Kindred

Nada como ter amigas cultas e antenadas, né? Pois tenho o privilégio de ter a Ariane de Melo (escritora, que usa o pseudônimo C.A. Saltoris) e a maravilhosa jornalista Noemia Colonna. Foram elas que me apresentaram o termo afrofuturismo (já tinha ouvido falar, mas não sabia exatamente o que era).

Pois o afrofuturismo combina elementos de ficção científica, ficção histórica, realismo mágico e arte africana em obras artísticas em suas várias formas. Na literatura, um de seus expoentes é a americana Octavia E. Butler, que eu não conhecia. 

Octavia (1947-2006) ganhou vários prêmios de ficção científica e comecei a ler sua obra pelo romance “Kindred” (numa tradução livre seria algo como “Parentesco”, mas no Brasil o título foi traduzido como “Kindred: laços de sangue”).

A história é dessas em que você começa e não consegue mais largar. 

O prólogo apresenta Dana, a protagonista, internada no hospital, pois acabou de perder um braço. Seu marido, Kevin, foi preso para averiguações, pois ele é o principal suspeito e nenhum dos dois consegue explicar para a polícia o que realmente aconteceu. Kevin é liberado por falta de provas e  história volta no tempo, mostrando como tudo aconteceu.

Dana é uma jovem escritora negra, ainda em início de carreira. Num trabalho temporário ela conhece Kevin, branco, também escritor, mas num estágio mais adiantado (ele já consegue ganhar algum dinheiro com sua obra). Os dois se apaixonam e vão morar juntos numa casa que Kevin consegue comprar com o sucesso de uma novela sua.

Eis que os dois acabam de se mudar e ainda estão desencaixotando as coisas quando Dana sente uma tontura súbita. Quando ela acorda, está na beira de um rio, no campo, e tem uma criança se afogando. Ela corre e consegue salvar a criança, mas tem que fazer uma respiração boca-a-boca para reanimá-la. 

A mãe, uma ruiva com roupas muito antigas, está desesperada e acha que Dana vai matar o menino, que deve ter 4 ou 5 anos de idade. A mulher começa a gritar que Dana está matando seu filho e não se contém mesmo quando vê que o garoto está vivo. 

O menino, chamado Rufus, abraça a mãe e começa a chorar, quando surge um homem armado com um rifle enorme, apontando para ela. Quando ouve o barulho do cão se armando, Dana fica apavorada e começa a sentir a tontura novamente. Quando dá por si, está em casa, novamente. 

Kevin diz que ela desapareceu fisicamente por alguns segundos e apareceu novamente toda molhada. Então não pode ser uma alucinação.

Dana fica com medo de sair de casa; e se ela estiver, por exemplo, dentro de um carro? Sente tontura, desaparece e reaparece depois, no meio da estrada? Bem apavorante a situação.

E ela está certa em não sair, pois algumas horas depois, a tontura volta. Dana se vê num quarto muito antigo. O garotinho que ela salvou da outra vez está no quarto, brincando com um pedaço de madeira em chamas. O fogo está começando a atingir as cortinas e ele parece apavorado. 

Dana consegue apagar o fogo, e chama a atenção do menino, mas Rufus, agora com uns 8 anos de idade, diz que não recebe ordens de uma negra e ameaça chamar o pai. Ela contemporiza (sabe que poderia ser presa por invasão), e descobre finalmente o nome dele. 

Rufus se lembra dela e diz que o pai ia atirar porque achou que ela fosse um homem, afinal, estava usando calças. Os dois conversam um pouco e ele concorda em mostrar como ela pode fugir da casa sem ser vista e aponta o caminho até a casa de sua amiguinha Alice, quase da mesma idade. Mais uma situação em que Dana se vê prestes a morrer, sente a tontura e reaparece na frente de Kevin, preocupadíssimo.

Eles analisam a situação e percebem que a tontura aparece sempre que Rufus acredita que está em perigo, e o retorno, sempre que Dana acha que vai morrer. Pesquisando mais, ela descobre que Rufus e Alice são seus ancestrais. Então, salvá-lo, é como salvar sua própria linhagem.

O rapaz vive no século XIX e vive numa fazenda cheia de escravos e Alice é uma delas. Ele tem um gênio dificílimo agravado pelos costumes da época; os pais não são melhores. Dana é considerada muito insolente para uma escrava, e uma ameaça, já que sabe ler e escrever.

Daí pra frente, ela sempre deixa uma sacola de pano com algumas coisas que podem ser necessárias (canivete, comprimidos, escova e pasta de dentes, etc), pois ela nunca sabe quanto tempo vai passar nessa outra dimensão. O que no tempo presente são minutos, lá são meses.

Numa das viagens, Kevin se agarra a ela e acaba indo junto. No começo ele nem acha tão ruim assim, afinal, ele é branco e pode protegê-la, já que ele pode se dizer seu dono. Mas ela volta e ele acaba ficando no passado por 5 anos (8 dias nos tempos atuais) e, quando se reencontram, ele está bem traumatizado pelas cenas que presenciou.

A história vai se desdobrando, com ondas e vindas, e aqueles horrores que a gente conhece de filmes de escravidão. Dana descobre, inclusive, que toda a sua família é fruto de vários estupros sucessivos (como, de resto, sabemos que é a história do Brasil também).

Apesar de triste, gostei muito da maneira como a história foi contada, com personagens bem construídos e com bastante tensão e suspense. Vou atrás de outras obras da autora e conhecer um pouco mais sobre esse gênero.

Recomendo muito!

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