De onde vêm as boas ideias

Essa é daquelas perguntas que valem um milhão, e Steven Johnson resolveu ser atrevido o suficiente para tentar respondê-la em “Where good ideas come from: the seven patterns of innovation“. Olha, preciso dizer: se ele não acertou, chegou muito perto. O sujeito pesquisou bastante e descobriu coisas muito interessantes.

 

Ele começa incinerando o mito do gênio solitário. Steven faz uma analogia com a teoria da evolução darwiniana e explica que a vida, assim como as ideias, depende principalmente do ambiente favorável e das conexões para existir. As ideias nunca são isoladas; tanto na escala do nosso cérebro, onde zilhões de neurônios não servem para nada se não estiverem conectados (e quanto mais conexões e recombinações, melhor), como nas dimensões de uma organização, uma cidade ou um país.

 

Johnson estudou mais ainda e identificou 7 padrões ambientais/comportamentais para o desenvolvimento de novas e boas ideias. Veja se você tem aí tudo o que precisa.

 

1. Adjacente possível. As ideias vão evoluindo a partir de outras; o adjacente possível trata das combinações que você pode fazer em cada estágio. Usando a teoria darwiniana, Steven dá o exemplo do caldo primordial na formação do planeta: com aqueles elementos, era possível um determinado número de combinações. Cada combinação dá origem a outro tanto de variações, numa sequência que pode formar uma célula. Daí, mais combinações, variações e possíveis resultados. O que ele quer dizer é que é preciso explorar as possibilidades adjacentes (alcançáveis nesse estágio evolutivo) para seguir adiante; não dá para pular direto de uma célula para um hipopótamo. Johnson fala que o adjacente possível é como as portas de uma sala. Cada uma que você escolher abrir, vai dar em outra sala, com outras portas e o desdobramento é infinito. Mas não dá para pular salas inteiras, tem que percorrer todo o caminho. Ele dá exemplos de invenções que não deram certo porque foram desenvolvidas numa época em que os adjacentes possíveis, ou seja, as portas disponíveis para serem abertas, não eram suficientes ou adequadas (a porta necessária estava a duas ou 3 salas de distância). Um exemplo: o Youtube não seria o sucesso que é se tivesse sido criado nos anos 80, pois a web não comportava vídeos com as facilidades de hoje e ainda não tinha banda larga. Então, antes de desenvolver uma ideia, tem que dar uma olhada nas portas para ver o desdobramento imediato. Às vezes, é preciso esperar mais um pouco. Aqui um exemplo prático que vivi pessoalmente: um projeto inovador que não tinha os adjacentes necessários na época.

 

2. Redes líquidas. Agora uma notícia até que óbvia, mas que me deixou um pouco chocada: praticamente não dá para inovar em cidades pequenas. Na verdade, não é que não dê, mas em metrópoles, as possibilidades de conexões (e adjacentes possíveis) são muito maiores, o que torna o ambiente mais favorável. Cidades grandes são comprovadamente mais criativas do que vilarejos. Steven comenta que já se buscou muitas definições para a palavra ideia remetendo a raios, lâmpadas, flashs, epifânias e eurekas, mas passaram longe do que realmente as ideias são. Para Johnson, boas ideias são conexões. Em princípio, conexões neuronais na cabeça de alguém. Mas essas conexões são resultado de outras conexões externas (experiências, informações, etc). Para se ter boas ideias, são necessárias duas precondições: uma grande rede (não é possível ter ideias geniais com apenas 3 neurônios, por exemplo) e que essa rede tenha capacidade de adaptar e adotar novas configurações. Mas há que se prestar atenção: não é que as redes sejam inteligentes; os indivíduos é que se tornam mais inteligentes quando se conectam nela. Esse é o motivo pelo qual, cidades maiores conseguem ser mais propícias a boas ideias; elas reúnem mais pessoas diferentes, culturas, modos de organização. Enfim, o caldo é mais rico. Quando o indivíduo se conecta nessa rede, tem mais elementos para recombinar; seu adjacente possível aumenta com o tamanho da rede em que está inserido. A mesma coisa vale para empresas; se elas estão conectadas com outras, ou seus próprios funcionários estão ligados, a possibilidade de ter boas ideias aumenta.

 

3. A intuição lenta. Como Malcom Gladwell (Blink) já demonstrou com muita propriedade, a intuição é quando nosso cérebro trabalha em background com todas as conexões que conseguiu acumular sobre aquele assunto e outros, correlatos ou não, até a hora que a linha de raciocínio de completa. Aí, a pessoa fica achando que teve um palpite, uma epifânia, sai gritando eureka feito doida. Mas o trabalho é  bem mais lento do que se imagina. As conexões levam anos para encontrarem um caminho de se ligarem umas às outras e também dependem dos adjacentes possíveis. Por isso é que Steven critica os brainstormings da maneira como são feitos; a probabilidade das conexões entre os participantes encontrarem um caminho entre os adjacentes possíveis em tão pouco tempo é bastante improvável.  O autor recomenda que todas as ideias e informações sejam registradas e revistas frequentemente (hábito que Darwin tinha).

 

4. Serendipitia. Essa palavra tem origem em um conto persa, onde três reis foram visitar uma princesa e descobriram no caminho várias coisas que não estavam procurando. Serendipitia é encontrar soluções por acaso (exemplo clássico forno de microondas, que foi inventado depois que um pesquisador descobriu que ele derretia os chocolates em seu bolso). Para isso, é preciso provocar constantemente conexões inusitadas e pensar sobre como elas poderiam ser desdobradas; mas o histórico de conexões internas tem que estar preparado para a sintonia, senão nada acontece. A web pode ajudar bastante quando a gente surfa e encontra assuntos interessantes que não estava procurando, por exemplo, mas a mente tem que estar preparada, senão é só perda de tempo mesmo. Outra coisa curiosa (mas também óbvia) é que não se faz conexões inusitadas na ordem; isso funciona mais no caos.

 

5. Erros. As pessoas que têm mais boas ideias, também erram mais (é claro, elas fazem mais conexões). O engraçado é que às vezes a gente acha que existe um erro só porque não tem explicação para o fenômeno. Os cientistas que descobriram sinais do Big Bang levaram mais de um ano achando que as manchas que estavam enxergando eram problema do telescópio (e às vezes é mesmo, não há como saber).

 

6. Exaptação. Esse é um termo emprestado da biologia, que descreve organismos otimizados para funções específicas, mas que depois foram usadas para outros fins com sucesso. Na inovação, o exemplo clássico é a prensa de Gutenberg, que foi inspirada nas prensas de uva para fazer vinho. Ou a World Wide Web, que nasceu dentro de um laboratório para servir de plataforma de pesquisa para hipertextos e hoje serve para tanta coisa que ninguém tinha pensado antes. Ou ainda o GPS,  que foi concebido para fins militares e agora é onipresente nos táxis das cidades grandes.

 

7. Plataformas. Nenhuma boa ideia começa do zero; há que se apoiar sempre nos ombros de gigantes, como já dizia o grande Isaac Newton. Se você usou plataformas abertas (sejam tecnológicas, matemáticas, literárias, artísticas ou o que for) para desenvolver sua ideia, seja generoso e também deixe sua plataforma disponível para os que vêm a seguir. Todo mundo ganha assim.

 

Johnson ainda fala mais sobre a tendência crescente do desenvolvimento de ideias em rede. Vale a pena  saber mais.

 

Por último, ele consegue resumir o livro todo num parágrafo: “Saia para caminhar; cultive intuições; anote tudo, mas mantenha suas anotações um pouco bagunçadas; abrace a serendipitia; cometa erros criadores; tenha múltiplos hobbies; frequente cafeterias e outras redes líquidas; siga os desdobramentos; deixe os outros construírem sobre suas ideias; empreste, recicle, reinvente. Construa uma base de contatos emaranhados.

 

Mais um motivo para amar Berlin. E eu nem sabia.

21 Responses

  1. 1 maio 2012 at 8:11 pm

    Oi, Lígia
    Imagino que este é aquele livro fantástico que você falou outro dia que estava lendo, certo?
    Muito bom mesmo. Os editores deveriam dar um brinde especial pra você cada vez que você escreve um artigo sobre algum livro, pois a gente fica imediatamente com vontade de comprar e ler.
    E, o mais importante: depois de ler chega à conclusão de que a sua resenha estava perfeita.

    • ligiafascioni
      Responder
      2 maio 2012 at 2:54 pm

      Ah, que legal, Ênio! Olha, se eu não tivesse que comprar os livros já seria de grande valia. Mas um dia ainda vou viver de escrever (é que ainda não achei o caminho); adoro compartilhar as descobertas e fico tão feliz quando alguém valoriza isso que você não faz ideia.
      Você é um grande incentivador, e lhe agradeço muito por isso!!
      Beijocas e sucesso!

  2. Fatima
    Responder
    2 maio 2012 at 4:11 am

    Eu já ia me recolher mas dei uma passadinha aqui e gostei do que li. Lígia concordo quando dizes que ” o caldo é mais rico” nos grande centros. Quando viajo para cidades maiores os estímulos urbanos exercem uma “recarga” na cabeça e as vezes muitos brainstormings que não dão em nada, mas que a cidade grande excita a função criativa não tenho dúvida nenhuma. Foi incrível o que senti no Rio em janeiro pp. Quando vou a Floripa já sinto muito a diferença entre lá e Laguna. Acho que é por isto que as pessoas se apavoram de ficar muitos dias numa cidade pequena quando ja moram num grande centro. Para um cronista então, uma cidade grande é excelente!
    O seu artigo é M A R A!!! Fatima/Laguna/SC

    • ligiafascioni
      Responder
      2 maio 2012 at 2:52 pm

      Pois é, Fátima! Acho que também por isso estou adorando tanto Berlin (mas acho que adoraria igualmente morar em Paris, New York, Londres, etc…). Já que é para ser besta, vou caprichar, né? Eeheheheh….
      Beijocas e sucesso!

  3. 2 maio 2012 at 5:08 pm

    Excelente dica de leitura!!! Obrigado por compartilhar!! vou lê-lo e depois retorno OK?

    =D

    • ligiafascioni
      Responder
      3 maio 2012 at 11:21 am

      Beleza, tomara que goste, Alessandro!
      Abraços e sucesso!!

  4. 2 maio 2012 at 11:52 pm

    Concordo com o Ênio, tanto é que comprei dois livros depois de ler um único post seu (The Paradox Of Choice e switch, agora só falta esperar chegar :(…). Este post não é exceção, gosto da maneira como você expõem sua opinião e os assuntos que você escolhe também são bem interessantes!

    PS: Berlim deve ser linda!

    • ligiafascioni
      Responder
      3 maio 2012 at 11:18 am

      Que bom, J.!

      Espero que você goste dos livros também! E Berlin é linda mesmo, não deixe de visitá-la quando puder!
      Abraços e volte sempre!

  5. Aurélio
    Responder
    22 setembro 2012 at 2:38 pm

    Vídeo bem legal sobre os assunto: http://www.youtube.com/watch?v=W99xdZCxDMU

  6. 19 fevereiro 2013 at 7:04 am

    Olá Ligia!

    Estava vendo o que falam por aí do livro, já que estou fazendo uma tradução de um post sobre ele para a Zyncro Brasil (sai amanhã) e acabei encontrando o seu blog.

    Gostei tanto que depois dei uma olhada nos outros blogs e no seu perfil 🙂

    Parabéns! Achei muito legal a forma que você expõe as ideias, sejam as de temas “sérios” ou de lazer. Uma delícia e senti identificada.

    Um abraço e vá em frente!

    • ligiafascioni
      Responder
      19 fevereiro 2013 at 7:20 am

      Puxa, muito obrigada pelo incentivo, Sílvia! Seja bem-vinda e volte sempre!
      Abraços 🙂

  7. Neidi Krewer Cassol
    Responder
    23 agosto 2013 at 4:14 pm

    Querida Lígia,
    Como vai?
    Esta leitura me foi indicada ontem por um aluno mais do que especial, que para minha surpresa, me disse ter lido suas matérias, e que vc lhe recomendou mudar-se de “Pequenópolis” (risos) para um centro maior, onde a rede seja expandida e as conexões favorecidas para a criatividade e a inovação!
    Adoramos!
    Grande beijo e saudades de vc!
    Neidi Krewer Cassol

    • ligiafascioni
      Responder
      24 agosto 2013 at 8:58 am

      Ahaahhaah… espero que seus alunos (e você) não se mudem todos, lindona! Talvez o ideal seja fazer a cidade em que a gente mora crescer!

      Beijos e sucesso <3

  8. Adriana Rocha
    Responder
    3 fevereiro 2015 at 12:28 pm

    Amei a leitura! ötimo artigo.

  9. Danilo Soares
    Responder
    5 março 2019 at 12:20 pm

    Oi Lígia,
    Adorei a dica do livro (ponto). Obrigado!
    Mas fiquei um pouco confuso com o que vc escreveu (Ou o autor sugere) e o que eu tinha em mente com relação às etapas sugeridas… (como nada se cria, talvez não tenha certo ou errado)…
    No meu entendimento, o adjacente possível é mais relacionado a tecnologias que se complementam e se a “tecnologia vizinha” ainda não está completamente desenvolvida (Ou até está desenvolvido, mas ainda é muito caro, etc. Ou seja, o produto não vai dar business)…
    O que eu entendo como “redes líquidas” seria mais o fato de se ter público diferentes e quantidades para adotar aquela determinada idéia inovadora, e o feedback (ao pé da letra) para contribuição do desenvolvimento da idéia, seria maior e assim as chances da idéia se tornar uma inovação será maior, sem dúvida (sobre um dos comentários de ter mais pessoas que pensam diferente e que são de cultura diferente, essa é uma das premissas de um bom grupo de brainstorming… precisamos de diferentes repertórios para alimentar a discussão no processo criativo – inclusive, viajar é um ótimo exercício para aumentar o repertório desde que se esteja sempre atento ao que está vivenciando de diferente, acredito que ficar em uma mesma cidade grande a vida toda não seja muito proveitoso, pois depois de um tempo vc se torna parte daquela cultura padrão que mesmo as cidades grandes têm, enfim, até pra isso eu teria sugestões, mas vou me forçar a economizar na escrita kkkk)
    Sobre “serendipitia”, essa é a indefinição de eureka (no meu entendimento)… Não?
    Por último, sobre “intuição lenta”, pra mim não ficou muito claro a idéia do autor, acho que preciso ler o livro… hehehe… mas lendo seu comentário, por enquanto não concordo com ele hahaha
    Abraços do Brasil, Bahia!!!
    Até
    Danilo Soares
    http://www.danilodfreitas.com.br
    http://www.linkedin.com/in/danilosoares

    • 7 março 2019 at 6:51 am

      Oi, Danilo!

      Agora quem ficou confusa fui eu….hahahahahaha
      Não entendi onde está a sua discordância; concordo com o que você escreveu. Sobre as redes líquidas, ele não se refere apenas aos consumidores, mas, principalmente, aos parceiros com conhecimentos complementares que podem contribuir para o negócio. E a diferença principal entre a Eureka e a Serendipitia é que a Eureka é a exclamação quando você acha a solução de algo que estav procurando há muito tempo; serendipitia você encontra algo por acaso, sem estar procurando.
      Enfim, se você organizar melhor suas dúvidas em tópicos talvez eu consiga entender melhor qual seria a questão que você discorda…rsrs
      A resenha está bem superficial (é difícil resumir em uma página o conteúdo de mais de 400 páginas; a ideias das resenhas é justamente atrair a curiosidade para que a pessoa saiba em ideias gerais do que se trata o livro e tenha curiosidade de lê-la). Mas certamente não me custa tirar as dúvidas sobre tópicos que não ficaram claros. Só preciso entender a pergunta…rsrs

      Enfim, fique à vontade para perguntar 🙂

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