A melhor parte

Se você é como eu e a torcida do Flamengo, no caso de ser contemplado com uma cereja em cima da torta de chocolate, aposto uma bola de sorvete que vai deixar a cereja para comer por último. Em qualquer refeição, seja meia-boca ou fantástica, a sobremesa vem somente no epílogo. Num show de banda famosa, a música mais conhecida e pedida fica para o final. Numa piada, a parte mais engraçada vem quando? Qual é o capítulo da novela que tem mais audiência?

Fala sério, você já tinha reparado que a melhor parte de quase tudo sempre fica para o fim da experiência? Pois os economistas sociais já. E, segundo o excelente artigo do consultor Henry King no Co.Design (“If You Want To Craft Your Customers’ Memories, Start With The Checkout Process“), se você teve férias sensacionais, mas o último dia foi um desastre, é a tragédia que vai ficar na lembrança. Por outro lado, se a balada estava um tédio, mas você ganhou uma carona para casa com aquele que se tornaria o grande amor de sua vida, a lembrança da festa nem vai ser tão ruim assim. Fato.

O que o genial Henry chama atenção com muita perspicácia é: qual é a experiência que seu cliente sempre tem no final? Pense bem. Na maior parte dos negócios, a última interação é aquela não por acaso conhecida com “a dolorosa”: a malfadada conta. Faz sentido isso, minha gente?

Você faz um baita trabalho sensacional, mas, no final, o negócio todo fica obnubilado pela dor provocada pelo movimento de tirar o dinheiro da carteira; o próprio anticlímax. Não raro, ainda dá problema com o cartão de crédito ou o sujeito que você queria encantar e seduzir tem que pegar uma fila monstro, suado, com pressa e vontade de ir ao banheiro. Por que dar esse tiro no pé, depois de tanto esforço?

Se a ideia é deixar a cereja para o final, garantindo um sabor doce na boca, não parece lógico fazer o cara sofrer para pagar a conta. Isso seria o equivalente a saborear um Tiramisú dos deuses e depois ser obrigado a tomar um chá de giló amargo com boldo para fechar. Não dá. Só que na prática, é o que a maioria das empresas faz (momento auto-análise: será que a sua também?).

Bom, então aqui vão algumas ideias para você não estragar todo o trabalho na hora da conta e impedir de quebrar o clima de romance entre você e seu cliente (claro que o serviço antes tem que ser impecável, combinado?).

1. Pagamento antecipado. As empresas especializadas em experiência já sacaram isso há muito tempo. Um bom exemplo são os restaurantes com cardápio surpresa ou pré-fixado em datas festivas. Os clientes pagam adiantado e no dia do evento é só curtir; a última interação fica sendo, literalmente, a sobremesa. Já pensou se as pessoas tivessem que pagar os ingressos do show, cinema ou teatro depois do espetáculo?

2. Sofrer sem sentir dor. Ok, não tem jeito mesmo; a última coisa vai ser o pagamento. Então, faça isso de uma maneira que o cliente nem perceba que está pagando. Uma conversa agradável e um sorrisão durante o processo rapidíssimo, filas inexistentes e gente simpática e competente no caixa ajudam muito. Na loja Apple dos EUA,  sujeito pode pagar com seu amado iPhone; assim a experiência fica até mais interessante.

3. Surpresas boas na hora fatídica. Lembro que uma vez fui a um estúdio de depilação da qual sou cliente e, na hora de pagar, a moça disse que eu tinha 10% de desconto porque era o mês do meu aniversário (imagina só meu sorrisão). Se a pessoa ganha um brinde bacana na hora do pagamento (a IKEA tem umas promoções onde você ganha um vale para a próxima compra) ou tem alguma surpresa agradável, com certeza pagar não vai doer tanto assim.

4. Experiência memorável depois. Se nada disso for possível, dê um jeito de fazer com que o pagamento não seja a última interação do cliente. Depois de pagar, ele ainda pode, sei lá, ganhar um café, andar pela loja e escolher um brinde, passar por um ambiente agradável onde ele possa descansar, enfim. Se for uma loja de roupas femininas, pode ser um corredor de espelhos emagrecedores onde você ganha amostras de perfumes, que tal? Faça com que essa experiência seja a última coisa que o cliente se lembre na interação com sua empresa.

5. Não pagar. Essa é a melhor de todas, quem não gosta? Parece impossível, mas há inúmeras negociações onde a conta é paga por patrocinadores ou algum outro tipo de recurso. O cliente pode juntar cupons, pontos ou mesmo ser sorteado. Uma vez ganhei um jantar bem bacana para duas pessoas num sorteio porque respondi a uma pesquisa de atendimento. Delícia de experiência.

Então, o negócio é esse: preste atenção na última interação que o cliente tem com a empresa na hora da transação. A experiência tem que ser positiva, agradável; se possível, memorável e encantadora.

Que nem beijo de boa noite.

6 Responses

  1. 19 março 2012 at 9:48 am

    Este artigo é Lígia Fascioni em estado puro: criativa, objetiva e (acima de tudo) útil.
    Parabéns por mais um texto de primeira.

    Já fiquei aqui, maquinando, o que fazer com as minhas operações comerciais. Com certeza algumas mudancinhas serão feitas.

    Obrigado

    PS. (só pra registro: corri para o dicionário pra saber o que é “obnubilado” e “Tiramisú”. Vivendo (lendo) e aprendendo!)

    • ligiafascioni
      Responder
      19 março 2012 at 9:52 am

      Que bom que você gostou, Ênio! E Tiramisú não é para ler, é para comer (não espere muito para experimentar, está perdendo….eheheheh).
      Beijocas e sucesso 🙂

  2. 21 março 2012 at 6:15 pm

    O que eu poderia dizer depois do Ênio? Suas palavras obnubilaram-me … rsrs

    Fantástico, Lígia.

    Abraço

  3. Sil Motta
    Responder
    23 março 2012 at 7:12 pm

    Amei Lígia, texto maravilhoso!!
    Vou aplicar e compartilhar!

    Bjs

  4. Andrea Rosti
    Responder
    20 agosto 2013 at 11:31 pm

    Muito bom! Realmente essas ideias PODEM fazer uma grande diferença no relacionamento e na satisfação do cliente. Obrigada Lígia. Bjs

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