Serviço sem viço

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Pelo que eu me lembre, já faz bem uns 15 anos que os gurus dos negócios não param de repetir: o lucro das empresas depende muito mais dos serviços que elas agregam aos seus produtos do que os bens físicos propriamente ditos. Esse é o caminho da diferenciação, pelo menos nesse século. Produtos, por mais interessantes e bem bolados que sejam, podem virar commodities se não forem acompanhados por serviços à altura. Pena que, mesmo depois de tanto tempo repetindo o mantra, a notícia não tenha chegado ainda aqui na Ilha. Senão, como explicar os casos (todos reais), acontecidos na semana passada?

Fomos com uns amigos a uma grande pizzaria, com várias filiais na cidade. O atendimento superou todas as expectativas de displicência e falta de profissionalismo. Comida esfriando em cima do balcão antes de ser servida, pedidos esquecidos, garçons que insistem em mirar com concentração algum ponto imaginário do espaço enquanto os clientes precisam fazer macaquices insistentes para chamar a atenção. Diante de um comentário irônico de descontentamento, o chefe deles vem até a nossa mesa se explicar: “É que os garçons ganham muito mal e nenhum tem formação profissional. Fazer o quê, para eles isso é só um bico…” Uma vez justificada a incompetência, ele nem pensou em nos pedir desculpas ou em melhorar os processos internos. Depois das lamentações, só faltou nos pedir para que convencêssemos o dono a aumentar o seu salário…

No mesmo jantar, um amigo que veio morar recentemente aqui nos contou que foi a uma concessionária fazer a revisão do carro e, como chegou antes das 13h30, encontrou os funcionários dormindo no sofá da recepção. Nosso amigo estranhou a cena e o vigia lhe explicou que o errado era ele, que não devia estar lá nesse horário. Carlos esperou a abertura da oficina e entregou o carro (o funcionário lhe disse que não precisava preencher nada, quando ficasse pronto eles ligavam). Ao retirar o veículo percebeu que o tanque, antes cheio, estava completamente vazio. Ante a reclamação, a gerente bradou que seus funcionários eram de confiança e que o erro havia sido dele de não exigir um checklist antes de entregar o veículo. E que ele não fizesse muito rolo, pois já estava perto da hora do almoço e todos estavam com fome. Concluiu dizendo que “se fosse preciso” ela pagaria a gasolina do próprio bolso para ele parar de reclamar. Infelizmente, tivemos que dizer ao nosso amigo que a gente acreditava e não se surpreendia em nada com essa história bizarra de terror comercial.

Tem mais: um outro amigo, cansado de reclamar para a Casan a falta de água na sua casa, resolveu, num ato desesperado, comprá-la de um caminhão pipa. Contratou 3.000 litros para encher as caixas da sua residência. Como quem estava em casa na hora da entrega era sua mãe, uma senhora idosa, ela não pôde subir ao telhado para conferir. Batata! Menos de 8 horas depois, os reservatórios estavam completamente secos. Ele ligou e reclamou para a empresa. A moça disse que talvez tivesse havido um vazamento no caminhão. Depois disse que talvez o caminhão tivesse pouca água quando foi levá-la. De qualquer maneira, eles só entregaram o restante do que já havia sido pago quando meu amigo ameaçou ir ao PROCON e depois conferiu cada gota. A história tem ainda mais detalhes escabrosos, mas o resumo da ópera é que nem passou pela cabeça de alguém da empresa pedir desculpas. Afinal, quem manda o otário comprar e confiar que o produto vai ser entregue? É óbvio que culpa era dele mesmo.

Um dos hotéis mais estrelados da nossa cidade tem um serviço de parking (por que eles não chamam de estacionamento?) que precisa ser pago no mesmo balcão onde os hóspedes fazem check-in e check-out. Toda vez que tem um evento lá é um suplício para todo mundo, uma vez que, além da genialidade logística e organizacional, os gestores escolheram a dedo pessoas de raciocínio extremamente lento para essa função. Uma lástima…

Bom, eu já nem digo que o problema seja só aqui, todo mundo deve ter histórias assim para contar de outros lugares. Eu, por exemplo, toda vez que reclamo que um site não funciona, ouço alguém do suporte dizer que a culpa é minha, pois meu sistema operacional (Mac OS, da Apple) é usado apenas por 4% dos internautas e, portanto, ele não tem tempo a perder comigo. A mensagem é inequívoca: eles não me querem como cliente porque meu computador é melhor e mais caro que a média. Que seja, então. Vai entender esse raciocínio estranho.

Por que será que as empresas que prestam serviços ainda não acordaram para o óbvio? Por que continuam a colocar a culpa no cliente, no mercado, no Espírito Santo e até em São Pedro, enquanto fingem que estão cumprindo com perfeição a sua parte? Herdaram esse talento dos políticos ou será que é o contrário?

A mediocridade assola o mercado e o atendimento ruim é regra geral.

Diante desse cenário, fica tão fácil fazer a felicidade de um cliente médio que chega a ser covardia.

Por que eles não aproveitam?

Ligia Fascioni | www.ligiafascioni.com.br

2 Responses

  1. Rafael
    Responder
    3 dezembro 2008 at 4:24 pm

    Banksy!

    Hoje em dia as pessoas não se importam mais com as outras, esqueceu-se o como é bom viver em paz, e “se dar bem” é a única regra que as pessoas seguem…

    O dinheiro já tomou enorme proporção, que já alienou as pessoas que só pensam em DINHEIRO DIHEIRO DINHEIRO, e são capazes de fazer qualquer coisas para tê-lo…

    isso me assusta, dá até medo de ficar rico…
    hehehehe

  2. 4 dezembro 2008 at 10:49 am

    A culpa não deixa de ser, em parte, do consumidor.

    Eu costumo não voltar a lugares que me atenderam mal,e não consumir mais produtos de marcas que ficaram aquém do esperado. Além disso, faço questão de espalhar minha opinião pros amigos e conhecidos.

    O inverso também vale: faço muita propaganda, e gratuita, do que me agrada.

    Como profissional, tenho vergonha de entregar um trabalho mal acabado, incompleto, ou que deixe o cliente insatisfeito por minha culpa.

    Acho que falta um pouco dessa consciência nas massas: de que como consumidores temos um poder de persuasão sobre o mercado que não fazemos uso. O que não podemos é ignorar isso em nome de comodidade, o que é bem comum por aqui.

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