Pequeno manual antirracista

Sigo a maravilhosa filósofa e escritora Djamila Ribeiro nas redes sociais. Por isso, assim que tive a oportunidade, comprei o “Pequeno Manual Antirracista” e o li durante uma viagem de trem. É um livro pequeno, sintético, conciso, mas com muita informação importante. Na minha opinião, todo cidadão brasileiro deveria lê-lo. É fácil, acessível e utilíssimo.

Ela começa contando como teve seus primeiros contatos com a realidade do racismo quando entrou na escola, que só oferece a versão do ponto de vista dos vencedores (no caso, as pessoas brancas). Toda a história das pessoas negras escravizadas foi apagada e negada aos descendentes. Ela lembra que a educação é um direito de todos desde a constituição de 1824, exceto para pessoas negras escravizadas, que não eram consideradas pessoas, mas mercadorias.

Djamila fala sobre como os imigrantes brancos europeus tiveram tratamento diferente dos escravizados recém-libertos. E de como a nossa tão celebrada miscigenação se deu através de estupros.  

E antes que alguém se levante e diga, com toda convicção que não é racista, Djamila lembra que essa questão não é individual, mas coletiva. E mais: é estrutural, ou seja, permeia todas as estruturas sociais, econômicas e culturais de maneira que a gente simplesmente não perceba que o sistema favorece claramente brancos em detrimento dos negros. E isso não é opinião: é estatística, estudo sério e fundamentado.

Djamila ainda diz que não devemos temer as palavras “branco”, “negro”, “racismo”e “racista”. É preciso dar o nome certo às coisas e reconhecer o problema de maneira inequívoca para conseguir combatê-lo.

A autora conta de sua experiência na escola, onde pela primeira vez entendeu o que era ser negra, ser diferente. E cita uma frase da pesquisadora Joice Berth que é de doer o coração: “Não me descobri negra; fui acusada de sê-la”. Tudo na escola apresenta as culturas europeias como superiores e as gente aprende assim, internaliza e nem percebe. 

Djamila fala ainda sobre como é importante nós brancos reconhecermos nossos privilégios. De novo, vamos às estatísticas: 56% da população brasileira é negra (a maior nação negra fora da África), mas a gente não vê nem sombra dessa proporção na gestão das empresas, nas posições de poder, na política, enfim, em todos os lugares.

Ela fala da importância de conversar sobre o tema em casa, com a família, e principalmente com as crianças.

Djamila ainda fala sobre as cotas raciais (no começo eu era contra e levei anos teimando até abrir a cabeça e entender o mecanismo de compensação) e políticas educacionais afirmativas, como a inclusão da história africana e afro-brasileira nos currículos.

Ela ainda fala sobre a inclusão dos negros nos ambientes de trabalho, da importância de se ler autores negros para entender a história sob esse ponto de vista, sobre a relevância do pensamento crítico para analisar a cultura que a gente consome (as piadas, a moda, etc) e a questão da violência contra pessoas negras.

É um longuíssimo trabalho a se fazer e os brancos precisam ajudar. Se a gente quer realmente um mundo mais igualitário, equilibrado, justo e muito mais rico culturalmente, a nós brancos, como a autora diz, não basta apenas não sermos racistas; é preciso ser antirracista, ou seja, combater de maneira mais proativa esse legado podre que a escravidão deixou. É o mínimo.

Para terminar, vou compartilhar algumas coisas que tenho aprendido:

  1. Sobre se o certo é preto ou negro: até onde pesquisei e perguntei, a palavra não importa tanto quanto o tom com o qual ela é dita. Até “meu amor” pode ser xingamento se dito de maneira agressiva. Então, o mais importante é perceber o contexto e a intenção da mensagem.
  2. Sobre perguntar as coisas sobre racismo para pessoas negras: imagina que coisa irritante se todos os seus amigos, conhecidos e desconhecidos ficarem perguntando o tempo todo para você coisas que poderiam ter descoberto sozinho no Google. Uma coisa é pedir uma opinião pessoal ou um ponto de vista; outra é usar o amigo ou amiga como, segundo a Djamila, um Wikipreto (fazendo analogia com a Wikipedia). Então, pergunte apenas se você quer uma opinião. Informação a gente é capaz de encontrar sozinhos.
  3. Turbante: pode ou não pode? Aqui, segundo a filósofa, a questão não é pessoal e individual. É sobre como quando um turbante é apropriado pela moda, automaticamente fica chique. E quando uma pessoa negra usa normalmente, não é. É sobre usar estampas de origem africana num desfile que apresenta apenas modelos brancas. Então, novamente, a questão não é sobre eu ou você podermos ou não usar isso ou aquilo; é sobre analisar o contexto e perceber se isso não está roubando uma característica de outra cultura que parece valorizá-la, mas é o contrário. Porque quando o acessório é usado por um negro, ninguém acha tão cool.
  4. Usou as palavras erradas, racistas, simplesmente por costume ou falta de atenção? Eu faço isso direto (o racismo está na estrutura; às vezes a gente não percebe mesmo). Não tente justificar (só piora as coisas). Se alguém lhe chamou atenção, peça desculpas e tente não repetir. Só isso. 

Bom, espero que daqui a algum tempo (que não sejam 200 anos, por favor), esse livro seja peça de museu e a gente nem veja mais sentido dele existir, a não ser por memória. Mas, para isso acontecer, todo mundo tem que fazer a sua parte.

Bora?

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