Palavras que a gente não tem

Palavras sempre me encantaram. Lembro-me até hoje do deslumbramento quando, aos seis anos, comecei a decifrar as primeiras letras. Uma vizinha mais velha (sete anos), cautelosa com a minha euforia, logo alertou: “até agora foi fácil. Você precisa ver quando chegar a palavra borboleta! É a mais difícil de todas!”. Talvez porque tivesse sido prevenida, nem achei a borboleta tão difícil…

Hoje considero dicionários excelentes fontes de entretenimento (tenho até um russo-alemão e desconheço as duas línguas), além de curtir bastante o uso e as combinações das palavras na propaganda.

Há duas peças veiculadas pela rádio Itapema que têm me chamado muito atenção ultimamente. A primeira não é propriamente uma propaganda, mas um aviso da Celesc. O texto, depois de informar que vai faltar luz, termina assim: “para seu conforto e segurança, considere a rede energizada”. Pois é. A segurança até dá para entender – não é para a pessoa fazer instalações achando que está tudo desligado. Mas e o conforto, onde é que entra? Como é que alguém vai se sentir mais confortável sem luz, ainda mais considerando que está tudo energizado? Para mim, o sentido dessa frase permanece um mistério.

A segunda peça é uma musiquinha do Cimento Itambé, onde uma voz feminina entoa efusivamente “quero ter escolha e exclusividade” . Nossa, essa eu não entendi mesmo. Exclusividade em cimento?

As palavras realmente podem ter sentidos inimagináveis. As melhores são aquelas que exprimem situações únicas. Dia desses tive acesso a uma preciosidade nessa área. É o “Tingo: o irresistível almanaque das palavras que a gente não tem”, de Adam Jacot de Boinod. O cara, formado em letras clássicas pela Universidade de Cambridge, trabalhava na BBC em um programa de perguntas e respostas quando foi apresentado a um dicionário de albanês. Lá constavam 27 termos para “sobrancelha” e outros 27 para “bigode”. Fascinado por essas peculiaridades, virou compulsivo por palavras que poucas línguas possuem para descrever situações especiais. O resultado é o Tingo, que ele tão deliciosamente compartilha conosco.

Uma amostra. Você sabe o que significa neko-neko em indonésio? É uma “pessoa que tem uma idéia criativa, mas que só piora tudo”. Você já teve um acesso de sekaseka? Essa palavra zambiense é usada para designar “alguém que ri sem motivo”. Em inuíte existe um termo especialmente criado para o ato de ”ir muitas vezes à porta de casa para ver se a pessoa vem vindo”. É iktsuarpok. Os alemães usam backpfeifengesicht para descrever “uma cara que merece um soco”.

Aposto que você viveu até hoje sem saber que o ato de “dar um peteleco na orelha de alguém com o dedo médio” tem uma palavra especial: É nylentik, em indonésio! Essa agora é melhor (se bem que duvido um pouco da utilidade..). Sabe o que é um puccekuli em télugo, uma língua indiana? É o nome que se dá ao “dente que nasce numa pessoa depois dos 80 anos”! E se você sempre acreditou que os tchecos eram gente muito séria, saiba que o ato de “virar-se de repente e dizer bu!” deve ser tão freqüente lá que tem até um nome: vybafnout. O iídiche pode lhe ajudar se você tem um colega que “dá palpites em tudo sem terem pedido”. Se você sempre chamou-o de chato, saiba que o termo exato é kibitzer!

Os persas chamam de linti as pessoas que “passam o dia embaixo de uma árvore sem fazer nada” e sanud para o ato de “ocupar a mente com coisas inúteis”. Sua amiga “melhorou o visual com cirurgia plástica”? Em chinês ela seria umazhengrong. Se ainda por cima fosse adepta do “bronzeamento artificial”, passaria por slampadato na Itália. No Zaire, eles chamam de mbuki-mvuki o ato de “tirar a roupa para dançar”. E pasme, no Vietnã, a expressão “danh t” serve para significar tanto “igreja” como “bordel”!

Os persas ainda têm um nome especial para “alguém que não tem filhos”: abtar. Mas a tradução literal, veja bem, é “balde sem alça”! Eles ainda têm a incrível expressão “war nam nihadan” que significa nada menos que “matar uma pessoa, enterrá-la e plantar flores sobre sua cova para esconder”. Achou pouco? E o que você imagina que significa nakhur? Seja lá o que você tenha chutado, errou. É uma “camela que não dá leite enquanto não lhe fizerem cócegas nas narinas”.

Os japoneses devem ter muitos problemas com soukaiyas, como eles chamam o “chantagista que tem poucas ações e tenta extorquir dinheiro ameaçando criar problemas nas assembléias gerais e anuais de acionistas”. E você pensa que os dinamarqueses são tão desenvolvidos assim? Pois saiba que eles têm uma expressão especialmente criada para “ladrão de praia”; é o baderotte. Mas essa não é a única preocupação desse povo. Imagine que eles usam a palavra olfrygt para traduzir o “medo de faltar cerveja”.

Os holandeses usam plimpplamppletteren para o ato de “fazer uma pedra chata ricochetear na superfície da água o maior número de vezes possível”. Já os incríveis alemães têm Urlaubsmuffel para chamar “a pessoa que é contra as férias”. No Peru, “qualquer quantidade acima de quatro” (cinco ou um milhão) é chamada de tobaiti.

O Tingo tem mais um monte de curiosidades culturais engraçadas, como o significado dos espirros. No Japão, se você espirra uma vez é porque está elogiando (ichi home). Se espirra duas vezes, é porque está criticando (ni-kusashi); se espirra três vezes, está menosrezando (san-kenashi). Pois é, se você chegou até aí, melhor espirrar mais um pouco para não fazer feio. É que só com quatro espirros ou mais você está indicando que está prestes a pegar um resfriado (yottsu-ijo wa kaze no moto). Medo…

Gostou? É legal mesmo. A propósito, você quer saber o que significa tingo? É uma palavra oriunda da Ilha de Páscoa que significa “pedir emprestadas, uma por uma, as coisas da casa de um amigo até não sobrar mais nada”.

Nossa, o que será que significa a palavra “amigo” nesse lugar?

****

Mais uma da série “Colunas Recicladas“. Foi publicada originalmente aqui em novembro de 2007.

5 Responses

  1. paulo
    Responder
    4 maio 2011 at 11:42 am

    Muito interessante tua matéria. Tenho muita curiosidade com o significado das palavras. te achei o maximo!

  2. Luiz Eduardo Cesar
    Responder
    8 maio 2013 at 11:57 pm

    Ligia, você conhece como a civilização da ilha de Páscoa acabou ?
    Eles exauriram todos os recursos naturais da ilha. Numa analogia com o mundo empresarial, eles faliram.
    Entraram em colapso. Essa matéria está numa edição da revista Scientific American, que não sei precisar agora, mas eu a tenho.
    Acho bem ilustrativo esse termo ser de lá.
    “pedir emprestadas, uma por uma, as coisas da casa de um amigo até não sobrar mais nada”.

    Abraço

    • 9 maio 2013 at 4:02 am

      Oi, Luiz!

      Verdade, você tem toda razão. Eu vi um filme chamado Rapa Nui que conta a história, além de outras matérias, mas não tinha feito a ligação entre as coisas. Que interessante!!!

      Obrigada pela dica!

      Abraços e sucesso!

  3. Clotilde♥Fascioni
    Responder
    9 maio 2013 at 10:07 am

    superinteressante.

Leave A Reply

* All fields are required