Hologrammatica

Imagine um mundo onde tudo é luz. Explicando melhor: tudo o que a gente veria nele seria projetado holograficamente por uma rede (tipo a internet, só que de luz). Assim, em vez de enxergar a fachada descascada de um prédio, o síndico compraria uma projeção holográfica permanente que mostraria sempre a pintura intacta (podendo variar as cores, o estilo arquitetônico, enfim, tudo o que se quiser). 

Você sairia de pijama de casa, porém, tendo comprado uma projeção holográfica da Chanel, as pessoas só enxergariam luxo e elegância no seu visual. O mesmo valeria para o penteado, cor de cabelo, maquiagem e sapatos. Até a raça do seu cachorro poderia ser pura holografia. As placas de trânsito não existiriam materialmente; seriam sempre projeções holográficas. Até monumentos históricos destruídos por algum incêndio, por exemplo, seriam reconstruídos holograficamente. A ideia de uma vida de aparências seria literalmente levada às últimas consequências.

Seriam 5 os tipos de holografia regulamentados: 

Nível 1: componentes de segurança (só acessível para o serviço secreto ou militares).

Nível 2: realidade aumentada para pessoas (ex: maquiagem, cabelo, roupa, etc).

Nível 3: realidade aumentada privada (ex: decoração de interiores).

Nível 4: realidade aumentada para espaços abertos (ex: monumentos, sinalização, fachadas, etc).

Nível 5: propaganda.

Uma pessoa comum poderia comprar caríssimos óculos para não ver os níveis 4 e 5, mas os demais, só com autorização especial, pois, por lei, estaria invadindo a privacidade de alguém. O que significa que, se seu namorado não quisesse, você nunca iria saber como seria a cara dele de verdade. Imagina que complicado!

Pois Tom Hildenbrand imaginou um mundo assim nos mínimos detalhes como cenário de Hologrammatica, um thriller sensacional. A história se passa em 2088 e o protagonista é um homem forte, musculoso (de verdade), corajoso e solitário. Clichê, né? Só que ele é gay e, felizmente, no final do século XXI, isso não faz diferença nenhuma na história. Galahad Singh é um Quästor, um detetive particular especializado em encontrar pessoas desaparecidas. 

O trabalho tem um desafio a mais porque, nessa época, além da questão da holografia, qualquer um que tenha dinheiro suficiente pode fazer um backup do conteúdo do seu cérebro e fazer download em outro corpo, construído especialmente sob encomenda. Galahad fica conhecendo ricaços que mantêm coleções de corpos que eles usam como quem troca de roupa, com variações de biotipo, cor e até gênero. 

A técnica é bastante útil para profissões de risco como bombeiros, policiais, agentes secretos, prostitutas, militares e outras que demandam transformações no corpo, como atores, por exemplo. Se o Gefäß (a tradução seria recipiente, mas acho esquisito; então vou usar a palavra em alemão mesmo) morrer durante uma operação de incêndio, é só fazer o download do cérebro do bombeiro em outro corpo, ou mesmo no original. O único porém é que ele não vai se lembrar de nada que tenha acontecido depois do backup.

Eis que nosso heroi Galaghad conhece uma pessoa numa festa; uma moça maravilhosa, pela qual ele não se interessa muito (ela é riquíssima e está usando um Gefäß). Decidida a conquistá-lo, ela troca de corpo por um bonitão que derrete o coração do moço. Eles começam a ter um caso e Galahad fica confuso, pois ele nem sabe qual é o gênero ou como se parece a pessoa original por quem se apaixonou. Surreal, né?

Pois a história toda gira em torno de um caso de desaparecimento. Galahad é contratado por uma das pessoas mais ricas do sistema solar (sim, já tem habitantes terráqueos morando em um colar de asteroides), pois sua filha, um verdadeiro gênio da programação, desapareceu sem deixar rastros. Outro clichê desmontado; o gênio da programação aqui é uma moça, e rica.

O trabalho é dificílimo e envolve dois projetos paralelos nos quais ela estava trabalhando; um particular e outro para uma empresa da qual era funcionária (a empresa era especializada em fazer backups para os Cogits, como são chamados os conteúdos armazenados dos cérebros). 

Galahad, apesar de ter uma profissão arriscada, nunca quis fazer um Cogit (o sujeito é muito desconfiado). Aos poucos, ele vai descobrindo mais sobre a moça, alguns segredos sobre ela, alguns fatos interessantes sobre sistemas holográficos e de inteligência artifical e um serviço secreto que ele nem sabia que existia. 

Não vou dar spoiler; vale demais ler a história toda. A coisa vai ficando cada vez mais complexa e cheia de reviravoltas; o autor é realmente um mestre. Vou procurar outras obras dele; apesar de achar que tem ação um pouco demais, adorei a criatividade e os personagens. Com certeza daria um ótimo filme (ou até série).

A história se passa entre Londres (aparentemente, Galahad é britânico) e Paris (onde a moça desapareceu), mas o autor é um alemão de Hamburgo, ganhador de vários prêmios. O livro foi lançado no ano passado e não sei quando vão traduzir o moço, mas para quem não lê em alemão, é bom ficar atento. Certeza que Hollywood ou Netflix vão descobrir a história, logo, logo!

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