Design do bem

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Acabei de ler “Do good design: how designers can change the world”, do vice-presidente da ICOGRADA* David Berman e confesso que fiquei bastante impressionada. Não que o livro contenha grandes novidades sobre a responsabilidade dos designers na destruição (e salvação) do planeta. Mas ver todos os argumentos reunidos num lugar só de maneira tão contundente arrepia.

Apesar da brochura simples e monocromática, o extraordinário projeto gráfico (e eu não esperaria menos) contribui em muito para a força da persuasão.

Berman começa sem delongas ou sutilezas, afirmando, com convicção, que o design é uma das mais poderosas armas de ilusão em massa. Que o poder do design tem sido usado prioritariamente para convencer as pessoas que elas não são bacanas e que essa situação só vai mudar se elas adquirirem sem demora tais e tais produtos. Ele vê o branding, da maneira como é praticado hoje, como uma forma de desmaterializar o produto real (as marcas não têm mais enfatizado as qualidades objetivas dos produtos) e convencer o consumidor da sua inadequação no mundo. Usando o desodorante X ou o carro Y, por exemplo, as mulheres todas vão fazer fila para serem seduzidas por você (mensagem implícita: você não está pegando ninguém agora porque não quer). Eles fazem isso porque sabem que o desodorante X é intrinsecamente igual aos seus concorrentes e o carro Y não tem nada de especial. Então o design (aqui muito intimamente ligado à propaganda) serve basicamente para contar mentiras e alimentar a compulsão pelo consumo.

David vai mais longe: conta a história de como a Coca-Cola inventou o seu mascote Papai Noel no início do século passado. O personagem usava as cores da marca e foi criado com o objetivo de aumentar as vendas no natal. Talvez seja o mais bem sucedido caso de marketing da história, dado o sucesso que o “bom velhinho” faz até hoje, impelindo todo mundo a comprar descontroladamente nessa época do ano sem nenhum motivo minimamente plausível.

Pois a marca mais famosa que se tem notícia é também a segunda palavra mais entendida no mundo, só perdendo para o universal OK, e não carrega o título à toa. Em Arusha, uma das maiores cidades da Tanzânia, por exemplo, absolutamente todas as indicações de distâncias e localização, hospitais, escolas, orfanatos e até placas de trânsito levam a marca da Coca-Cola. Segundo o prefeito da cidade, a empresa paga a fortuna de U$ 200 por ano para ter esse privilégio (não está faltando zero; é isso mesmo). Os moradores, ao que tudo indica, gostam bastante dessa associação, que os faz se sentirem mais próximos do tão cobiçado american way of life.

Num tom até um tanto panfletário, o autor ainda mostra como a propaganda (e, por conseguinte, o design gráfico), também é responsável por adolescentes de 15 anos sonharem com implantes de silicone e os pedirem de presente de aniversário; pela onda de anorexia e bulimia que assola jovens; pela também onda de obesidade (as crianças aprender a amar o Mac Donald’s desde a pré-escola); dos objetos mais corriqueiros serem vendidos como máquinas de sedução e sexo fácil; das mulheres serem usadas como objeto de venda em produtos nada a ver; enfim, de todo esse frenesi consumista insaciável que a gente está metido.

O resultado disso tudo não apenas é um sentimento de ansiedade generalizado capaz de quebrar economias (vide o papel da compulsão americana pelo consumo e seu papel na crise financeira de 2008), mas também um esgotamento extraordinariamente rápido dos recursos naturais do planeta e os vertiginosos índices de degradação ambiental. Aliás, ele lembra que a indústria gráfica é a terceira maior poluidora do planeta e que metade de todo o material impresso do mundo é jogado fora sem que as pessoas tenham sequer passado os olhos por ele.

Mas calma, que nem tudo é bronca. David deixa bem claro que a solução está nas mãos de quem criou o problema e, apesar de não ser fácil, é possível. Mas o desafio não é simples, pois, citando Einstein, “não se pode resolver problemas usando o mesmo tipo de raciocínio que usamos para criá-los”.

Se o design provoca decepção, quando promete uma coisa que o produto não pode entregar (é, meu caro, as mulheres não vão pular no seu colo se você trocar seu atual desodorante pela marca X), também tem um poder nada desprezível de promover consciência e encaminhar o mercado novamente para seus trilhos.

O livro apresenta vários exemplos de projetos de design gráfico usados para o bem, para a sustentabilidade do planeta, para a paz nas mentes e pelo equilíbrio emocional das pessoas. Tudo isso sem chatice, proselitismo ou rancor; ele mesmo lembra que não dá para todos virarmos monges e tentarmos consertar a terra de uma vez só. O processo é lento, talvez um pouco doloroso, mas não precisa ser chato. Todas as peças apresentadas usam o bom design com humor, inovação e muito senso estético.

Ele também apresentou outra proposta deveras interessante, mas que ainda vai dar muito pano para manga, principalmente entre os designers brasileiros. Mas sobre ela falo na semana que vem, tá?

Ligia Fascioni | www.ligiafascioni.com.br

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* ICOGRADA: The International Council of Graphic Design Associations

8 Responses

  1. 1 março 2010 at 4:49 pm

    “o design é uma das mais poderosas armas de ilusão em massa.” +
    “a solução está nas mãos de quem criou o problema…” =
    temos que esperar quem nos contrata decidir dar um fim a toda essa ilusão.

    Entendi errado? ; ]

    Lígia Fascioni: Oi, BrnLng! Como assim “esperar quem os contrata”? Não dá para esperar mais nada. Não era bem isso que o autor estava dizendo (é uma maravilha poder colocar a culpa de tudo em outras pessoas, como o cliente ou o chefe, né?).

    Ele está falando de uma mobilização dos próprios designers (se conseguem convencer as pessoas de coisas tão absurdas, por que não conseguem convencer o chefe ou o cliente? Eeheheh… ). Vou entrar em mais detalhes sobre a proposta dele na semana que vem, tá? Aguarde as cenas dos próximos capítulos…

  2. 2 março 2010 at 9:06 am

    Ola.

    Gostei muito do seu blog. Parabéns.

    Mas acho que este discurso que “design é do bem” e “publicidade é do mal” já está muito ultrapassado. E acho até perigo.

    Acredito que culpar a profissão e área ao invés do profissional é muito perigoso e injusto. O exemplo da publicidade do desodorante é um deles. REalmente como publicitário e designer não gostei da conotação da mensagem, mas não acho que devemos acreditar que todas as campanhas são assim.

    Assim como nem todo design é politicamente correto e tão “do bem” assim.
    O que me dizer sobre uma peça de design que prega a sustentabilidade impresso em um papel que não segue tais preceitos? (de sustentabilidade?).

    Ou o design de certos tênis de marcas renomadas que utilizam mão de obra escrava?

    Existem publicidade boa e ruim. Assim como design bom e ruim.
    Aliás assim como publicidade, design também é comercial. Por mais que muitos acreditem que não. Cabe ao profissional utilizar este trabalho comercial para benefício próprio e principalmente para a sociedade.

    Também li este livro e como sempre faço, tiro coisas boas mas elimino outras. Não devemos encarar tudo como verdades únicas.

    Tenho a certeza e acredito muito nas pessoas. Que com o tempo, as mesmas selecionarão o que realmente é bom. Neste caso sou bem otimista, mas por que não ser?

    abs

    Fernando Silva

    ——–

    Lígia Fascioni: Oi, Fernando!

    Concordo plenamente com você, tanto que, a certa altura, deixei bem claro que o estilo era um pouco panfletário e também fico desconfortável com esse discurso maniqueísta.

    Mas também acho um pouco comodista o discurso que “só estou cumprindo ordens” e a culpa é do cliente, do chefe ou, melhor ainda, de algo meio indefinido, o malfadado “mercado”. Há quem também goste de colocar a culpa na “globalização”. Soldados fazem as maiores barbaridades quando estão apenas “cumprindo ordens”. Não dá para assumir tudo, mas tirar o corpo fora com essa desenvoltura também não faz sentido…

    Concordo também que não há design “do bem” puro e simples e tem muita coisa fake por aí (eu mesma já escrevi várias vezes sobre o assunto). Mas acho que o livro serve para a gente refletir mais a respeito das nossas responsabilidades. Existe um ditado que diz que, para que alguém suba nas nossas costas, é preciso antes que a gente se ajoelhe.

    Você, que já leu o livro, também já deve conhecer as propostas do autor sobre as organizações de designers. Achei um bom começo e vou falar mais na próxima semana.

    Obrigada pela visita e pelo comentário, volte sempre!

  3. 2 março 2010 at 9:49 am

    Oi, Lígia!

    Só estou querendo ser explicitamente impertinente. ; ]
    Designers raramente estão na “cabeça” que decide o que é bom pro mercado. Como mudar a situação sem ser se recusando a trabalhar?

    No aguardo dos próximos artigos!

    Lígia Fascioni: Oi, BrnLng!

    Adoro sopas de letrinhas impertinentes…ehehehe… mas a resposta para a sua questão não é curta e estou atolada de trabalho. Espere só mais um pouquinho, tá??

    Obrigadão e abraços!

  4. Kellen Ribas
    Responder
    7 março 2010 at 1:32 pm

    Oi, Lígia. Tudo bem?

    Parabéns pelo blog! Sou leitora assídua aqui e sempre vejo assuntos interessantes e pertinentes.

    Fiquei bastante satisfeita ao ler este artigo por saber que mais e mais profissionais estão abrindo os olhos para a sua responsabilidade no mercado e na sociedade.

    Concordo com os comentários anteriores. Não podemos ser radicais e achar que de repente tudo será perfeito. Mas também não podemos nos acomodar com a idéia de que o mercado é assim, e ponto final. Temos um enorme poder de convencimento em nossas mãos e precisamos usá-lo da melhor forma possível. Não podemos aceitar ainda, produtos vendidos como “ecologicamente corretos” quando na verdade são tremendos poluidores tentando limpar a consciência do consumidor que não entende se isto é ou não é verdade. O designer precisa entender o contexto no qual está inserido e projetar de forma cada vez mais comprometida e eficiente.

    E se o chefe ou o cliente não concorda de jeito nenhum, vamos procurar outro, porque este está ficando obsoleto e logo logo vai perder a sua fatia no mercado, hehehe…

    Aguardo os próximos capítulos!
    Abraços,
    Kellen Ribas

  5. jorge
    Responder
    28 dezembro 2011 at 7:08 pm

    Sempre procuro suas leituras, poucas veces com sucesso, desta vez achei o livro pela internet em PDF e aproveito para compartilhar com seus leitores que queram” beber da fonte”
    http://es.scribd.com/doc/28080788/Do-Good-Design-How-Designers-Can-Change-the-World
    Breve lhe comento minha opiniao, muito obrigado novamente por compartilhar com a gente

    • ligiafascioni
      Responder
      29 dezembro 2011 at 8:38 pm

      Muito obrigada, Jorge!
      Eu ainda não consigo ler em PDF (nem no iPad); fico cansadíssima… mas é melhor um PDF do que nada, não é?
      Abraços!!

  6. 29 dezembro 2011 at 11:31 am

    Oi Ligia,
    Excelente post novamente.
    Resolvi comentar aqui pois questiono uma coisa>

    “Berman começa sem delongas ou sutilezas, afirmando, com convicção, que o design é uma das mais poderosas armas de ilusão em massa. Que o poder do design tem sido usado prioritariamente para convencer as pessoas que elas não são bacanas e que essa situação só vai mudar se elas adquirirem sem demora tais e tais produtos.”

    Sinceramente?

    Não vejo isso como coisa do Design não. No meu ponto de vista, quem faz isso é a Publicidade (que não é Design mas se vale dele para ser quem é, especialmente do multimídia) que elabora as campanhas de divulgação dos produtos.

    Tudo bem que pode até ter um dedo do designer do produto que quer seu “filho” na top list dos mais “necessitados, preteridos, queridos, etc”, mas não é o Design quem faz isso.

    Tudo bem também que tem produtos que só o visual deles (ou a grife/marca) já o tornam um objeto de desejo, mas convenhamos, isso é coisa para raros e poucos como é o caso de APPLE, BMW, etc…

    Aí é que questiono esse tal de “branding”: o que é ele relacionado ao design e à publicidade. (?)

    Bjão e, novamente, parabéns por mais este belo post.

    • ligiafascioni
      Responder
      29 dezembro 2011 at 8:37 pm

      Oi, Paulo!

      Penso que o design está em tudo isso que você falou: a publicidade trabalha para divulgar produtos que os designers projetam e se vale do design gráfico para fazer isso. Não dá para dizer que o design é apenas “o braço” e não tem responsabilidade nisso.

      Sobre brandign, no meu entendimento, ele não é marketing, nem design e nem publicidade – é mais uma abordagem de gestão, management, estratégia. E se vale dessas ferramentas para trabalhar.

      Sobre a sua frase: “tem produtos que só o visual deles (ou a grife/marca) já o tornam um objeto de desejo, mas convenhamos, isso é coisa para raros e poucos como é o caso de APPLE, BMW, etc…” – nem de longe esse produtos vendem só pelo visual/grife/marca. Eles construíram uma história de relacionamento e o consumidor sabe que pode confiar. Experimente só ver a Apple ou a BMW vendendo um produto porcaria – o pessoal não vai estar nem aí para a marca ou o visual – vai malhar mesmo – talvez muito mais até do que produtos “sem marca”.

      Beijocas e obrigada pela contribuição na discussão 🙂

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