Rework

Olha, confesso que me irrito bastante quando leio clichês do mundo empresarial, tipo pessoas pregando loucamente que é preciso repensar o mindset, que as empresas precisam ser disruptivas e escalar para crescer exponencialmente.

Será que ninguém reparou que se todo mundo crescer exponencialmente a coisa explode, uma vez que os recursos são limitados? Que, aliás, já crescemos até mais do que seria sustentável?

Acho que por isso gostei tanto de “Rework: change the way you work forever”, de Jason Fried e David Hansson. Os dois autores são os fundadores de uma empresa chamada 37 signals criadora de vários produtos bem sucedidos para gestão e trabalho colaborativo em empresas.

O livro é desses que a gente lê em uma ou duas sentadas, pois, além da linguagem simples e sem rodeios, não fica se estendendo desnecessariamente com cases americanos que ocupam páginas e mais páginas. Eles dão o recado, citam um ou dois exemplos e partem para o próximo tópico. Realmente praticam o que pregam. 

Mas vamos lá; de que trata o livro? Os autores apresentam 88 dicas (eu me dei ao trabalho de contar, pois imaginei que seriam 37…) agrupadas em 10 temas relacionados à gestão.

Vou selecionar aqui algumas das que mais gostei para ficar claro o motivo a minha admiração.

1. Sim, funciona no mundo real

A empresa dos autores tem apenas 16 funcionários, que estão espalhados em 8 cidades diferentes em dois continentes. O que eles cansaram de ouvir: isso jamais funcionaria no mundo real.

E mais: eles não têm um departamento de vendas e nem são atendidos por uma agência de publicidade. Entre os produtos, eles têm um framework de programação de software aberto (Ruby), ou seja, sem restrições de uso.

Tanto funciona que a empresa está avaliada em U$ 100 bilhões (sim, você leu certo). 

2. Não se aprende com os fracassos

Essa afirmação é contrária a todos os livros de gestão que estão nas prateleiras das livrarias. Mas faz todo o sentido. Todo mundo diz “falhe rápido e frequentemente”. Mas segundo os autores, ninguém aprende com os erros dos outros; isso só interessa a eles.

E também não se aprende tanto assim com os erros — pelo contrário — aprende-se muito mais com os acertos. Falhar não é um pré-requisito para o sucesso, tanto que estudos mostram que, empreendedores que já falharam têm quase a mesma taxa de sucesso que os que nunca falharam.

E isso não é surpreendente, pois é como a natureza funciona; a evolução não liga para as falhas passadas. Ela é construída sempre sobre o que funciona.

3. Por que crescer?

As pessoas estão sempre perguntando o quão grande é a sua empresa; elas ficam impressionadas com o número de colaboradores ou a área física. Então, ter muitos funcionários é, de certa forma, uma medida de sucesso. Mas os autores citam, por exemplo, uma das maiores universidades do mundo, Oxford.

Por acaso ela precisa crescer para ser mais respeitada? Precisa ter Campus espalhados pelo mundo, ter mais alunos? Claro que não. Ela está há quase mil anos do mesmo tamanho e continua sendo uma referência. Então por que as empresas precisam ser medidas assim?

Qual o problema de ter um negócio pequeno, com poucas pessoas, mas que pague suas contas (e talvez alguns luxos) e faça você se sentir realizado? Por que todo mundo deveria almejar ter um império? Qual a vantagem?

Se o negócio é lucrativo e sustentável, seus empreendedores têm motivos de sobra para se orgulhar, não importa o tamanho.

4. Não trabalhe enquanto os outros dormem. Durma também.

Fried e Hansson também não entendem as pessoas quererem confetes por se matarem de trabalhar. Trabalhar até morrer não significa que a pessoa está realmente produzindo algo de útil; ela pode estar apenas se esforçando, sem muito resultado.

Workaholics criam mais problemas do que resolvem, uma vez que estão sempre em crise criativa, irritados e esgotados. E é consenso que ninguém toma boas decisões quando está esgotado, o que pode causar mais problemas que exigirão mais horas de trabalho. Workaholics não são heróis; os verdadeiros heróis são os que encontram um jeito de produzir com menos esforço.

É claro que às vezes é preciso trabalhar a mais, mas você não é um herói e nem superior a ninguém por causa disso…

5. Estabeleça seus limites antes de começar

Essa aqui eu adorei mais que as outras, e explico. Toda a minha pesquisa na área de identidade corporativa busca justamente isso: a empresa identificar sua essência e, com isso, seus limites. Autoconhecimento é uma poderosíssima ferramenta na tomada de decisão, economiza tempo e noites insones.

Quando a empresa não sabe quem ela é e no que acredita, tudo pode ser questionado, tudo pode ser motivo para debate. Mas quando ela tem sua essência bem definida, as decisões mais importantes são óbvias e indiscutíveis.

6. Fuja de investidores

Os autores afirmam que quando você pega dinheiro de terceiros, algumas coisas acontecem:

  • Você perde o controle do negócio.
  • Você para de pensar no negócio para pensar (e ter as respostas) sobre como vai sair dele.
  • Você se vicia em pegar dinheiro alheio.
  • Os clientes deixam de estar em primeiro lugar;  prioridade passa a ser os investidores.

Conseguir dinheiro toma tempo: são pitchs, planos, pesquisas, conversas, contratos, advogados, reuniões sem fim. Quase não sobra tempo para desenvolver o negócio propriamente dito.

Por isso, conseguir investidores deve ser o plano Z. Só se não tiver mesmo outro jeito. Mesmo assim, tem que pesar muito se vale a pena e quanto exatamente de dinheiro você precisa de verdade (geralmente é menos do que se imagina).

7. Comece um negócio, não uma startup

Ah, o maravilhoso mundo das startups… principalmente na área da tecnologia, esse é um universo à parte. Uma decoração descolada, uma identidade visual bacana e um investidor anjo. O que mais se pode querer? Preocupação com ter lucro? Isso a gente vê depois…

Pois é, mas, segundo os autores, um negócio sem um caminho claro para o lucro não é um negócio. É um hobby. Então, evite esse espírito fantasioso de startups e comece um negócio (é assim que se chama!). 

8. Seja um curador

Se um grande museu colocar todas as suas peças em apenas uma sala, todas empilhadas, ele não é mais um museu. Pode ser um armazém, um depósito, um almoxarifado. Mas não um museu. A diferença está na curadoria. Num museu sempre há muito mais coisas no acervo do que nas paredes. 

Escolher o que mostrar, em que sequência, o que enfatizar, é um processo de edição constante que também precisa acontecer numa empresa.

Definir quais as prioridades, o que deixar pra lá e onde focar as energias é fundamental. Às vezes se gasta um monte de recursos importantes em coisas que podiam ser ignoradas; não fariam muita diferença no final das contas.

Foque no que realmente importa, no que traz dinheiro e proporciona satisfação para os clientes.

9. Reuniões são tóxicas

A maioria das reuniões nada mais são do que interrupções desnecessárias. Veja:

  • geralmente tratam de conceitos abstratos, não coisas reais;
  • trazem uma quantidade absurda de informações por minuto;
  • são campeãs em se desviar do assunto principal;
  • requerem uma preparação que a maior parte das pessoas não consegue fazer por falta de tempo;
  • reuniões procriam a uma velocidade espantosa; uma reunião leva a outra e assim vai…

Se você está numa reunião com 10 participantes e ela dura uma hora, na verdade, o encontro custou 10 horas. Ou 15 horas, porque há que se considerar que a pessoa gasta pelo menos 15 minutos antes e depois para se adaptar mentalmente àquilo que estava fazendo. Pense: 15 horas para discutir a troca da impressora é um preço justo e proporcional? 

A ótima Rita Lobo diz que qualquer reunião onde não há comida deveria ser substituída por um email. Concordo plenamente…rs

10. Não confunda entusiasmo com prioridade

Quando a gente tem uma ideia, logo vem junto a empolgação para colocá-la em prática. E o entusiasmo muitas vezes cega. Então, tenha muitas ideias, fique empolgado com elas, mas não pare imediatamente o que está fazendo para colocá-las em prática antes de uma análise crítica calma e ponderada.

11. Faça você mesmo

Nunca contrate alguém para fazer um trabalho que você não tentou fazer antes por si mesmo. Assim você entende melhor a natureza e a complexidade da tarefa, saberá descrever melhor o perfil necessário para fazê-lo e o que perguntar na entrevista.

É claro que essa dica tem limitações. O exemplo que ele usou foi fazer a própria administração do servidor, mas dependendo do tema, não tem muito como tentar. De qualquer maneira, é importante se debruçar sobre o problema de maneira aprofundada antes de tomar a decisão de contratar alguém.

Ele diz que ninguém contrata por prazer; contrata para amenizar uma dor. E a contratação só deve acontecer quando estiver doendo de verdade e a causa estiver bem diagnosticada. Quando você tem na empresa mais gente do que precisa, na verdade está contratando problemas.

12. Contrate grandes escritores

Não interessa a função que a pessoa vai exercer e nem a formação dela; saber escrever significa mais do que saber escrever — significa saber pensar claramente e se comunicar de maneira eficiente.

Quem escreve bem consegue colocar as ideias de forma simples e didática; além disso, bons escritores são, em geral, pessoas empáticas. Sabem o que enfatizar e sabem o que omitir.

Essas habilidades são fundamentais em qualquer posto, cargo ou profissão.

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Olha, ainda tem muita coisa interessante e útil. Eu recomendo dar uma boa lida no que esses caras têm a dizer. 

4 Responses

  1. Jean Tosetto
    Responder
    8 junho 2020 at 8:14 am

    Quando uma empresa cresce além do que suas pernas podem suportar, ela chega numa zona de risco altíssimo de quebrar.
    Saber ser enxuto para se manter vivo, com lucros moderados, mas livres de dívidas: muitos empresários vaidosos não sabem o que isso significa.
    Ótima resenha.

  2. 8 junho 2020 at 8:24 am

    Obrigada! Eles têm uma visão muito clara do que é importante e do que é ego. Essencial nos dias de hoje!

  3. Camila
    Responder
    18 junho 2020 at 1:49 pm

    Lígia
    obrigada por mostrar um mundo com um porta colorida aberta para outro universo sempre incrível =)

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