Tempos estranhos

Achei  “The Stranger Times”, de C.K. McDonnell, num sebo da Oxfam, uma ONG de combate à pobreza e à desigualdade, que tem brechós ótimos. Escolhi porque gostei da apresentação (não vou mentir) e a chamada da quarta capa.

Pesquisando depois, vi que o autor, um irlandês que agora mora em Manchester, é um ex comediante e premiado roteirista de TV, e tem vários romances publicados. “The Stranger Times”, inclusive, é o primeiro volume de uma trilogia.

Mas vamos à história: Hannah passou 20 anos casada com um milionário numa vida fútil e vazia. Até que um dia, descobrindo as numerosas infidelidades do sujeito, resolveu dar um basta e, depois de acidentalmente quase colocar fogo na casa, saiu sem olhar pra trás, levando zero dinheiros; só a malinha de mão mesmo, por escolha própria. Ela casou muito jovem e queria começar do zero por si mesma.

Saindo de Londres ela vai até Manchester para fazer uma entrevista para o emprego dos seus sonhos: vendedora numa loja de móveis escandinavos que ela conhecia muito bem, pois todas as suas casas tinham móveis da marca. Só que Hannah nunca trabalhou na vida e abandonou a faculdade para se casar; de maneira que o currículo dela não tinha absolutamente nada — a pessoa que a entrevistou até achou que faltassem páginas. O resultado foi um balde de água fria. Sem chance de conseguir esse emprego.

Desesperada e com quase nenhum dinheiro, resolveu se candidatar para uma vaga num jornal local, já que estava lá e não tinha nada a perder.

Eis que o jornal se chama “The stranger times” (tradução livre: “Os tempos estranhos”) e é um periódico semanal que trata de fenômenos paranormais, fatos inexplicáveis, objetos voadores não identificados e outras bizarrices. 

A equipe do jornal é ainda mais esquisita: um editor totalmente maluco e sem noção, repugnante e desagradável até mais não poder; dois pesquisadores de fenômenos que investigam e escrevem os artigos; uma secretária que faz a mãe de todo mundo; uma estagiária adolescente com o cabelo verde que passa o dia quieta futucando no celular, um maluco beleza que cuida das impressoras e, finalmente, um rapaz que vai todo dia e fica do lado de fora tentando ser contratado como repórter (seu sonho). E mais, o jornal está instalado numa antiga igreja e as instalações são antigas e mal conservadas. 

 A última ocupante do cargo chamava-se Tina, e a moça não deu conta do velho escroto; pediu demissão com menos de uma semana. Mas Hannah conseguiu até se sair bem na entrevista, pois o principal critério pela qual ela havia sido escolhida era o fato de não haver erros de ortografia ou gramática no seu currículo (uma das tarefas da posição era revisar os textos).

Ela já começa na função imediatamente e tudo acontece naquela casa de doidos; o editor, num ataque de fúria, dá literalmente um tiro no próprio pé e é preciso chamar uma ambulância; um dos pesquisadores resolve performar sua tentativa semanal de suicídio tentando se jogar da torre da igreja, entre outras situações tragicômicas.

Em paralelo, corre uma trama mirabolante; um sujeito com poderes mágicos alicia pessoas para algum plano misterioso e aparentemente perigoso. Um morador de rua é morto por algo que parece ser uma fera selvagem e a polícia não consegue investigar.

Tentando um furo de reportagem, o menino que busca o emprego no jornal vai investigar o caso e acaba morto, depois de se jogar, ou ser jogado, do alto de um prédio em construção.

O pessoal do jornal fica muito abalado (inclusive o dono) e mais coisas misteriosas começam a acontecer, a ponto de Hannah achar que as bizarrices publicadas no semanário nem são tão absurdas ou impossíveis assim.

Muitas conspirações, uma sequência de cenas cômicas e fica claro que o livro foi escrito por um ex-comediante com muita experiência em TV, pois os capítulos são ágeis e dinâmicos. Também tem o humor britânico com umas frases pomposas muito típicas (eu adoro!) de pessoas extremamente polidas, mesmo nas mais inusitadas situações.

De minha parte, fico com a impressão de que estou vendo um filme do Wes Anderson (talvez porque um dos últimos que vi dele contava a história de um jornal, o “The French Dispatch”).

Olha, não é aquele livro que fica marcado na sua vida, mas é bem divertido. Acho que vou procurar o próximo volume da trilogia, que se chama “The Charming Man”.

A notícia chata é que nenhum livro desse autor foi jamais publicado em português, o que acho uma pena. Para quem quiser se arriscar no inglês (original), é só clicar aqui. Mas também achei uma versão em espanhol (clique aqui).

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