Teletransporte brasileiro

Fotografia: Riccardo Bagnoli

Semana que vem já enfrento a maratona de aeroportos para voltar para minha outra casa e, por causa das leituras sobre inovação e ideias impossíveis, acabei me lembrando de um texto que escrevi há anos (dei uma atualizada, mas a essência é a mesma). Pegue seu ticket e venha comigo!

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Estava um dia desses num aeroporto lotado (voo atrasado, pra variar) e me peguei pensando em como estamos nos aproximando daqueles cenários de ficção científica previstos por alguns sonhadores vanguardistas. De alguma maneira já estamos no futuro, dependendo de todo tipo imaginável de bugigangas eletrônicas.

Bom, para mim não é tão simples. Para ser futuro mesmo, ainda está faltando uma coisa importantíssima. Ainda estou esperando a invenção que vai realmente revolucionar tudo (e esse avião que não chega). Não, não são as colônias interplanetárias, a televisão holográfica ou a cura da gripe.

É o teletransporte. Aquele que tinha na Enterprise, onde o Capitão Kirk entrava dentro, era desintegrado em segundos e reconstruído em algum outro lugar do espaço que desejasse, com tudo igualzinho, até a mancha de suor no uniforme! Tenho sonhado com uma engenhoca dessas toda vez que me vejo esperando um vôo que nunca chega (ai meu Deus, não pára de chegar gente nesse aeroporto) ou presa em um engarrafamento. Imagino que se a tecnologia estivesse disponível, o governo iria querer implementá-la antes da copa (até porque é só o que restaria para salvar nossa dignidade).

No começo, o negócio seria muito caro. Nada mais justo então, que só os poderosos tivessem o privilégio de ter um em casa (já estou até vendo – Eike Bastista seria o primeiro, seguido de perto pelo Luciano Huck). Existiriam dois tipos diferentes de teletransporte: a banda A, utilizada para transporte público e de cargas, e a banda B, com direito à privacidade completa e totalmente à prova de grampos.

Então viria um político brasileiro anunciando que todos os pobres teriam direito ao vale-teletransporte. Batata. O sujeito teria uma eleição garantida e, para não decepcionar o eleitorado, trataria logo de organizar a cerimônia de aquisição do negócio. Bom, ninguém precisa ser muito esperto para sacar que ele compraria um sistema obsoleto pelo triplo do valor de mercado do mais recente lançamento (isso sem incluir as comissões). As críticas choveriam quando se descobrisse que o projeto original fora abandonado por ineficiência, mas a primeira parte já teria sido construída e não seria bom para a imagem do país jogar fora os bilhões de dólares investidos (ainda faltariam mais duas etapas já com a inauguração marcada, mas sem orçamento definido). E aí é que começaria o pesadelo.

O sistema não seria testado e implementado aos poucos, funcionando de forma combinada com o sistema convencional, pelo menos no início, como seria o lógico. Não no Brasil. O processo todo seria inaugurado de uma vez só em uma superfesta com telão, fogos, lasers, artistas de novelas e show da Cláudia Leite. Roberto Carlos seria teletransportado de mãos dadas com a Anamaria Braga dos estúdios da Rede Globo no Rio de Janeiro para a Praça Castro Alves em Salvador. Zeca Camargo, Grazi Massafera e Pedro Bial despareceriam todos de branco, de mãos dadas de um Centro de Tradições Gaúchas, nas redondezas de Bagé, para reaparecerem, milisegundos depois, em um show do Michel Teló em Cuiabá. Duas ex-BBBs turbinadas iriam dividir a cabine com ninguém menos que o Dr. Dráuzio Varela, e a aventura iria da sede da FIESP, na Av. Paulista até a praia de Gericoacoara, no Ceará, sem escalas. A banda Skank iria cantando da ponte Hercílio Luz, em Florianópolis, até a Ilha de Caras, no Rio, sem perder uma única nota.

Bom, a revolta armada começaria com o fã-clube da Grazi Massafera, que ficaria inconsolável ao ver a sua musa com o queixo e a cintura do Zeca Camargo. O Pedro Bial voltaria mais magrinho e sorridente, mas o que ninguém conseguiria explicar mesmo seriam o mega-hair e aquele silicone todo exposto sem nenhum filtro solar.

Está certo que o Dr. Dráuzio não ficou bem de shortinho e top, mas situação pior foi a do Roberto Carlos, com aquele cabelo loiro espetado e os lábios inflados com preechimento. Anamaria, manca, cantaria sem parar com um vozeirão de tenor “Ai se eu te pego…”

Caos mesmo seria quando o William Boner aparecesse na sua sala, no intervalo do jornal, pedindo para ir ao banheiro. E por que a sua namorada desapareceria justamente quando o Reinaldo Gianechini estivesse dando uma entrevista ao vivo na MTV?  Será que ela mereceria resposta ao SMS enviado de Piracema do Norte pedindo dinheiro para o bilhete de volta? E aquelas coxas grossas circulando pela sala de reuniões da diretoria? Será que já descobriram a dona?

É, haveria motivos para preocupação. Parece o que ministro da Saúde teria sido visto pela última vez em Porto de Galinhas acompanhado da Hebe Camargo, mas bem pode ser mentira. Um ministro da Saúde não teria quadris tão redondos e bem fornidos e a Hebe estava um pouco esquisita, com aquele biquíni da Juliana Paes. Também seria difícil explicar a quantidade de mãos bobas circulando pela cidade. Ninguém mais estaria seguro. Você tanto poderia ser surpreendido no meio da noite na sua cama pela Luana Piovani de camisola preta, nervosa e balbuciando desculpas, como por 4 integrantes da tropa de elite armados pedindo para ver seus documentos.

As tarifas promocionais para o transporte de carga acabariam com o seu sossego. O que fazer com os três mil pintinhos, que apareceram no meio da sua sala, sem as guias e nem o carimbo da Receita Federal? E o seu vizinho, que precisaria dividir a área de serviço com um búfalo de raça e três leitoas prenhas?

Sua sogra, agora com o cabelo da Maria Gadú, não pararia de fazer visitinhas-surpresa nas horas mais impróprias e o seu chefe que daria para aparecer nos seus sonhos para pedir relatórios. O pior é que nem seu terapeuta poderia mais lhe ajudar, tendo passado a última semana recolhendo os próprios pedaços espalhados pelo litoral norte de São Paulo. Agora só faltava mesmo a orelha direita, já localizada em Diamantina.

A Dilma prometeria tomar providências assim que achasse todo o ministério e o cotovelo esquerdo que ficou perdido da última vez que esteve no Ceará. Fontes garantem que estaria fazendo muita falta.

O duro é que, como os sistemas convencionais de transporte teriam sido doados à população carente da Guiné Bissau, teríamos que ir levando a vida em meio a esse caos até que os engenheiros alemães chegassem, de jangada, até o Brasil, para tentar resolver a situação.

É, ainda bem que, finalmente, chamaram para o embarque, pois o avião chegou.

E o futuro, graças a Deus, ainda não.

1 Response

  1. Ênio Padilha
    Responder
    21 março 2012 at 8:35 pm

    Muito boa. Me diverti muito.
    Melhor continuar na nossa batalha semanal com os aeroportos convencionais.

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