E, olha: não me arrependi.

O livro é dividido em 5 partes, começando com uma breve história do não pensamento; seguindo para os tais seis segredos, falando sobre “pensar sobre pensar”, questionando o pensamento na educação e, finalmente, apresentando uma escola de pensamento.

O autor é professor de linguística e línguas modernas em Londres e, um pouco desiludido com o currículo que precisava ensinar aos seus estudantes e que deixava de lado ideias muito importantes do seu ponto de vista, resolveu escrever esse livro, para a sorte de todos nós.

Ele começa afirmando que a inteligência não é sobre cultura ou educação, pois não é sobre o que você sabe. Inteligência é sobre como você pensa

Ele conta que Aristóteles foi o primeiro ser humano a descrever os princípios fundamentais sobre o modo como a gente pensa, argumenta, explica e prova o que acredita ser verdade.

Ele conta que aprendemos ouvindo histórias e isso não tem nada a ver com aprender a pensar. E as histórias antigas reforçam que o único jeito de ser inteligente (ou bravo, ou forte, etc) é ter recebido esse dom dos deuses. No final, a escola nos ensina em que acreditar, não como pensar.

Então vamos aos tais seis segredos que fundamentam e nos ajudam a realmente pensar de maneira estruturada: 

  1. a dedução
  2. a indução
  3. a analogia
  4. a realidade
  5. as evidências
  6. o significado

1. Dedução: como ver através dos argumentos

Essa é uma velha conhecida minha e de muita gente que teve alguma disciplina de metodologia científica. Mas, talvez por ser ministrada por bibliotecárias e não por filósofas, a tônica sempre é mais a regra, o funcionamento e a lógica, do que o pensamento crítico sobre essa ferramenta. Assim, mesmo já conhecendo um pouco do princípio da dedução, esse capítulo me apresentou o tema de um jeito um pouco diferente (e, a meu ver, mais produtivo).

Aristóteles dizia que não basta ensinar por meio exemplos; é preciso formalizar a linha de raciocínio. Senão, é como colocar na sua frente uma pilha de sapatos e dizer que isso é ensinar a fazer calçados. Assim, o primeiro passo para pensar quais argumentos funcionam e quais não funcionam para estruturar uma ideia e definir se é falsa ou verdadeira, é identificar os três princípios da razão, sendo que o primeiro deles é a dedução (os outros são a indução e a analogia).

Um exemplo bem conhecido para a dedução é o seguinte:

  1. Todos os humanos são mortais
  2. Sócrates é humano.

então

3. Sócrates é mortal.

Temos duas afirmações, que chamamos de premissas, que dão origem a uma terceira nova, que nasce das duas anteriores. Mas…

  1. Todos os cachorros têm quatro pernas.
  2. Minha mesa tem quatro pernas.

então

3. Minha mesa é um cachorro!

Esse tipo do que chamamos de dedução dúbia era amplamente usada pelos chamados sofistas para enganar as pessoas. Mas onde está o problema?

Nas premissas.

Aristóteles diz que as premissas necessariamente precisam ser fortes. E diz mais: usar a lógica não faz automaticamente alguém estar certo. Por premissas fortes, entenda-se aquelas que são universais; elas têm que ser verdadeiras para um grupo de coisas. Ou a premissa aplica-se a todos os membros do grupo, ou a nenhum membro. 

As premissas dúbias podem funcionar a maior parte do tempo, mas não sempre. E elas precisam ser examinadas a fundo para se encontrar as “premissas escondidas”.

No caso do cachorro, a premissa escondida é aquela que determina que o que faz um cachorro ser um cachorro é o fato dele ter quatro patas, quando sabemos que isso não é verdade. Essa premissa não aparece, mas tem que estar implícita para a dedução funcionar. Então, o truque para desmascarar sofistas é encontrar essas premissas escondidas (geralmente falsas, fracas ou incompletas).

Há outro problema muito mais sério nesse sofisma: as regras da dedução só valem se a segunda premissa for um subconjunto da primeira. No caso, Sócrates faz parte do conjunto de humanos. Mas mesa não faz parte do conjunto de cachorros, de maneira que a dedução não vale.

Ele dá vários exemplos, inclusive em debates políticos. Se os jornalistas ou mesmo cidadãos comuns dominassem mais a arte da dedução, poderiam ter uma ideia mais clara das armadilhas em que tentam nos prender.

Assim, para entender não somente como a gente pensa, mas como o outro está pensando, a gente deve se perguntar se todas as premissas estão claras e postas (se não há nenhuma escondida). Quanto mais a gente consegue enxergar essa estrutura, mais o nosso entendimento melhora e melhor a gente consegue compreender nossas crenças e se defender de truques de retórica.

2. Indução: como construir ou quebrar uma teoria

Indução é uma ferramenta poderosa, porém limitada. Praticamente toda a ciência se baseia nela. Ao contrário da dedução, que é sempre precisa e pode ser provada, a indução não traz certezas, pois baseia-se apenas em evidências de alcance limitado. Não é possível esgotar todos os casos para que se garanta o que se chamaria de prova.

Se no processo de dedução eu parto do geral para o particular, na indução fazemos o contrário. Testamos uma ideia em um grupo e, de acordo com os resultados, estendemos as mesmas conclusões para um grupo maior. Resumindo: na indução, eu crio um universo de regras a partir de sinais de um caso particular.

Por exemplo: eu testo uma nova vacina num grupo de voluntários e funciona. Então a regra é vacinar todos. Porém, mesmo com todos os protocolos de segurança seguidos rigorosamente à risca, é impossível garantir o mesmo efeito em cada um dos cidadãos. 

Bertrand Russell tem um exemplo bem interessante: todo dia, num determinado horário, um peru recebe comida gostosa do fazendeiro. Ele reconhece o sinal de que o fazendeiro está vindo e já fica feliz, pois identificou um padrão. E os sinais se repetem e se confirmam por 364 dias, até que, no 365o dia, o fazendeiro vem com uma faca e mata o peru (para comê-lo, pois é natal!). Mas funcionou 364 vezes, como não transformar isso numa lei geral de comportamento?

A chave é separar o que a gente vê do que a gente acredita e, principalmente, determinar o que é correlação e o que é indução.

Correlação é quando coincidências ocorrem, mas nada têm a ver com o resultado. Por exemplo: eu reparo que toda vez que meu time ganha o jogo, estou vestindo uma camiseta azul. Aí começo a achar que ele ganha os jogos por causa da minha camiseta.

A indução é a base do preconceito e também da superstição, mas também das descobertas científicas que salvam vidas. 

Então, para evitar, ou pelo menos minimizar os erros, o processo indutivo passa por vários testes, incluindo definir o que é causa e o que é efeito, a diferença entre sinais falíveis e infalíveis, o que são eventos e o que são propriedades dos objetos.

Por isso também o método científico não é simples e nem rápido. É preciso testar e se certificar de muita coisa antes de emitir uma conclusão como regra geral.

3. Analogia: o sinal do gênio

A habilidade que a nossa mente tem de ver similaridades entre duas coisas pode salvar vidas (por exemplo, saber que um cogumelo é venenoso pelo formato); é o que Aristóteles chamava de “sinal do gênio”. 

A gente passa praticamente o dia inteiro tentando encontrar padrões (similaridades), pois é dessa maneira que o nosso cérebro funciona. É por isso que temos também uma outra habilidade, única nos seres humanos, que é fazer analogias. Por exemplo: a gente chama uma pessoa de porca, mesmo sabendo que ela é um ser humano, e não um animal. Estamos comparando comportamentos, nesse caso.

Na maior parte do tempo, as comparações são relativamente simples e cada cultura tem um grande repertório de atributos que são subentendidos e usados para descrever pessoas ou coisas.

Usando a analogia para argumentar racionalmente, estamos querendo dizer que duas coisas são similares em um aspecto porque elas são similares também em algum outro. Por exemplo, se você sabe que o limão pode funcionar como anti-séptico em alguns casos, em situações em que você tem somente laranjas, pode usar como argumento que as duas coisas têm similaridades suficientes para que a propriedade desinfetante seja similar também. Você não pode afirmar somente com base na analogia, mas pode perfeitamente usá-la como argumento lógico.

Por exemplo: em vez de dizer que tal político é um tipo de Hitler, você aponta uma lista de similaridades que fundamentam seu argumento. Você não pode afirmar, mas pode apresentar evidências e similaridades que corroborem esse ponto de vista (eu juro que tirei esse exemplo do livro!).

Assim como a indução, o argumento por analogia infere regras em vez de começar com elas, o que torna as coisas um pouco mais complicadas. A indução usa uma série de exemplos para construir uma regra; a analogia usa apenas um caso, constrói a regra e depois aplica em outro exemplo.

O que diferencia uma analogia boa de uma ruim não é a quantidade de similaridades, mas a significância delas. Duas coisas podem ter muitas propriedades em comum, mas nem toda similaridade é significativa. Quando alguém compara duas coisas, a primeira pergunta que se deve fazer é: “de que maneiras elas são iguais?” e “de que maneiras elas são diferentes?”.

E mais, as metáforas que escolhemos, assim como as comparações que fazemos de forma automática, sem o menor esforço, revelam muito sobre como vemos o mundo.

4. Realidade: ideias não são coisas

Aqui tem uma passagem muito interessante, onde o autor cita a aula inaugural do professor J. A. Smith, em que ele diz que a razão pela qual devemos aprender como os filósofos pensam é que isso vai nos ensinar a reconhecer quando alguém fala uma bobagem. Filosofia é a arte de detectar quando alguém está falando besteira.

E uma das coisas em que a filosofia nos ajuda é nos lembrar de sempre perguntar: Isso é real? O que isso significa? Isso conta como evidência?

Essas perguntas parecem simples, mas elas nos ajudam a identificar a pseudociência. É que a pseudociência nunca explica como o mundo físico funciona descrevendo como as forças e os objetos físicos interagem para provocar determinados efeitos.

Em vez disso, ela usa ideias para explicar o mundo físico, como, por exemplo, que terremotos são causados por deuses mal-humorados ou que a água tem memória. 

5. Evidência é a resposta

Na busca pela resposta para saber se uma coisa é ou não real, a gente se pergunta: o que pode provar que algo é verdadeiro? A resposta é sempre: as evidências

Mas o que conta como evidência? Bom, se estamos falando de algo físico, é fácil. Basta olhar as características e comportamentos. Mas e quando se trata de algo não físico, que não pode ser fisicamente investigado, pesquisado, explicado e entendido? 

Aristóteles afirma que cada forma de pensar inventa suas próprias regras. Se consideramos evidências como provas físicas da realidade, não há como argumentar com um místico, que baseia seus argumentos em outro tipo de regras e premissas.

As regras são incompatíveis, então é melhor cada um ficar na sua, com suas próprias crenças e regras.

6. Significado: as bonecas russas

Adams diz que o significado das coisas, comparações, evidências e conceitos são sempre intrincados. Mesmo as palavras mais simples trazem significados dentro de significados, como uma matrioska.

E tentar desenlear essa trama de significados é o caminho para descobrir a verdade. A ideia é “desenpacotar” os vários significados, premissas, argumentos para entender o que exatamente é real e verdadeiro.

***

O autor fala ainda sobre a nossa dificuldade em lidar com ideias abstratas e cita Daniel Kahneman, que diz que nas discussões do dia-a-dia estamos sempre fazendo julgamentos sobre o mundo, e baseando os nossos atos nesses julgamentos.

Kahneman acredita que é possível melhorar a habilidade de identificar e entender erros de julgamentos e escolhas nossos e de outras pessoas quando conseguimos usar palavras e termos mais exatos e precisos para falar deles.

Adams faz uma série de reflexões interessantes e termina dizendo que não é possível se construir uma sociedade de livres pensadores sem uma base muito forte de filosofia, sem uma escola que leve em consideração os modos estruturados de pensar e argumentar.

Ele lista uma série de princípios e seus correspondentes obstáculos para uma educação mais crítica e inteligente. Vale a pena ler. 

Recomendo fortemente.

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* Tradução livre: “Os seis segredos da inteligência: o que sua educação falhou em ensinar para você”.

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