O homem que amava as palavras

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Esse foi o achado mais sensacional dos últimos tempos: a história que conta como foi escrito o maior dicionário do mundo e um dos mais importantes de todos os tempos, o Oxford English Dictionary. Levando-se em conta que o trabalho levou mais de meio século, que o método para construi-lo foi inovador e que os personagens envolvidos são muito originais, o relato deixa muito romance bom no chinelo.

Morro de dó porque em mudanças a gente sempre perde coisas; perdi meu precioso volume quando vim para a Alemanha (não consegui descobrir o paradeiro do tijolão). Vou ter que comprá-lo novamente, pois é uma referência insubstituível. Ainda mais agora,  conhecendo sua história, tem ainda muito mais valor.

O título da versão alemã do livro de Simon Winchester, “Der Mann, der die Wörter liebte” (o homem que amava as palavras), é, na minha opinião, mais atraente e elucidativa que o original em inglês “The surgeon of Chrowthorne” (o cirurgião de Chrowthorne). Procurei no Google e achei “O professor e o louco” em português (ruim demais, parece tradução de nome de filme de sessão da tarde).

A história da elaboração do famoso dicionário, apesar da imensa quantidade de colaboradores envolvidos, foca-se em dois personagens principais: o primeiro é o organizador e editor da obra, James Murray, poliglota e gênio reconhecido em vários assuntos que, devido à pobreza da família, nunca conseguiu frequentar uma universidade; mesmo assim foi aceito na esnobe e seletíssima Sociedade Filológica Britânica e teve a ele confiada a hercúlea tarefa de terminar o dicionário (cujo trabalho, que já durava mais de 20 anos, ainda não tinha saído da letra “A”). Foram mais de 40 anos de dedicação exclusiva e esforço focado.

O segundo é principal colaborador do Dr. Murray: o Dr. William Chester Minor, nascido no Ceilão (hoje Sri Lanka), filho de um pastor protestante americano em missão naquele país. O pai vinha de uma família de posses e era proprietário de uma editora que distribuía as palavras sagradas em missões pelo mundo. Na adolescência, William, também poliglota e cultíssimo, foi enviado à terra natal de seus pais para estudar medicina. O período em que serviu o exército parece ter influenciado bastante sua estrutura psicológica.

O livro começa com o Dr. Murray indo visitar o Dr. Minor, pois, apesar de residirem a apenas algumas centenas de quilômetros um do outro, trabalharam de maneira colaborativa por mais de 20 anos sem nunca terem se encontrado pessoalmente. Dr. Murray estranhou que o Dr. Minor nunca tivesse tido a curiosidade de ir até a Universidade de Oxford, mas sabia que não raro sábios e eruditos eram também pessoas tímidas e introspectivas. Chegando à imponente construção em estilo vitoriano, anunciou seu nome e foi recebido por um senhor muito distinto e educadíssimo. Devidamente instalado na cadeira de visitantes na sala finamente decorada, começou o discurso de agradecimentos e elogios, ressaltando o quanto o trabalho voluntário e a dedicação sem limites tinham sido essenciais para que o projeto fosse bem sucedido. Eis que Dr. Murray é interrompido por seu anfitrião:

– Desculpe, deve estar havendo um engano; não sou quem o senhor está pensando. Esse é um hospício e sou o diretor. O Dr. Minor é um dos nossos pacientes; ele está conosco há mais de 30 anos.

A história propriamente dita começa então a ser narrada com o evento que ocasionou a prisão, um assassinato a sangue frio de um operário que voltava do trabalho de madrugada. Dr. Minor, que tinha alucinações e achava que estava sendo perseguido, simplesmente abateu o inimigo imaginário (que, por sinal, acompanhou-o ainda por um bom tempo, apesar de se sentir um pouco mais protegido dentro do hospital).

Dr. Minor era de família rica e pôde se instalar com conforto em sua cela (na verdade, duas, pois uma ele usava como biblioteca pessoal e escritório). Com todo o tempo do mundo disponível e uma inteligência muitíssimo acima da média, além de recursos para comprar o material que referência que fosse preciso, não admira que sua colaboração para o projeto tenha sido tão valorosa.

O Oxford English Dictionary foi um marco na história da língua inglesa porque pela primeira vez foram catalogadas todas as palavras possíveis e usadas citações bibliográficas diversas da literatura para fundamentar as definições e exemplificar sentidos. Esse trabalho monumental só foi possível porque o Dr. Murray convocou um exército de voluntários cuja tarefa era encontrar citações e enviá-las pelo correio na forma de pequenos bilhetes, com as palavras e os trechos dos textos onde elas haviam sido encontradas. Dr. Minor ajudou a selecionar, organizar e editar as mais de duas toneladas de papeizinhos de voluntários. Pensa.

E a gente aqui achando que o trabalho colaborativo, a wikipedia, o home office eram coisas muito revolucionárias…

1 Response

  1. Nilza Freire
    Responder
    29 março 2016 at 1:22 pm

    Lígia, cheguei a seu blog através do grupo no Facebook. Achei maravilhoso! Vou comprar o livro que você desenhou, eu já tinha ouvido falar, mas seus comentários aguçaram minha curiosidade, obrigada.
    Eu tambėm sou apaixonada por Berlim desde minha viagem em 2015, acho que é uma cidade mägica de imensa cultura e beleza!

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