Asas nos tênis

Ontem assistimos à Maratona de Berlin, com nada menos de 40 mil participantes na categoria principal (e mais 30 mil em eventos paralelos: corrida infantil, para-maratona, patins, entre outras). Por sorte, o dia estava lindíssimo e a cidade ficou bem colorida. No percurso de pouco mais de 42 km, foram espalhadas mais de 80 bandas para animar os corredores e quem estava assistindo ao evento.

A gente viu a partida (impressionante, pela quantidade de pessoas), depois foi de bicicleta, pelo caminho mais curto, até a chegada. É claro que o campeão foi um queniano, que chegou praticamente passeando (quebrou o recorde da prova), mais de 5 minutos antes do segundo colocado. Ele chegou, descansou, deu uma volta para cumprimentar a plateia, deu entrevista e só depois chegou o segundo (também queniano, veja que coinciência). Mais um tempão para chegar o resto da elite do atletismo e as mulheres (uma queniana também papou o primeiro lugar − esse povo deve ser aparentado com gazelas, só pode). Depois das premiações principais, fomos dar uma volta pelo circuito (uma pequena parte, e mesmo assim, de bicicleta, claro).

Perto de casa passavam os corredores quase no final, aos 38 km. Fiquei impressionada em ver tantas pessoas idosas, homens e mulheres, correndo. O estado dos semblantes (e respectivos corpitchos) variava muito, mas dava para ver que estava todo mundo muito contente em apenas chegar. Eu disse apenas? Se andar (ou se arrastar) por 42 km já é tarefa dura para quem está em muito boa forma, visualize como é correr esse pedação de chão!

Alguns pareciam realmente esgotados, como se o corpo estivesse prestes a se derreter e aderir ao asfalto. Fiquei pensando: o que move uma pessoa a topar um desafio desses? Os atletas estão pela competição em si e vivem disso. Mas e aquele pessoal a um passo de ir para a UTI no meio da prova?

Penso que essas pessoas querem provar que podem, para si, e talvez para os outros também. Mas acredito que uma disciplina desse tamanho tem que ter muita automotivação, um entusiasmo genuíno (não por acaso, entusiasmo significa “o deus dentro de si”). Porque disciplina não é agradável e nem natural para o ser humano. Quando ela vence a luta entre o desejo (o que o corpo, esse malandro sem vergonha, está pedindo) e a vontade (os objetivos de mais longo prazo), aí a humanidade caminha para valer (ou corre, em alguns casos).

E olha, podem dizer o que quiserem, mas disciplina só funciona mesmo quando há paixão, fervor ou uma vontade muito, muito forte. É um arrebatamento de verdade, não aquela coisa acomodada de “ah, que bom seria se eu tivesse uma barriga tanquinho” enquanto se esparrama no sofá com um Big Mac na mão. É um querer todo maiúsculo, que empurra o vivente para fora da cama num dia gelado de chuva, mesmo quando o amor da sua vida está quentinho do seu lado. Olha, não é para amadores, só posso dizer isso.

Meu respeito mais profundo a esse povo que sabe o que quer e vai muito, mas muito mais longe que os tais 42 km.

CURIOSIDADE: Como a temperatura era de 8 graus no horário da largada (9 da matina), os atletas estavam agasalhados. Para correr eles têm que descartar os casacos e calças. Aí a organização recolhe tudo para doação (eu acho); tinha gente lá escolhendo o que ia levar. Nunca tinha pensado nisso…

3 Responses

  1. 26 setembro 2011 at 5:41 pm

    Lígia.
    Que bacana você nos dar este olhar sobre um evento que normalmente só nos chega como notícia esportiva (em notinhas muito curtas)
    Vou mandar o link para o meu amigo Sebastião Lauro Nau (que participou da prova). Tenho certeza de que ele também vai gostar.
    De novo: obrigado pelos seus serviços!

    • ligiafascioni
      Responder
      27 setembro 2011 at 10:30 am

      Que bom, Ênio! Mas ótimo seria se seu amigo pudesse complementar esse post, escrevendo nos comentários, sobre o olhar dele, do lado de dentro da prova! Isso sim, deve ser demais!!
      Abraços e sucesso 🙂

  2. 26 setembro 2011 at 10:54 pm

    Hum, muito interessante esse descarte de roupas pelo camimho…

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