Muito além do design

NOTA: Prefere ouvir esse texto, em vez de lê-lo? Clique aqui.

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A Renata Boere é uma designer gráfica que mora em Haia, na Holanda. Ela tem um estúdio especializado em projetos gráficos voltados à área cultural: faz livros, catálogos e material promocional para artistas e museus. Ela também dá aulas numa universidade e mantém uma ONG para dar oportunidade a estudantes usar seus conhecimentos em projetos sociais, pois Renate acredita que essa é a maior missão do design.

Encontrei o livro dela “Beyond Design: making socially relevant projects successful” (Tradução livre: “Além do design: fazendo projetos socialmente relevantes bem-sucedidos”) numa livraria em Amsterdam e me apaixonei pela diagramação e encadernação (o projeto é simples, mas muito eficiente — a marca dela). 

Eis que lendo, dei-me conta de que não é um livro sobre design, mas principalmente sobre empreendedorismo. Acredito que ninguém devia abrir uma startup (em qualquer área) sem lê-lo antes. Então estou aqui fazendo a minha parte divulgando essa maravilha.

O livro é dividido em duas partes: na primeira, Renate conta, num estilo bem amigável e interessante, a jornada dela na construção de um aplicativo para ensinar crianças de 6 a 12 anos aprenderem a administrar sua mesada. 

Na segunda parte, ela descreve o método que criou a partir da experiência que teve; são 10 passos que podem ser seguidos não apenas por designers, mas empreendedores de qualquer área. 

A moça escreve de um jeito que a gente não consegue parar de ler; devorei tudo em algumas horas porque queria saber o final; mas é claro que não vou dar spoiler aqui.

Renate começa contando na introdução que estava entrando em férias quando recebeu uma carta do Instituto de Informações Financeiras da Holanda informando que eles iriam abandonar o projeto dela por questões internas. A moça fica bem desesperada.

E então vamos ao primeiro capítulo para ver o resto da história. 

Renate tem uma filha de oito anos de idade e sempre compra as coisas que a menina quer, mesmo sabendo que é errado. Ela também lê notícias dizendo que há um percentual grande de cidadãos holandeses metidos em dívidas porque não conseguem organizar seus gastos. Ela reflete um pouco e pensa que parece ser esse o futuro da filha se ela não tomar uma providência. 

O ideal seria a menina ganhar uma pequena mesada e guardar dinheiro para comprar suas próprias coisinhas; assim, mesmo com valores bem pequenos, ela iria aprender a administrar os recursos e ver que dinheiro não cai do céu (mesmo ganhando uma mesada). É claro que num país como a Holanda, a realidade é diferente de países pobres. Mas educação financeira (ou a falta dela) afeta todo mundo. 

Renate se deu conta de que já tinha se predisposto a pagar uma mesada para a menina para que ela aprendesse a administrá-la, mas como quase não usa mais dinheiro, só cartão, não tem mais moedas na carteira. Ela tem então a ideia de fazer um aplicativo para que as crianças possam administrar virtualmente a mesada; o aplicativo teria vários “cofrinhos” e a criança escolheria se queria gastar o dinheiro ou juntar para comprar alguma coisa.

Empolgada com a ideia, fez várias pesquisas e promoveu uma força-tarefa com os estagiários, pois realmente acreditava que essa ferramenta poderia mudar a vida das pessoas no futuro e suas relações com o dinheiro.

Aí vem o valor do depoimento: a gente acha que desenvolver um aplicativo é simples, mas ela se depara com todo tipo de dificuldade. Descobre que precisar de um bom ilustrador, de um bom programador, fica sabendo que para cada plataforma é preciso praticamente programar tudo de novo, o que multiplica os custos. Ainda tem a parte de interface e de testes, a promoção e colocação do produto nas lojas virtuais para venda e toda a consultoria jurídica necessária para fazer a coisa rodar sem riscos.

Com uma ideia aproximada de custo, ela procurou seus contatos e aí começou a odisséia: a ideia mais óbvia é que um banco se interessaria pelo projeto, mas ela dá com a cara na porta. Quando consegue uma oportunidade, fica sabendo que essa faixa etária não interessa a nenhuma instituição financeira.

Depois de várias tentativas, o órgão governamental que aparece na carta do primeiro capítulo se dispõe a apoiá-la, desde que fique com 75% do lucro da venda do app, pois vê uma oportunidade de conseguir recursos para investir em outros projetos. Como boa idealista, ela topa. Só que aí fica sabendo que eles não têm dinheiro; mas que se dispõem a ajudá-la a conseguir um patrocinador. 

Uma das possibilidades de um dos potenciais parceiros é que ele financie parte do valor, desde que ela arque com o resto. Aí o órgão do governo cisma de fazer um crowdfunding (aqui chamamos de vaquinha) durante uma cerimônia oficial e dá tudo errado (por erro de estratégia deles). É quando ela recebe a malfadada carta. 

Mas Renate não desiste; tenta mais e de todas as maneira que consegue, durante cinco anos. Nesse período, vai aprendendo horrores: que ela precisa divulgar mais o trabalho do próprio studio para construir autoridade e se tornar uma parceira mais atraente para os investidores; que precisa usar mais as redes sociais; que precisa fazer mais contatos e participar de premiações; que precisa de uma estratégia para usar quando aparece um concorrente direto com a mesma ideia; enfim… as muitas dificuldades que um empreendedor de primeira viagem, como ela, nem sonha.

A moça tem várias ideias, comete todo tipo de erro, toma algumas decisões certas e outras erradas, ganha prêmios, e chega até a publicação desse livro, que faz parte de um crowdfunding que ela criou para levantar dinheiro para desenvolver o app. 

Sobre o método, que está na segunda parte, aqui vão os 10 passos de uma maneira bem resumida. Renate desdobra e exemplifica de uma maneira simples e clara cada um deles no livro; valem por muitas aulas. 

  1. Defina o motivo de você querer fazer o projeto; o que tem de tão especial nele?
  2. Descreva objetivamente o seu projeto e o seu público de interesse.
  3. Formule questões de design e faça um brainstorming com ideias de produto.
  4. Faça um planejamento estratégico.
  5. Escreva uma história atraente sobre o projeto (essencial para divulgar e conseguir parceiros e financiadores).
  6. Estime o orçamento e construa o modelo de negócio.
  7. Busque potenciais parceiros financiadores/apoiadores e apresente o conceito.
  8. Formalize compromissos claros e comece a trabalhar com seu(s) parceiro(s).
  9. Escolha o momento certo para desenhar e lançar a campanha de divulgação.
  10. Documente e publique seu projeto.

Olha, para mim esse livrinho é um curso completo de empreendedorismo; devia fazer parte do currículo da maioria dos cursos. Recomendo com estrelinhas.

Não existe ainda a versão em português, mas em inglês está disponível aqui.

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