Vamos falar de trabalho?

Imagem: Alexei Lyapunov & Lena Ehrlich

Esse é meu ano sabático, em que parei de trabalhar para aprender alemão; mas em 2013 (se o mundo não acabar antes), volto ao batente, dessa vez aqui em Berlin.

Ora, mas todo o trabalho que desenvolvi no Brasil está calcado no domínio da língua portuguesa (consultorias, livros, palestras, cursos, etc); vou ter que dar um nó no cérebro para me reinventar novamente e descobrir como posso fazer alguma coisa interessante e lucrativa desse lado do oceano. Talvez volte a ser engenheira; talvez trabalhe com inovação; talvez até colabore com alguma empresa que queira atuar no Brasil, sei lá. A ideia inicial era fazer um pós-doutorado, mas não sei se tenho mais paciência com o mundo acadêmico; isso não está descartado, mas agora quero trabalhar.

O frio na barriga está grande, mas sei que não estou sozinha. Descobri isso na estante de uma livraria, nas páginas de “How to find fulfilling work”, de Roman Krznaric. No início, o livro nem me chamou muito atenção, pois faz parte da coleção “The school of life”, expressão com a qual não simpatizo nem um pouco. Talvez porque no Brasil as pessoas tenham o hábito de usar “a escola da vida” como substituta da escola formal, como se elas fossem mutuamente exclusivas; como se quem está vivo não frequentasse obrigatoriamente a tal da “escola da vida” independente de sua vontade (então, que mérito há?).

Pois é, fiz um esforço para vencer o preconceito e vi que o editor da série é o Alain de Botton, um filósofo suíço que gosto muito (já conversamos sobre esse moço: veja aqui e aqui). Aí fiquei mais confiante, mergulhei nas páginas e não me arrependi.

Roman Krznaric começa explicando que o desejo de um trabalho gratificante, que nos proporcione um senso de propósito, reflita nossos valores, paixões e personalidade, é uma invenção recente. O autor diz que existem duas novas aflições no mercado de trabalho sem precedentes na história: uma é a praga da insatisfação com o trabalho; a outra é uma epidemia de incerteza sobre qual carreira seguir (é verdade, recebo e-mails quase que diariamente de pessoas em crise profissional).

Ele apresenta pesquisas que mostram que metade da força de trabalho no ocidente está insatisfeita com sua situação profissional. Cerca de 60% dos trabalhadores escolheriam mudar de carreira se pudessem começar novamente. O trabalho de uma vida, aquele em que a pessoa começava e se aposentava na mesma empresa, virou relíquia do século XX; agora os contratos estão mais curtos e as pessoas mais ansiosas.

Roman nos conta ainda que a valorização do trabalho começou no renascimento, quando os valores de conformismo da igreja foram desafiados e as pessoas ficaram mais individualistas; são dessa época as autobiografias, os selos pessoais em cartas, os diários íntimos, os auto-retratos. Se o trabalho faz parte da vida, então ele também deve traduzir a pessoa, suas crenças pessoais e valores.

A coisa teve um impulso maior depois da revolução industrial e explodiu depois da segunda guerra, com a invenção de carreiras nunca antes imaginadas. O problema (e a solução) é justamente esse: nunca houve tantas opções para se escolher. E quanto mais liberdade, mais duro é, pois não estamos equipados psicologicamente para lidar com essa infinidade de alternativas; elas estão além de nossa capacidade cognitiva. Segundo o psicólogo Barry Schwarz, a partir de um certo ponto, não conseguimos mais lidar com a diversidade de opções e elas passam a nos tiranizar a ponto de nos deixar paralisados. Quanto mais opções são dadas a alguém, mais tempo esse alguém demora a decidir e ainda assim nunca tem certeza se a outra alternativa era melhor.

Uma coisa muito perigosa que o autor cita são os testes vocacionais; ele relata casos realmente absurdos e a origem dessas ferramentas pseudo-científicas que mais confundem do que ajudam.

Krznaric diz ainda que há três aspectos fundamentais para que a pessoa possa considerar seu trabalho gratificante: significado, fluxo e liberdade.

Sobre o significado, ele aparece sob 5 formas: ganhar dinheiro, obter status, fazer diferença, seguir nossas paixões e usar nossos talentos. Os dois primeiros são conhecidos como fatores motivacionais extrínsecos, isto é, vêm de fora. Nesse caso, o trabalho é um meio para se chegar até eles. Já os outros três são intrínsecos, onde o trabalho é um fim em si mesmo.

Roman diz que combinar dinheiro e valores nunca é simples (sobre isso vou falar numa próxima ocasião); mais fácil é combinar talentos e valores. Quando as necessidades do mundo encontram nossos talentos, aí podemos desenvolver nossa vocação (atente bem para isso: vocações são desenvolvidas, não descobertas). E aí, onde é que seus talentos encontram-se com as necessidades do mundo?

Há também uma discussão sobre a cultura de que, para explorar melhor nossos talentos, o ideal é que a pessoa se especialize. Mas isso não leva em consideração que a gente pode ser muitos ao mesmo tempo; dificilmente alguém tem um talento só. Sobre isso, existem duas abordagens clássicas: o generalista renascentista, que consegue levar várias carreiras simultaneamente (ex: Woody Allen, assim como Luís Fernando Veríssimo, toca profissionalmente numa banda de jazz) ou o especialista serial, que vai mudando de profissão, mas exerce apenas uma de cada vez (acho que sou a combinação das duas abordagens). Ele dá vários exemplos de profissionais, incluindo uma engenheira da Nasa que virou urbanista e diz que o mundo tem coisas interessantes demais para que a gente tenha que escolher apenas uma para a vida toda.

Enfim, para quem está num período de questionamentos e transição profissional, ou mesmo só para quem quer refletir a respeito, recomendo fortemente.

Roman sugere alguns exercícios que podemos fazer para avaliar nossas possibilidades profissional e aumentar o auto-conhecimento; vou compartilhar alguns bem interessantes na próxima coluna, aguardem.

Agora, voltemos ao trabalho.

A analfabeta

Desde a primeira vez que pus os olhos sobre “Die Analphabetin”, da Agota Kristof, foi encantamento à primeira vista. É que agora, conseguindo ler um pouco em alemão, já me sinto uma semi-analfabeta. Mas quando cheguei aqui, há quase um ano, a sensação de ver as placas nas ruas, propagandas e vitrines era exatamente essa. Olha, posso garantir que não é nada agradável.

A prova e a terceira mentira

Penso que não apenas os designers, mas todos os profissionais das áreas conhecidas como”criativas” sempre ganham muito quando lêem boa literatura. Além de uma verdadeira delícia que é poder desfrutar de tanta inventividade, dá para aprender e se emocionar bastantão.

O grande caderno

O livro “Das große Heft” (O grande caderno) de Agota Kristof, conta a história de dois meninos que são deixados pela mãe na casa da vó, por causa da guerra. A avó é uma bruxa daquelas horrorosas, mas os meninos (gêmeos) têm uma capacidade de adaptação impressionante. Eles conseguem conviver com a megera e passar pelos horrores da guerra aparentemente incólumes. Recomendo.

Arte ou vandalismo?

O babado é a seguinte: em Berlin há pedaços do muro em vários pontos da cidade, deixados de propósito, para que as pessoas se lembrem por onde ele passava. Pois um desses lugares é a Potsdamer Platz, um lugar que ficou por muitos anos abandonado; era um grande descampado com um muro passando no meio.

Vai daí que algum turista engraçadinho resolveu colar um chiclete mascado no muro. Outro viu, gostou e copiou. E assim é o ser-humano: o troço virou moda e não duvido que alguém vá até a esquina comprar chiclete só para mascar e colar lá.

Pug ou Mops: não importa, a fofura é igual

Faz um mês que está chovendo praticamente todo dia nessa terra; como estou saindo de uma gripe, as conjunções climáticas não estão me permitindo muitas incursões pela cidade (e olha que minha lista de lugares para visitar só faz crescer). Mas hoje parou de chover das 2 às 5 da tarde; calhou que eu tinha lido no jornal que ia ter um Encontro Internacional de Möpse, aquele cachorrinho que em português se chama Pug (Möpse é o plural de Mops). Catei o marido e lá fomos nós ver os fofuchos.

Como não escrever um perfil

Não faz muitos anos, a pessoa só precisava descrever suas competências profissionais no currículo (mesmo assim, só quando precisava achar um emprego). Hoje, além da fila andar muito mais rápido, tem muita gente trabalhando de maneira autônoma ou como pessoa jurídica.

Vai daí que quase todo mundo que está no mercado precisa se apresentar profissionalmente de maneira resumida, seja em sites, blogs, redes sociais, palestras, artigos, entrevistas ou até, veja só, o bom e velho currículo.

O que tenho visto é que tem um povo por aí misturando as coisas e compromentendo seu futuro profissional por pura desinformação (e, muitas vezes, por falta de noção também).