A vegetariana

Confesso que estou fazendo essa resenha sem ter ainda uma opinião formada a respeito de “Die Vegetarierin” (Tradução livre: “A vegetariana”), de Han Kang. 

Encontrei o livro num sebo e lembrei das ótimas críticas; a coreana Han Kang tornou-se uma celebridade internacional por causa dessa obra.

Talvez o meu erro tenha sido tê-lo lido em alemão; com certeza perdi algumas sutilezas e minúcias da redação. Mas, mesmo com minhas limitações, achei-o muito bem escrito, especialmente o começo, que me conquistou.

O narrador é um homem sul-coreano (adoro histórias de lugares longínquos para mim, falando de culturas diferentes) totalmente mediano em todos os aspectos possíveis, mesmo nas aspirações e sonhos. 

Ele começa narrando que escolheu sua esposa, Yong-Hyes, justamente porque ela não era bonita, brilhante ou mesmo interessante. Uma pessoa sem graça combinaria com seu perfil, pois teoricamente também não teria expectativas e não faria exigências que ele não estava a fim de cumprir, afinal, na sua opinião, mediocridade era sinônimo de conforto e ele não estava disposto a mudar isso.

Viviam uma vidinha besta, ele como funcionário de uma empresa numa função desimportante; ela trabalhando em casa para uma editora e cuidando dos afazeres domésticos. A moça parecia extremamente sem graça, mas gostava de ler. E isso com certeza alimentava sua complexidade interior, tão bem disfarçada numa aparência sem sal.

Um belo dia ele a flagra de madrugada, no frio, esvaziando a geladeira e jogando fora todo o estoque de carnes e peixes diversos. Parecia fora de si, totalmente apática, e a justificativa que deu foi que teve um sonho. Desde então, passa a não consumir mais nada de origem animal. 

Por coerência, o nome do livro deveria ser “A vegana”. Mas penso que como a história não é narrada por ela, mostra apenas como ela é vista pela sociedade: uma pária, excêntrica, que não come carne.

Nessa fase começam a aparecer enxertos de narrativas de Yong-Hyes em primeira pessoa, descrevendo seus sonhos surreais e aterrorizantes envolvendo muito sangue sempre.

A questão é que aparentemente a carne é algo de valor e muito enraizado na cultura sul coreana, pois as pessoas passam a olhá-la como uma extra-terrestre e a não ter nenhum respeito pela sua decisão (decisão aliás que nada tem a ver com a motivação da maioria dos veganos, uma vez que ela só faz isso por conta do tal sonho).

Eu não sou vegana (nem sequer vegetariana), mas fiquei bastante incomodada com a associação direta entre o veganismo e algum tipo de desequilíbrio mental da personagem.

Com a decisão dela de não comer mais carne e nem nada de origem animal, sua apatia perante a vida, sua dificuldade em dormir (morre de medo de sonhar novamente) e seu emagrecimento acentuado, o casamento naufraga e ela se isola do mundo. 

Depois de uma cena tensa num almoço de família, onde o pai praticamente a obriga a comer um pedaço de carne (que ela cospe), uma tentativa de suicídio a leva a ser internada.

A segunda parte é narrada pelo cunhado artista, que tem um fetiche por ela. 

Voltando do hospital, Yong-Hyes passa a morar sozinha, até que o tal cunhado a convida para posar para um vídeo arte em que ele está trabalhando. O resultado é que o tipinho (a mais perfeita definição de boy lixo) acaba seduzindo-a. Além de acabar com seu casamento, ele é o responsável pela nova internação. 

A terceira parte, narrada pela irmã, começa com uma visita ao sanatório. As relações entre as duas é de cumplicidade, apesar da irmã não compreender o que se passa e a teimosia em não comer carne. O desequilíbrio mental da protagonista é cada vez mais intenso e sua relação com os alimentos piora; há um ponto em que ela acha que é uma planta — só precisa de água e sol.

Yong-Hyes parece sempre alheia, inatingível e muito vulnerável. A irmã, sempre cheia de responsabilidades, é seu exato oposto. Duas mulheres tentando sobreviver nesse mundo difícil, numa relação de afeto, mas com uma comunicação quase impossível. E a irmã ainda tem que dar conta do filho pequeno.

Enfim, é uma história sombria, pesada e intensa. Apesar de muito bem escrita e da poesia muito bem integrada às cenas, é bem angustiante. Preciso dizer que fiquei até um pouco aliviada ao terminar. 

É bom, mas dói. Vá por sua conta e risco. 

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