O mergulho

Eis que trago aqui um livrinho elegante e bem resumido que tem insights bem legais. Nada de novo em se tratando do Seth Godin no seu “The dip: A little book that teaches you when to quit (and when to stick)” (tradução livre: “O mergulho: um pequeno livro que ensina você quando desistir (e quando persistir)”).

Todo mundo tem momentos em que pensa em desistir de tudo e largar mão de alguma coisa que está muito mais complicada do que a gente pensou quando se meteu nela. Mas, geralmente para leitores desse tipo de literatura (a de negócios), desistir não é uma opção.

Godin cita Vince Lombardi, um guru inspiracional, que prega “Desistentes nunca vencem e vencedores nunca desistem”. Como diz o autor, esse é um péssimo conselho. Vencedores desistem o tempo todo. A questão é saber a hora certa de desistir; e do quê.

É claro que o livro tem um monte daqueles discursos meritocráticos (basta querer, todos têm as mesmas chances, blábláblá…) que são um pouco irritantes, afinal Godin é um típico autor de marketing e negócios americano. Mas peneirando bem, sempre tem algo interessante e que faz sentido.

A ideia é que, quando uma pessoa tem sucesso em alguma coisa, certamente desistiu de muitas outras para focar no que realmente fazia diferença para ela. E, desistir, nesse caso, é uma grande ferramenta estratégica. Mas, como toda ferramenta, precisa ser usada com sabedoria. Às vezes, desistir não é uma boa escolha. 

O MELHOR DO MUNDO

Tem uma parte em que ele fala da importância de ser o melhor do mundo em algo; no começo achei uma chateação. Mas ele contextualiza que, quem define o que é mundo, é você mesmo. Ele não está falando do mundo inteiro, do globo. Mas do seu mundo. E nele, você pode ser melhor em algo sim. Onde você também define o que é melhor, segundo a sua visão, e o que é sucesso.

Ele faz uma crítica bem interessante sobre as pessoas que já desistiram e não perceberam, quando não dão o melhor de si para fazer algo. Tipo: você entrega o currículo cheio de erros (considerando aqui que é apenas uma questão de desleixo e desatenção — é claro que há casos e casos), quando um médico não dá a mínima para um paciente, quando um cozinheiro não capricha no prato, quando um garçon nunca percebe o chamado dos clientes; ou seja, quando a gente faz uma coisa de qualquer jeito, só para cumprir um papel. 

O que quer que a gente se disponha a fazer, é melhor ser o melhor do mundo (do seu mundo, pelo menos), pois o sentimento de completude e missão cumprida é maior. A gente não sente que está desperdiçando o tempo quando faz uma coisa bem feita e com cuidado.

E então Godin começa a desenhar a arquitetura da desistência estratégica.

SOBRE DESISTIR ESTRATEGICAMENTE

Ele mostra um gráfico, onde o eixo vertical mostra os resultados e o eixo horizontal, o esforço. A curva desenhada seria o corte de um peixe visto de lado: começa com um monte, depois afunda e no final, tem o rabo. 

A parte alta como uma montanha, representa o começo de algum projeto. Quase sempre é divertido e geralmente com menos esforço se consegue ótimos resultados. Nessa fase, é fácil se empolgar, seja qual for o tema: um curso, uma empresa, um relacionamento. Tudo é festa.

Mas em seguida, dá para perceber que você vai aumentando os esforços, mas os resultados, em vez de aumentar, diminuem. É o que ele chama de “The Dip”, ou “O mergulho” (que dá título ao livro). 

THE DIP (O MERGULHO)

O mergulho é uma combinação de burocracia e excesso de trabalho; é a diferença entre a sorte de principiante e a excelência em alguma área. É aquela parte difícil, desmotivadora, em que a maioria das pessoas desiste mesmo. E é onde os melhores do mundo vão aprender, vão ralar mesmo, vão mudar as regras, vão se adaptar. 

Existem duas saídas para essa curva: 

A que ele chama de “Cul-de-sac” (uma expressão francesa para beco-sem-saída ou problema sem solução). Você trabalha, trabalha, trabalha e nada muda. As coisas vão sempre piorando.

A que ele chama de “The Cliff” (O penhasco), que, segundo ele é raro e assustador. É a tal ladeira abaixo em velocidade acelerada. Acontece quando você simplesmente não consegue desistir (tipo um vício) e a coisa pode afundar ainda mais.

Acontece que, em algumas situações, esse penhasco não leva ao abismo; é apenas o que ele chama de “The Dip” ( O mergulho), em que as coisas estão ruins, mas vão melhorar rumo ao céu e ao sucesso.

Eu usaria algo como “The Valley” (o Vale), que também comunica a mesma ideia no gráfico de uma maneira mais didática, na minha opinião. Mas enfim.

A questão é que é realmente difícil saber se a gente está caindo no abismo ou pegando impulso para subir. O mergulho é realmente onde as coisas mudam.

SERÁ UM ABISMO?

Ele cita vários exemplos em esportes radicais, por exemplo, em que há esse mergulho meio assustador. A curva de aprendizado parece acelerada no início, mas para dominar as partes difíceis, parece que se está no inferno; é muito difícil de ver evolução. Em todas as ciências, na verdade, é assim. A pessoa fica estudando cálculo e física sem muito entusiasmo; não consegue ver sentido. As que conseguem, são justamente as que sobem depois, rumo ao infinito!

O problema é justamente desistir no meio do Dip achando que é o fim. Porque não se tem uma visão da curva toda, não se tem uma perspectiva, então se desiste. E aí todo esforço fica sendo em vão.

A ideia de Godin para resolver a questão é a seguinte: antes de começar, defina seus limites. Esteja ciente das dificuldades. Analise e defina se realmente vale a pena. Se você não está disposto a atravessar a curva do mergulho, não comece.

Na verdade o Dip acaba se tornando um grande aliado, porque ele é quem faz o projeto valer realmente a pena (se não tivesse essa parte, seria fácil e você teria muito mais concorrentes). Qualquer pessoa pode fazer uma coisa realmente fácil e que não tenha partes chatas e difíceis, em que dá vontade de desistir. E é por isso que essas coisas fáceis não têm valor. 

SETE MOTIVOS

Godin lista sete razões pelas quais você falha em ser o melhor do mundo:

  1. O tempo se esgota (e você desiste)
  2. O dinheiro acaba (e você desiste)
  3. Você fica apavorado e com medo (e desiste)
  4. Você não leva a questão suficientemente a sério (e desiste)
  5. Você perde o interesse e entusiasmo e se conforma com algo medíocre (e desiste)
  6. Você foca no curto prazo em vez do longo prazo (e desiste quando o curto prazo começa a apresentar dificuldades)
  7. Você escolhe ser o melhor do mundo na coisa errada (porque você não tem o talento necessário).

OITO TIPOS DE DIP

O autor lista ainda 8 tipos diferentes de Dip:

1. Fabricação: É fácil começar um negócio na garagem de casa. Mas torná-lo um negócio lucrativo é outra história. A maioria desiste antes de escalar, pois as dificuldades são enormes.

2. Vendas: A maioria das ideias começa com uma pessoa fazendo a venda. Novamente, a dificuldade aparece na hora de escalar o negócio, montar uma estrutura profissional e um time de vendas.

3. Educação: Teoricamente, a carreira começa antes mesmo da pessoa se formar. Mas quando ela precisa reaprender e se reinventar, aprendendo novas habilidades é que a coisa aperta. Por exemplo, um médico especialista precisa abrir mão de muitas coisas durante anos para talvez colher os frutos bem mais tarde.

4. Risco: Pagar um aluguel maior que o faturamento atual ou investir em uma nova tecnologia é um risco enorme. Às vezes é o que vai fazer a diferença; para o bem (sucesso, escala) ou para o mal (falência). 

5. Relacionamentos: Há pessoas e organizações que podem lhe ajudar mais tarde, mas somente se você investir muito tempo e esforço agora, nesse momento. Mais tarde, talvez essa pessoa seja o CEO de uma grande empresa ou esteja em situação diferente. Mas é difícil saber de antemão.

6. Conceitual: Abandonar velhos conceitos e inventar algo novo, que desafie o status quo, é às vezes o necessário para ultrapassar o Dip. Poucos conseguem.

7. Ego: Aparece quando a pessoa já não consegue ter tudo sob seu controle absoluto e precisa delegar. Muitas vezes, microgerenciar é o caminho para o buraco.

8. Distribuição: Logística pode ser um desafio intransponível para alguns empreendedores, seja por causa do investimento em estrutura, seja por condições locais.

ONDE ESTOU?

Olhando na linha do tempo, depois de passado o evento, é relativamente fácil identificar as curvas e os estágios; quando se está no Cul-de-Sac, quando é caso de Dip. Muito otimismo pode nublar a visão e fazer a agonia durar mais. Muito pessimismo pode fazer a desistência ser cedo demais.

A ideia é tornar o Dip mais longo possível para dificultar a vida dos concorrentes. Mais ou menos o que a Amazon, Google e Microsoft fizeram. Segundo o autor, a maioria das empresas tenta apenas sobreviver ao Dip, o que as torna medíocres. Não basta sobreviver, mas aproveitar a oportunidade para fazer algo único e extraordinário.

E importante: o oposto de desistir não é esperar para ver como fica. É desenhar outra estratégia para resolver o problema. Não se atravessa com sucesso um Dip simplesmente por decurso de prazo, esperando o tempo passar.

SOBRE DESISTIR

Desistir é ok quando você está num beco sem saída ou num barranco (aí, desistir antes de cair no precipício é uma decisão sábia, inclusive). Mas desistir em pleno Dip requer mais atenção, pois os riscos (mas também as oportunidades) são maiores.

O que Godin recomenda é que você desista de táticas de curto prazo (para mudar e se adaptar), mas não da estratégia de longo prazo.

Outra coisa: desistir não é o mesmo que falhar: é uma decisão consciente, dadas as escolhas disponíveis, e o orgulho não deve atrapalhar nessa hora. Desistir com sabedoria é uma boa maneira de evitar a falha, inclusive.

Godin conta a história de Michael Crichton, autor de bestsellers. Ele era médico com pós-doutorado, mas mesmo passando pelo Dip se deu conta de que, independente do sucesso que teria nessa carreira, não era exatamente essa escolha que lhe daria prazer. Então ele colocou o orgulho de lado e resolveu desistir para tentar. O resto da história, a maioria já conhece.

PERGUNTAS

O autor conclui com algumas perguntas para ajudar a pessoa a tomar a decisão. Seguem algumas:

Em  que ponto do gráfico ela está: Dip, Cliff ou Cul-de-sac

Se estou num Cul-de-sac, consigo passar para um Dip?

Minha persistência será recompensada no final?

Quando posso desistir? Somente agora ou ainda dá para postergar a decisão?

Se eu abandonar essa tarefa agora , isso irá aumentar minha habilidade de passar por um Dip em um projeto mais importante?

Se eu largar esse projeto, tenho uma ideia melhor me esperando?

Olha, achei bem interessante, principalmente se a pessoa está num período de transição e cheia de dúvidas. 

Recomendo sim!

NOTA: Sei lá por que a tradução brasileira saiu como “O melhor do mundo: saiba quando insistir e quando desistir”. Você pode adquirir um exemplar clicando aqui.

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