Série cores: o livro

Foto: Ligia Fascioni

Estou lendo “Wir Farben wirken: Farbpsychologie, Farbsymbolik und Kreative Farbgestaltung“, de Eva Heller, uma alemã de Hamburgo formada em sociologia e psicologia. O livro é resultado de uma pesquisa que ela fez com homens e mulheres tentando associar cores a 200 tipos de sentimentos diferentes. As perguntas eram no formato “De que cor é o amor?” ou “De que cor é o ódio?”, sendo que a entrevista iniciava perguntando qual era a cor predileta da pessoa.

Na introdução, ela analisa os vários impactos que as cores podem causar: psicológico, simbólico, cultural, político, tradicional e criativo.

Do ponto de vista psicológico, por exemplo, há várias associações diferentes que se pode inferir. Um morango verde ao lado de um vermelho é interpretado com imaturo, ainda não pronto, normalmente uma característica negativa. Mas um sinal verde no trânsito tem sempre uma conotação positiva. O verde também pode lembrar natureza, frescor. Ela reforça o que já sabemos: o contexto é muito importante na interpretação psicológica das cores.

Do ponto de vista simbólico, as cores são interpretadas conforme a experiência de um grupo social. Por exemplo, por que a cor verde é associada com esperança? Porque lembra os brotos da primavera, que trazem a expectativa da colheita. Já a inveja é representada por uma combinação de verde e amarelo (oi? Brasil?) porque a experiência mostra (?) que pessoas muito nervosas acabam sofrendo de icterícia (não consegui traduzir a Gallenkrank, mas penso que seja isso) e ficam com a pele amarelo-esverdeada.

Do ponto de vista cultural, as variações são enormes. Por exemplo, o verde é a cor sagrada do Islã e os reis sagrados egípcios aparecem nas reproduções com a pele verde. Na Inglaterra, o azul é a cor da melancolia; na Alemanha, quando uma pessoa está bêbada, ela está blau (ou azul). No ocidente, o luto é representado pela cor negra; no oriente, pela cor branca. Tudo tem a ver com a história e as convenções de cada lugar.

Do ponto de vista político, as cores têm a ver com as bandeiras e as armas de cada país, dinastia e história. Vermelho é a cor da revolução e está presente na bandeira de todos os países socialistas. Verde, a cor sagrada do Islã, aparece nas bandeiras de todos os países com essa crença. As listras da bandeira da Irlanda representam o catolicismo (azul) e o protestantismo (laranja), sendo que o branco separa as duas.

Do ponto de vista da tradição, às vezes acontecem contradições (mas a explicação sempre existe). Por que o verde, cor das hortaliças e verduras, é associada ao veneno? Porque essa também é a cor do arsênico. As cores das roupas ao longo da história nunca foram pautadas pelo gosto pessoal, mas pelo preço. Alguns pigmentos eram tão caros que apenas as classes mais abastadas tinham acesso; já cores fáceis e baratas nunca eram usadas por nobres.

Do ponto de vista da criatividade, as cores que os pintores escolhiam tinham muito a ver com a época e com o efeito que queriam que suas obras. E ainda há a expertise profissional, pois o conhecimento profundo de cores e nuances não está limitado a artistas e designers, que ficariam surpresos ao conhecer todo o espectro de brancos que um dentista consegue identificar, assim como um produtor ou vendedor de papel para impressão. Joalheiros notam diferenças quase imperceptíveis nos tons de verde de uma esmeralda; desse conhecimento e acuracidade vai depender a avaliação de preço da joia.

Pois é, com toda essa relatividade que existe na interpretação das cores e sua forte dependência do contexto, fiquei surpresa quando a autora simplesmente descreve seu grupo de amostragem para pesquisa como sendo formado por 1888 homens e mulheres entre 14 e 83 anos. E só.

Não diz qual é o percentual de homens/mulheres ou média de idade, não informa a classe social, nacionalidade, nível econômico, grau de instrução, profissão, etnia, se são religiosos ou não, enfim, existe uma infinidade de fatores altamente impactantes no resultado da pesquisa que foram simplesmente ignorados, uma vez que os resultados valem apenas para esse grupo específico, que, infelizmente, desconhecemos os detalhes.

Apesar dessa falha grave, o livro vale muito a pena e recomendo a leitura. Ignorando as interpretações psicológicas (as pessoas adoram receitinhas de que branco é paz, amarelo é alegria, amor é paixão, mas isso não é universal, como acabamos de ver), as explicações sobre a história de cada cor e seu processo produtivo são sensacionais e muito curiosas.

Ela detalha as 13 cores usadas na pesquisa falando sobre cada uma delas: azul, vermelho, verde, preto, rosa, amarelo, branco, violeta, dourado, marrom, cinza, prata e laranja.

Como sou boazinha (e, principalmente, preciso muito estudar alemão…rsrs), vou fazer uma série de posts falando sobre cada uma delas.

A primeira é sobre o azul, aguardem!

9 Responses

  1. 4 março 2014 at 5:36 pm

    Ligia, você sempre acha coisas interessantes, coisa boa ler teus achados e tuas reflexões! Concordo que a autora deveria ter mencionado o percentual de homens e mulheres, ainda mais quando se sabe que, por exemplo, não existm mulheres daltônicas. As mulheres podem não sempre serem dotadas de perfeita acuidade cromática e tonal, mas o daltonismo completo só existe em homens. E isso faz alguma diferença.

    • 8 março 2014 at 2:30 pm

      Já tive aluna daltônica, com irmã idem. Fiquei meio confusa com a colocação… O que é daltonismo completo? Isso existe? bj

      • ligiafascioni
        16 março 2014 at 6:06 pm

        Oi, Regina querida!
        Não sei quase nada sobre daltonismo, mas também já ouvi falar que só os homens têm. Vou pesquisar e te falo, ok?
        Beijocas <3

  2. clotilde Fascioni
    Responder
    4 março 2014 at 7:34 pm

    Muito intrressante esse assunto…

  3. 4 março 2014 at 7:40 pm

    Aguardaremos ansiosos pelo Azul!
    Pra quando está programado?

    • ligiafascioni
      Responder
      16 março 2014 at 6:09 pm

      Para essa semana 🙂

  4. Marciane Faes
    Responder
    5 março 2014 at 1:14 pm

    De onde é essa foto?
    Tem a ver com aquele movimento guerrilha do tricô?

    • ligiafascioni
      Responder
      16 março 2014 at 6:08 pm

      Sim, Marciane!
      A foto é de Friedrischshain, perto da estação de trem Warschauer Straße, em Berlin. Não sei se tem a ver com o movimento, mas parece que sim! As outras cercas estavam com campanhas ativistas em prol da diversidade e dos direitos humanos.

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