A chave do fracasso

Ontem recebi um e-mail de uma moça desesperada, pois tinham roubado um projeto que ela estava desenvolvendo sozinha havia anos. Pior, a ladra foi a própria chefe.
O mau caratismo e incompetência da chefe, que apresentou o projeto aos superiores como se fosse seu, é fato, nem vamos discutir isso (boa oportunidade para pedir as contas e sair desse antro, menina). Mas, no geral, penso que a culpa é da moça mesmo.
Pois é, a Sonia (vamos chamá-la por esse nome) é que se colocou na posição ideal para que isso acontecesse. Não conheço a profissional, mas já dá para deduzir que ela foi egoísta, centralizadora, desatualizada e arrogante; não é que merecesse o castigo, mas espero que ela possa aprender com a experiência. Escrevo isso para alertar as outras muitas sonias que ainda existem no mercado.
Bom, então vamos explicar os xingamentos que fiz, um a um, para você ver que não estou cometendo injustiças; apenas querendo ajudar.
Egoísta: qual era sua intenção com esse projeto, Sonia? Contribuir para o crescimento da empresa, melhorar a vida das pessoas ou apenas ter uma arma à mão para sacar quando fosse preciso? Esconder coisas não se encaixa nem no primeiro e nem no segundo objetivos. O que justifica tanto segredo?
A Marina Lima, uma das minhas (ainda) compositoras prediletas, usa muito bem o trocadilho com a palavra guardar na música “Deve ser assim”:
Guardar, guardar, guardar…
Guardar uma coisa não é escondê-la ou trancá-la,
Em cofre não se guarda nada,
Em cofre, perde-se a coisa à vista,
Guardar uma coisa é olhá-la, fitá-la, mirá-la por admirá-la.
Isto é: iluminá-la ou ser por ela iluminado.
Estar acordado por ela,
Estar por ela,
Ou ser por ela…
É isso, Sonia. Se o projeto era tão bacana, não devia ficar trancado, escondido, mofando na sua gaveta por tantos anos. Se desde o começo você tivesse compartilhado a ideia, escrito, sei lá, um artigo e submetido a um congresso, apresentado como proposta numa reunião ou mesmo postado num blog, ninguém iria duvidar da autoria. Mas você foi egoísta, não quis ser iluminada pela boa ideia, não quis deixá-la brilhar. Preferiu colocá-la numa prisão, confinando-a no HD do seu computador. O único objetivo de ideias presas, sequestradas e encarceradas é buscar a liberdade. Elas sempre vão encontrar um jeito de se livrar do algoz, é só uma questão de tempo.
Centralizadora: a Sonia não quis que ninguém contribuísse para o seu projeto, que é o que fatalmente iria acontecer se ela o colocasse na roda. Seu plano iria receber críticas, sugestões de modificações, contribuições de outros pontos de vista, enfim, a Sonia iria perder o controle absoluto. Mesmo que o resultado final fosse ficar mais maduro e refinado, ela não quis largar o osso (no caso, desenterrar o osso…rsrsrs). Pois é.
Desatualizada: Alguém precisa dizer para essa moça que já estamos bem entrados no século XXI. Não existem mais segredos que possam ser guardados por muito tempo. Autoria é um conceito em plena mutação e colaboração é a palavra de ordem no desenvolvimento de novas ideias. Se ela tivesse aberto espaço para a co-criação ainda levaria os créditos por ter iniciado o projeto e pela sua liderança, além de poder contar com outras competências para fazer a coisa andar. Ninguém sabe tudo o que é necessário para fazer o que quer que seja; todo mundo precisa de conhecimentos que não possui. Espero que finalmente a Sonia se dê conta disso agora.
Arrogante: Pessoas que desenvolvem um projeto de maneira isolada, sem mostrá-lo para ninguém, geralmente superdimensionam seu valor. Já tive oportunidade de ser contactada por vários profissionais que diziam ter tido uma ideia genial e não queriam mostrar para ninguém para não serem roubados. Quando eu ia ver, não era nada de tão espetacular. Apenas alguém admirando seu próprio umbigo e receoso que outros pudessem criticar ou contribuir de alguma maneira para uma ideia bem mais-ou-menos.
Olha, não sei o que é que a Sonia estava esperando para trazer seu projeto à vida e fazê-lo existir de fato; mas os acontecimentos acabaram traindo seus planos, sejam lá quais fossem.
Se você tem alguma coisa escondidinha aí na sua gaveta, abra-a e pense um pouquinho: se o negócio é tão bacana, seja generoso e compartilhe com o mundo. Convide seus colegas para fazer parte, pesquise as competências necessárias para fazê-lo melhor. Você sairá ganhando bastante, eu garanto. Mas olhe com uma visão crítica, por favor. A coisa pode ter embolorado e agora talvez esteja inutilizada pelos anos de confinamento.
E faça um favor para você mesmo, capriche na faxina e livre-se do lixo acumulado.
Ah, e aproveite para jogar junto a chave da gaveta.
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