Função ou estética?

função ou estética?

A polêmica rolou numa aula de biônica. Veja a que conclusão eu cheguei…

O design e a engenharia

12-05-2008 Se tem uma coisa que eu adoro é conversar com gente inteligente. Mas o que mais me encanta mesmo é quando a pessoa usa essa inteligência para destruir meus argumentos, duvidar das minhas certezas, provocar a reavaliação dos meus conceitos.

Pois foi exatamente isso que aconteceu numa de minhas aulas de introdução à biônica. Estava confortavelmente discutindo sobre a definição de design que forjei junto com minha equipe em uma aula do doutorado. Depois de estudar várias referências, inclusive contraditórias, concluímos que o design se sustenta sob o tripé projetoconceitoestética.

O projeto permite a produção em escala industrial; o conceito explica a intenção do objeto, o significado, a escolha dos materiais, formas e cores, o ciclo de vida; a estética é o que o torna atraente, o que faz vender.

Foi aí que os alunos perguntaram: mas e a função, não é o mais importante no design? Sim, a função é muito importante, mas, para mim, ela está embutida no conceito. Para eles, a estética é que deveria estar implícita no conceito. Quem deveria sustentar o outro pé deveria ser a função. A sugestão é que o modelo fosse mudado para projetoconceitofunção.

Retruquei que hoje em dia, dadas as inúmeras opções de compra, o desempenho e a facilidade de uso de objetos concorrentes são mais ou menos equivalentes. As pessoas não escolhem uma televisão ou um carro pela sua função estrita, mas pela sua função ampla, que inclui o simbolismo. A função estrita (o uso primário do objeto) continua fundamental; ninguém quer um telefone que não funcione; mas não é mais o fator que decide a compra.

Há objetos de design, inclusive, cuja função é apenas significar; é o caso das jóias e de alguns acessórios, por exemplo. O peso da função no projeto do objeto dependeria então do contexto onde (e por quem) ele será usado. Por isso é que, para mim, a função faz parte do conceito. Apenas para evitar mal entendidos, vou repetir: não estou dizendo que a função não é importante, mas que o peso da funcionalidade em um objeto depende de como ele foi conceituado.

Então o Daniel me desafiou: ok, algumas aquisições privilegiam o significado e a estética na decisão de compra. Mas há outras onde a aparência nem é considerada. Se eu vou adquirir um tanque de guerra ou um míssil, por exemplo, estou pouco me importando se o negócio é feio ou bonito. O desempenho dele é mais importante que tudo.

É mesmo, o rapaz tinha toda razão. Fui para casa matutando, onde é que está o furo na minha linha de raciocínio? Se eu vou comprar um robô ou uma máquina industrial, não escolho pela beleza, mas pelas características técnicas. Será que eu deveria rever minha definição de design?

Foi então que, depois de uma noite mal dormida de tanto queimar os miolos, cheguei a uma conclusão que me satisfez. Olha só.

Quando um objeto é concebido pensando-se apenas e tão somente na sua função, isso não é design. É engenharia.

Justamente o que separa o design da engenharia é essa perninha da estética (o projeto e o conceito, a engenharia também tem).

E, no final das contas, foi um exercício de auto-conhecimento. Finalmente descobri que foi exatamente esse o motivo que me fez migrar da engenharia para o design. Eu adorava a engenharia, mas sentia falta da estética.

É isso, então. Na engenharia, a forma segue a função. No design, a forma segue a intenção.

Obrigada, Daniel.

Lígia Fascioni | www.ligiafascioni.com.br

9 Responses

  1. 13 maio 2008 at 4:11 am

    Lí a discussão, sobre funcionalidade versus design, no Acontecendo Aqui, e fiquei encantado, também com a maneira com que Você conduz seus assuntos.
    Como Engenheiro Mecânico, numa obra na Amazônia, 15 anos atrás, ‘esquecemos’ de projetar o prédio da Casa de Força, local de abrigo de grupos geradores. De ‘bate pronto’, decidi o projeto do prédio em instantes, considerando as necessidades funcionais do ambiente.
    Para resumir, se Você puder imaginar uma caixa gigante, com telhado e boas entradas de ar, com paredes brancas e azul nas partes metálicas, como o portão e outras, pode até encontrar uma estética ‘minimalista’. Ou seja, uma quase brutalidade em estética, mas super funcional. Acredite se quiser, teve até gente que gostou.
    Então, entendo na alma o seu ponto de vista.
    Saudações, EduBuys http://www.varejototal.zip.net

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    18/04/2008

    DESIGN w/ BEAUTILITY

    DESIGN: a Alma do Negócio

    A importância do DESIGN é, talvez, a maior obviedade que temos do mundo. Basta olhar em volta, e ver as maravilhas da natureza, as montanhas, um pôr do Sol, as pessoas. Se o blog fôsse mais “avançadinho”, já estaria postada a imagem de uma mulher, como o Design mais perfeito que Deus fez, de próprio punho. Mas, por falar em punhos, deste lado da tela têm alguns pares, femininos, sempre pronto à “checar a santidade” deste Blog. Como não se pode viver sem elas, o melhor é conviver bem com elas. E isto vale para as filhas e até para as sogras, tanto que precisamos nos esforçar no assunto.
    Escrito por edubuys

  2. 13 maio 2008 at 1:24 pm

    Ligia, essa discussão é de tempos não? Mas realmente acho que o design vem da base projeto-conceito-estetica.

    Agora, engenharia não é minha área, mas será que a engenharia possui também o conceito? Não seria mais um projeto-função? Acredito que conceito é algo mais profundo, menos técnico/funcional, e mais ou menos complicado de ser explícito pra alguém que vai comprar uma máquina que pesa 5 toneladas.

    Por fim: que bom seria se o design tivesse apenas o “pézinho” na estética, e mantivesse a função do produto. Hoje em dia parece que entrou com os dois pés na estética, e a função…deixa aquele site todo em flash bem legal te falar sobre função.. =]

  3. 13 maio 2008 at 1:31 pm

    Oi, Thiago! Posso falar de cadeira que a engenharia tem conceito sim. Há a escolha de materiais, a ergonomia, a usabilidade, a tolerância à falhas e uma gama infinita de variáveis a se considerar no projeto de uma máquina. Só que isso tudo é pensado exclusivamente com o foco na função. A estética é sumariamente ignorada.

  4. 13 maio 2008 at 4:42 pm

    Espero que eu não faça você perder outra noite de sono tranquilo, Ligia, mas e se o míssel é usado não só para destruir alvos, mas, principalmente, intimidar inimigos em locais públicos, tais como desfiles militares, rondas pelas fronteiras ou aparições na televisão? A performance estética passa a ser tão importante (ou mais) do que a performance prática.

    Lembra da Guerra Fria e a infinidade de geringonças militares que os americanos e russos criaram só para se intimidarem? Lembra do icônico cogumelo nuclear? Pois é, pode até não ser intencional, mas estas foram muito mais usadas para significar certas coisas do que para destruir.

    Poderia, então o míssil, criado pela Engenharia, se transformar em Design, bastando que fosse mudado o status de função? Ou será que, mesmo nas condições mais práticas da vida, ainda assim fazemos julgamentos e somos influenciados por preferências estéticas?

    Penso que a estética também está presente no trabalho dos militares e engenheiros, mesmo que de forma não tão explícita como entre os designers. É uma estética minimalista e funcionalista, mas é uma estética.

    A respeito desse assunto, houve uma discussão muito boa sobre o assunto no Usabilidoido há algum tempo:
    http://usabilidoido.com.br/a_forma_nao_segue_necessariamente_a_funcao.html

  5. 13 maio 2008 at 4:55 pm

    Oi, Fred! Acho que não vou perder a noite de sono, mas certamente vou pensar mais um pouco.

    O que eu achei bem interessante no texto que você indicou (eu já tinha lido esse livro e até comentado na minha coluna http://ligiafascioni.wordpress.com/2007/10/30/objetos-muito-interessantes) é a frase que, de certa maneira, corrobora a minha tese: “Um bom design deve seguir tais mudanças e não ficar preso a um ideal de performance ótima para uma função específica. Os melhores designs encantam, os medíocres funcionam.” Aí é que mora a diferença entre a engenharia e o design – a engenharia não perde tempo em encantar; pelo menos esse não é o foco do trabalho.

    É claro que, se a gente for pesquisar, absolutamente TUDO o que é projetado significa alguma coisa, tem alguma intenção. O que eu quero ressaltar, na minha definição, é que o peso da função, na engenharia, esmaga completamente a questão estética. Como a estética serve para seduzir, ela teria muitas contribuições a fazer no objeto “puramente funcional” se os engenheiros se dignassem a lhe dar alguma atenção.

    Talvez eu não tenha conseguido reunir ainda argumentos suficientes, mas, tendo vivido bastante nos dois mundos, posso afirmar com convicção que design e engenharia são abordagens muito diferentes na resolução de problemas. Se assim não fosse, os engenheiros deveriam ter semiótica, teoria das cores, gestalt e história das arte em seus currículos, concorda? Quando eles estudam isso, viram designers…

  6. rogerio gomes
    Responder
    15 maio 2008 at 1:21 am

    À mais de 25 anos trabalho com ,engenheiros ,arquitêtos e
    designers, nunca recebi um projeto de um engenheiro,
    entenda, que não estou tirando o mêrito da classe, eles
    são os responsaveis por toda esta parafernalha que
    existe em nossas vidas, e mais, eles assinão os projetos como responsaveis, agora existem as fases, de criação ,
    desenvolvimento, produção , comercialização e etc.
    Cada qual tem sua hora e lugar, por isto tambem concordo que são abordagens diferentes, mas dentro da sua repectiva area de trabalho e responsabilidade.

  7. 12 setembro 2008 at 6:20 pm

    Á sempre um primeiro, e nem sempre o ultimo faz, por chegar, na primeira, entidade com resultados, verdadeiros e co0nstruti-vos, mas eu creio, em numa espécie de bem, e compreênção, que sempre para muitos frutos, especiais na apresentração do pecado, entre Adão, e Eva.

  8. 28 janeiro 2009 at 12:14 am

    Lígia, estou apenas começando a explorar a vastidão desse mundo chamado design. Estou cursando Design Gráfico e estou ainda no terceiro período.
    Apesar de eu ainda ser muito pouco prático na área, mantenho sempre leituras para me fundamentar sobre o que é Design.
    A pouco tempo terminei a leitura de livro “Design Industrial” (Bernd Löbach) e comecei a gerar os meus conceitos sobre o que é realmente Design.

    Após ler seu texto ví semelhanças imensas sobre os nossos conceitos sobre o tema.

    No meu ver, Design é a configuração estética-prático-simbólica dos produtos de uso direto pelo consumidor.
    A engenharia, por sua vez, seria a configuração prática de produtos para uso direto ou indireto do consumidor. (uso indireto no caso de uma engrenagem, por exemplo, ou mesmo os mísseis citados).

    Falando em estética:
    Quanto a diferença entre arte e design, vejo diferenças na estética e no simbolismo.
    Na Arte, a inteção estética e o simbolismo são expressões do autor da obra, destinados a atingir o público.
    No Design, a estética e o simbolismo não são baseados na expressão do autor, mas sim em atingir um público alvo. A estética é condicionada e guiada de forma que chame atenção à usabilidade do produto (não necessariamente à função). Como é o caso das jóias que não presumem função (a não ser estética).

  9. 19 fevereiro 2012 at 12:58 am

    Excelente Lígia, eu sempre tive esse meu pensamento pesando pelo lado da estética no design. Sempre quis poder entender essa briga entre o funcional e a estética, o que tem mais peso etc. Nesta postagem, acho que faltou nos comentários falar que justamente a estética fica por conta do design em alguns projetos de engenharia, ou seja, eles podem trabalhar juntos para misturar a função e estética com perfeição.

    Lígia, se possível eu gostaria de indicações de artigos ou postagens, sobre estética e funcionalidade no design. Estou a escrever um artigo sobre isso.

    Abraços!

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