Cérebro de mulherzinha?

Esses dias calhou de eu assistir alguns vídeos das palestras que rolaram na casa TPM (um evento promovido pela revista TPM, que adoro) e um deles era da Suzana Herculano-Houzel (já falei dessa moça brilhante aqui).
A neurocientista foi convidada para falar sobre as diferenças que existem entre o cérebro do homem de da mulher. Num lugar onde estava todo mundo louvando as características femininas, veio a intrépida Suzana e disse o que ninguém esperava ouvir: as diferenças anatômicas são praticamente mínimas, quase inexistentes, assim como o funcionamento; não tem essa de cérebro pink, de lado direito e de características essencialmente femininas.
Basicamente, o cérebro do homem é maior do que o da mulher porque, na média, os homens são fisicamente maiores mesmo. O peso do órgão varia de 1,2 a 1,4 kg, dependendo do tamanho da pessoa (quem é maior, tem mãos, pés e orelhas maiores; por que o cérebro também não seria proporcional?). Mas aqui pode-se afirmar com certeza: tamanho não é documento. Só a título de informação, o do Einstein tinha apenas 1,2 kg; e imagine quanto deve pesar o cérebro de um búfalo ou o de um elefante marinho.
Mas de onde tiraram a ideia de que homens são mais racionais e usam mais o lado esquerdo; ao contrário das mulheres, mais emocionais, que usam mais o lado direito?
Suzana explica como é que começou essa história da carochinha que repetimos até hoje como papagaios. É que em 1863, conseguiram, pela primeira vez, documentar bem direitinho uma lesão no cérebro, com imagem e tudo. O paciente era um homem e tinha perdido a fala. A imagem mostrava um buraco no lado esquerdo; daí que se deduziu que essa parte era responsável pela fala. Até aí, perfeito, fazia todo o sentido.
Mas eis que um grupo de biólogos resolveu aproveitar a deixa e desdobrar a ideia: se a fala está no lado esquerdo, então todas as coisas “úteis” também devem estar no mesmo lado: o pensamento lógico, as atividades motoras, a razão. Como o grupo era todo formado por homens, numa época em que eles dominavam tudo ainda mais que hoje, rapidamente associaram essas atividades como masculinas. Mas então, o lado direito, para manter a simetria, teria que compensar: a irracionalidade, a emoção, a subjetividade, ficaram representando o feminino. Só que o negócio nunca teve nenhum fundamento científico; era pura viagem desse bando de rapazes criativos; a coisa pegou de tal jeito que até hoje todo mundo repete, como se fosse uma grande verdade.
Então, minha gente, não tem essa conversa de usar mais um ou o outro lado do cérebro (sim, há muita gente boa que usa essa divisão, mas é apenas uma metáfora; e, como toda metáfora, não possui compromisso com a realidade); a gente usa os dois lados o tempo todo, homens e mulheres.
Ah, mas mulher chora mais. Sim, mas não porque seu cérebro seja diferente. Isso acontece por causa dos hormônios.
E aquela história que os homens são melhores em matemática do que as mulheres?
Aí é que vem a grande sacada da palestra, na minha opinião.
É que para se fazer qualquer coisa na vida, é necessário motivação, aquela força que faz a gente levantar da cama quando ela está bem quentinha ou ficar até mais tarde estudando mesmo quando está morrendo de sono. E a motivação está diretamente relacionada às expectativas. Eu faço determinado “sacrifício” porque espero um determinado resultado. É assim que funciona.
As expectativas da sociedade também são projetadas nas pessoas. Existem inúmeros experimentos que mostram que se você falar para um grupo de alunos que eles são mais inteligentes, eles vão se sair melhor (infelizmente, o contrário também funciona). Os experimentos comprovaram o mesmo comportamento para cor de pele, gêneros, orientação sexual, qualquer coisa. Se a pressão explícita é forte, acontece o fenômeno conhecido como profecia auto-realizável (já falei sobre isso aqui).
Se as meninas crescem ouvindo que não ruins em matemática, que isso é coisa de homem, que elas só são boas para cuidar de crianças e da casa, o que esperar como resultado? Elas ligam a televisão e o mantra se repete; elas lêem romances que continuam a historinha; enfim, fica bem complicado motivá-las a estudar física (alguns dos meus professores na engenharia não se cansavam de me lembrar onde era meu “lugar”). A não ser que elas tenham alguma outra força mais influente, um universo de referências mais amplo, fica muito difícil investir em algo cujo retorno esperado é tão decepcionante.
Faria bem para todo mundo acabar com essa bobagem de cérebros diferentes; isso é cultural, não biológico. Todo mundo pode tudo, a princípio.
O bom é que as coisas estão começando, devagarzinho, a se esquilibrar. Hoje se vê mais homens que choram, que valorizam as emoções e sabem cuidar; e vemos também meninas como a Hermione, do Harry Potter, inspirando toda uma geração.
Não sei vocês, mas estou adorando.
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Para ver o vídeo original da Suzana explicando isso e muito mais, clique aqui.
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