O olhar do hipopótamo

 

Em tempos de inovação, os especialistas em ciência da cognição são unânimes: nosso cérebro é um mandrião que tende a simplificar tudo o que vê para economizar trabalho (o nome pomposo para esse preconceito inato é  “categorização preditiva”). Ele olha o negócio mais ou menos e já vai tascando uma classificação, sem nem levantar o traseiro da cadeira.

A coisa funciona mais ou menos assim: nossos sensores (ou sentidos), passam o dia recolhendo informações por aí e vão amontoando tudo numa espécie de buffer no nosso cérebro – tipo um quartinho da bagunça.

Quando a gente relaxa (no banho, na cama, meditando ou se distraindo), nosso processador central reconhece que os sensores pararam de atulhar o tal quartinho e, esperto como é, começa logo a arrumação para liberar mais espaço: é a hora em que cada coisa é colocada em sua respectiva prateleira, digamos assim. Se o cérebro não for preconceituoso demora uma data para organizar o tal cafofo, pois tem que analisar tudo muito bem antes de fazer a guardação.

Ora, como se sabe, ideias novas não nascem do nada – elas são apenas recombinações do que já existe. Essas ideias são geradas justamente durante o período em que o quartinho está sendo arrumado, quando rolam festinhas neurais onde as informações diferentes aproveitam o clima para fazer amizade (dizem que quando a coisa esquenta mesmo rola até sexo e às vezes nascem ideiazinhas, batizadas de memes).

Beleza, mas se eu tenho as mesmas informações e prateleiras que todo mundo tem, então a probabilidade de criar algo que ninguém pensou é bem baixa, confere? Festinhas com figurinhas repetidas, mesmo que apimentadas, não geram lá muita coisa interessante e acabam cedo, pois o cérebro põe a casa em ordem rapidinho.

Então, para criar um clima e fazer a festa ser realmente legal, tem que trazer gente de fora; todo promoter descolado sabe disso. Assim, para acabar com essa mania de estabelecer preconceitos (preconceito é quando você forma uma opinião a partir de informações incompletas) e trazer gente nova para o pedaço, uma coisa que funciona bem é a gente apresentar ao nosso cérebro coisas que ele nunca viu antes (como ainda não tem prateleira para colocar, faz a confraternização durar mais).

Então, o ideal é resistir à rotina e experimentar cheiros, texturas, visões e experiências inéditas. E quer melhor oportunidade que isso do que viajar?

Atraída pelo título bizarro “O olhar do hipopótamo”, do editor de revistas de turismo Ronny Hein (o nome é gringo, mas o sujeito é brasileiro), comecei a folhear o livro e não consegui mais largar. O Amyr Klink, que faz o prefácio, já previne que o negócio é viciante.

Ronny deve ter dado um monte de voltas ao mundo e, rapaz culto que é, consegue sempre um olhar irônico, elegante e bem-humorado. O livro tem 18 capítulos e cada um é uma viagem pouco convencional. Tem uma excursão de motoneve no Canadá (fiquei com água na boca!), um passeio com o maior veleiro do mundo, um safári na Botsuana (onde o tal hipopótamo olhou para ele), um hotel feito todo de gelo (recomendam não suar porque tudo o que é líquido congela – sexo, nem pensar!), um transatlântico de luxo só para alemães e um voo de balão no Quênia, entre outras aventuras exóticas. Duvido que, depois de umas voltas assim, o vivente não volte cheio de ideias sensacionais.

Daqui pra frente, meu objetivo na vida vai ser seguir esse caderninho, fazer todos esses passeios, ou pelo menos os mais legais. Fala se não é uma motivação e tanto para uma pessoa desenvolver a criatividade? Enquanto não dá para ir pessoalmente, vou tentar pelo menos pegar uma carona virtual nos livros, o que já é um começo.

Já dizia Mark Twain, que cruzou continentes quando ainda não existia programa de milhagem: “Viajar é fatal para preconceitos, para o fanatismo e para as mentes estreitas”.

Bora arrumar já as malas?

Lígia Fascioni | www.ligiafascioni.com.br

Inovação: tem palavra mais obsoleta?

Há algum tempo tive a oportunidade de ler um artigo interessantíssimo do Umair Haque, diretor do Havas Media Lab, chamado “The Awesomeness Manifesto”. É difícil traduzir awesomeness, que seria mais ou menos a capacidade de impressionar, causar espanto. Pensei em substituir por incrível, sensacional, deslumbrante e até mesmo impressionante, mas esses são adjetivos e o Haque acrescentou o “ness” no final justamente porque queria um substantivo. Aí fica difícil traduzir, né?

Mas não faz mal, usamos o original e vamos ao que interessa: Haque diz que a palavra inovação soa como uma relíquia da era industrial e que, por isso, a própria palavra precisa ser inovada.

Profissional commodity

Em qualquer profissão é assim: existe uma massa enorme que vive de salário e faz o que os outros mandam fazer; essas pessoas são facilmente substituíveis e são aquelas focadas no salário base e no dissídio da categoria. Morrem de medo de perder o emprego, com toda razão, pois são profissionais commodities.

Mas há também os profissionais de marca, aqueles que custam mais caro. Eles têm um preço maior porque geralmente entregam mais valor. E, não custa lembrar, valor é sempre do ponto de vista de quem está pagando, ou seja, do cliente. Uma pós-graduação só é valor para o cliente se realmente o conhecimento for aplicado para fazer alguma diferença perceptível. Se a pessoa é cheia de diplomas mas faz exatamente o mesmo trabalho do que quem tem apenas a graduação, pra que pagar mais caro, não é mesmo? Você quer um encanador com MBA custando 10 vezes mais? Não, a gente quer alguém que conserte a torneira. Se tem um monte de gente que conserta torneiras, vou escolher pagar o mínimo. Agora, se o encanador com MBA bolou um sistema revolucionário para economizar 90% de água sem ter que mexer nos canos que já existem, ele pode custar mais caro sim, e muita gente vai contratá-lo.

Criatividade sem dono

— Pois é, a área técnica é muito limitada. Por isso escolhi trabalhar com criatividade.

— Sabe o que é? Não fico bitolado nesses detalhes técnicos porque sou muito criativo, viajo mesmo.

Vivo escutando essas frases de designers, publicitários, ilustradores, artistas plásticos e todos esses profissionais que se convencionou chamar “criativos”. É praticamente um consenso: eles são a parte criativa da sociedade. O resto das pessoas é bitolada, um pouco limitada, tem dificuldade para entender arroubos de inovação. Eu aceitava isso sem questionar muito. Mas, esses dias, ao ouvir pela enésima vez essa fórmula tão pouco criativa, comecei a questioná-la.

Os logos não são tudo aquilo que se pensava

Acabei de ler “A lógica do consumo: verdades e mentiras sobre o que compramos” e estou encantada, assustada, perplexa, curiosa e cheia de palavras. Pena que a versão brasileira não conseguiu achar nada equivalente para traduzir a grande sacada que é “Buyology”, o título original.

O volume, escrito pelo consultor dinamarquês especializado em global branding, Martin Lindstrom, deveria ser leitura obrigatória para todo mundo que trabalha com marketing, design ou propaganda. É que o sujeito conseguiu parceiros suficientes para organizar o maior estudo até então feito sobre neuromarketing; ou seja, deu um jeito de escarafunchar nosso cérebro para descobrir como tomamos as decisões de compra.Baseada nessa e em outras pesquisas (uma delas provou que aquelas figuras escabrosas que aparecem nas embalagens mostrando os efeitos deletérios do cigarro acendem as áreas relacionadas ao prazer no subconsciente dos fumantes), Lindstrom conclui que os anúncios que mais incitam uma pessoa a fumar são aqueles com advertências. Bonés, cinzeiros e brindes com as cores da marca (mas não necessariamente com ela impressa) ajudam muito, seguidas pelas poderosas imagens subliminares sem nenhuma referência explícita à marca.