Maus

Já tinha ouvido falar de Maus, de Art Spiegelman, e tinha alguma ideia do que se tratava e da relevância da obra. Mas lendo os dois volumes dessa incrível narrativa, deu para ver a importância do trabalho desse moço (que sempre achei que fosse alemão, mas é americano).

Maus, cujo primeiro volume foi publicado em 1986, é uma história em quadrinhos diferente de tudo o que eu já tinha visto. Não é à toa que revolucionou não apenas essa forma de expressão como também conseguiu emocionar um público que até então não costumava ler os livros convencionais que contam a tragédia do holocausto.

Maus relata a história do pai de Art e de como ele sobreviveu a Auschwitz. A linguagem é muito original. O artista representa os judeus como ratos, os nazistas como gatos, os poloneses como porcos e, finalmente, os franceses como sapos. Assim a gente consegue ver facilmente quem é quem na história e, principalmente quando os judeus tentam se passar por poloneses, pois eles usam máscaras de porcos. Para ser sincera, nunca entendi direito como é que se consegue identificar uma pessoa como judeu só olhando para ela.

O livro mostra inclusive a relação do autor com seu pai, que, pela própria história de vida dele, é bem problemática. A mãe de Art suicidou-se quando ele tinha 10 anos de idade, e seu pai ficou ainda mais  difícil de conviver, mesmo tendo se casado de novo com uma também sobrevivente de Auschwitz.

O pai de Art, chamado Wladek, era um judeu polonês muito inteligente. Apesar de ser de família pobre, falava, além do polonês e do iídiche, um excelente alemão e também inglês (o que lhe salvou a pele). Era um comerciante nato e acabou conhecendo Anja, de uma das famílias mais ricas da cidade de Sosnowitz. Os dois se casaram e passaram a morar na mansão dos pais dela, que já abrigavam cônjuges dos outros irmãos, além dos avós. Wladek ganhou uma fábrica de tecelagem do sogro onde trabalhou muito e com sucesso, até que estourou a guerra.

No início, os judeus eram “apenas” apontados e xingados na rua. Depois a coisa comecou a ficar mais difícil, até que os alemães invadiram a Polônia e simplesmente confiscaram todos os seus bens, incluindo fábricas, lojas, tudo. Depois os expulsaram das próprias casas. Só então é que foram enviados para campos de concentração. Os detalhes sórdidos que forçavam os judeus a perder sua dignidade nas coisas mais básicas são contados com uma simplicidade de doer. Eu me emocionei especialmente com a história de um senhor que, ao chegar no campo de concentração, perdeu as roupas e ganhou um uniforme grande demais, incluindo os sapatos. Ele tinha que caminhar segurando as calças e os sapatos (pois, se os perdesse, não poderia trocá-los por outros mais próximos do seu tamanho com outra pessoa). Imagine que o sonho de consumo desse senhor passou a ser um simples barbante para amarrar as calças e poder caminhar (foram meses de tortura, incluindo um longo inverno).

Foram anos de tortura, fome, medo e dores diversas retratados com delicadeza, mas também com muita firmeza nos desenhos monocromáticos de Art Spiegelman. É impressionante acompanhar todas as situações extremamente arriscadas e como o conhecimento, a inteligência, a flexibilidade e a veia diplomática de Wladek salvaram sua vida. Incrível como ele e a esposa conseguiram sobreviver até a guerra acabar naquelas condições. Libertados, acabaram indo para Estocolmo onde ficaram alguns anos como refugiados, até conseguir autorização para emigrar para os Estados Unidos, onde Art nasceu.

Já tinha lido muitos livros sobre histórias de vida que se passaram durante o holocausto, mas essa é especialmente tocante, talvez porque expõe a relação complicada entre pai e filho, além da linguagem dos quadrinhos, bastante inovadora para esse tema.

Se você encontrar Maus numa livraria, não resista. Vale muito a pena. Tem muitas lições ali que valem a pena refletir.

 

 

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