Entenda por que preconceito = preguiça de pensar

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O neurocientista Gregory Berns, autor do ótimo “O iconoclasta”, já explicou: nosso cérebro foi construído de maneira a consumir o mínimo possível de energia.

Fato é que, mesmo que a gente passe o dia inteiro deitado sem fazer nenhum movimento, o danado continua gastando. Por uma questão de sobrevivência, ele teve que bolar um jeito de ser menos perdulário, pois, na época em que nossa massa cinzenta estava se desenvolvendo, as calorias eram escassas; nunca se sabia quando ia acontecer a próxima refeição.

Para resolver isso, nossa CPU bolou alguns truques que a fazem ficar mais eficiente: um deles é rotular tudo o que lhe aparece pela frente, num esquema chamado categorização preditiva (o nome científico pode até parecer bonito, mas na linguagem popular isso é o mesmo que preconceito).

A coisa funciona da seguinte maneira: em vez de processar uma informação completa e cheia de detalhes toda vez que entra em contato com algum tipo de estímulo, o cérebro infere o que está vendo, ou seja, ele registra apenas uma parte da cena e conclui o resto.

Assim, nossos miolos escolhem algumas partes mais familiares que conseguem reconhecer e ignoram o resto. Isso economiza energia e funciona muito bem no dia-a-dia, mas destrói, sem dó nem piedade, toda nossa imaginação, cultura e capacidade criativa. É que sem trabalhar, nosso cérebro engorda e fica jogado o dia inteiro no sofá comendo besteira. Para ter ideias que mudem o mundo, precisamos de um cérebro atleta, saudável, em excelente forma física.

Por que então preconceito é a mesma coisa que preguiça de pensar?

Porque preconceito é exatamente isso: em vez de considerar todas as variáveis, a gente pega só um pedaço da informação e tira uma conclusão inteira. Claro que a conclusão vai se basear ou em experiências anteriores (não preciso analisar todos os elementos do feijão cada vez que saboreio uma feijoada; basta olhar um bago e já sei que gosto tem) ou em experiências de outros (minha avó dizia que os ciganos são todos dissimulados. Então eu, que nunca vi um cigano ao vivo em toda minha vida, já sei exatamente como eles são, pensam e sentem, só de ver uma moça de saia comprida).

Para quem quer obedecer cegamente à natureza e economizar energia de verdade, é simples. Pegue um livro antigo cheio de regras e cumpra-as à risca, sem questioná-las (melhor ainda, interpretando-as da maneira que exija o mínimo esforço mental possível). Repita opiniões terceiros sem nem ao menos checar se têm fundamento ou não. Leia só a manchete e não o texto inteiro. Interprete a palavra normal como sinônimo de certo. Veja só que econômico. Não se gasta praticamente nenhuma caloria nisso. E o cérebro fica lá, lerdo e flácido, mergulhado feliz no ócio do preconceito. E com a quantidade de calorias que a gente consome hoje sem precisar, essa economia não tem o menor cabimento, não é?

A única maneira de fazer o nosso sr. Preguiçoso fazer musculação e estar em forma para novos desafios é confrontar o sistema perceptivo com algo que ele não sabe como interpretar, pois nunca viu nada parecido antes. Isso força a criação de novas categorias de classificação.

É como se a gente tivesse prateleiras para guardar todas as informações dentro da cabeça, para recuperá-las quando precisar. Pois quem não questiona e só segue regras, tem meia dúzia de prateleiras montadas por outros, com ideias simplórias, repetidas, rasas e muito, muito preconceituosas.

Quando a gente lê, duvida, conhece novos lugares, novos hábitos e novas ideias, constrói guarda-roupas inteiros dentro da cabeça, cheios de prateleiras, gavetas e sistemas requintados de classificação. Não é que a gente não pratique mais a categorização preditiva, mas ela vai ficando mais refinada, mais precisa. Quando vejo uma moça de saia comprida, não basta colocá-la na única gavetinha disponível, aquela que herdei da minha avó; há uma imensidão de possíveis nichos para guardar aquela informação e, não raro, preciso construir mais um para acomodar a nova pessoa que acabei de conhecer.

No fim, esse trabalho infinito de marcenaria é a tal musculação. É o que nos faz humanos inteligentes, o que nos faz evoluir.

E não sou eu quem estou dizendo isso não. Uma pesquisa canadense aponta a forte relação entre pessoas conservadoras e um QI médio mais baixo, ou seja, os preconceituosos são menos inteligentes; depois de pensar sobre o que o Dr. Berns nos explicou, faz todo o sentido, né?

Quando alguém só tem meia dúzia de prateleiras para guardar tudo e vê algo que não se encaixa, seu cérebro ignorante simplesmente rejeita, diz que não presta e ataca, por puro medo do desconhecido. Nem sabe onde anda o martelo para o caso de ter que construir alguma coisa. Em casos extremos de burrice aguda, chega a bater ou matar só para não ter que levantar do sofá.

Você conhece tipos assim. Pessoas que, tendo cérebro, não o usam. Muitas dizem acreditar na existência de num Criador; mas será que não se dão conta que não há maior desrespeito a Ele do que esse? Ter um cérebro e não usá-lo?

Acho que não. Para concluir isso, teriam que pensar.