Tipos para todos os gostos

IMG_9234

Não me lembro como é que cheguei nesse livro (deve ter sido por uma das trocentas newsletters que assino), mas, olha, valeu demais. Comprei no pré-lançamento no final de janeiro e recebi semana passada, com autógrafo e tudo!

The type taster: how fonts influence you, de Sarah Hyndman, foi uma das melhores surpresas dos últimos tempos. A expectativa já era alta (por causa do nome), mas Sarah conseguiu superá-las.

O começo é o básico de qualquer livro de tipografia: fala da influência sutil das fontes tipográficas em qualquer peça de comunicação e observa que o que era domínio de poucos até pouco tempo atrás, tornou-se popular e acessível a qualquer um. Hoje, escolhe-se a fonte em que se vai ler um texto no Kindle como se fossem sabores de pizza. Conta o caso da Gap, que tentou mudar seu logotipo e teve que voltar atrás por causa da reação indignada dos clientes (ela não citou a Ikea, mas o caso foi análogo).

Um pouquinho de história também está lá: a primeira fonte (Engravers Old English, de 1450, com aquelas letras góticas, usadas por Gutenberg para imprimir a primeira bíblia), a invenção de outras fontes mais legíveis e, principalmente, a revolução provocada pela invenção do itálico, que diminuiu consideravelmente o tamanho e peso dos livros, aumentando sua portabilidade.

Sarah nos conta que os tipos, assim como as cores, sons, texturas, sabores e cheiros, provocam emoções e alteram a mensagem comunicada. Eles carregam mensagens subliminares, justamente porque a maioria de nós não presta atenção neles. As fontes fazem o papel de nosso tom de voz quando falamos: a palavra toda escrita em caixa alta (maiúsculas) simula gritos; fontes “gordinhas” equivalem a vozes graves, assim como as magrinhas, mais sutis, representam os sons mais agudos. As curvas e elementos dão musicalidade ao discurso, além de assertividade, seriedade, enfim, uma série de características que afetam o resultado final de nossa percepção.

Um exemplo bem comum é o de fazer com que um alimento industrializado pareça ser feito artesanalmente: ao inserir algumas falhas propositais na fonte tipográfica, como se fosse carimbada ou aplicada com estêncil, a mensagem é comunicada sem que o fabricante corra o risco de ser acusado de propaganda enganosa. Malino, né?

Hyndman fala um pouco também dos princípios semióticos: as formas arredondadas, como já nos explicou Donald Norman, são normalmente associadas à sensação de conforto, ao contrário dos ângulos agudos, que despertam nossos alarmes de perigo.

Em outro exemplo, ela nos explica como se sustentam os clichês nos cartazes de cinema: porque sempre se usa sempre fontes sem serifa para anunciar comédias; tipos modernos como o Didot para promover filmes românticos e a família Trajan para filmes épicos e inspiradores? Há fontes associadas ao luxo nostálgico, ao dinheiro, à moda, aos movimentos revolucionários, à ficção científica, enfim, é só observar com cuidado que dá para identificar padrões.

Mas o mais bacana mesmo são as muitas pesquisas práticas que ela  faz para descobrir como as pessoas percebem e sentem os tipos. Tem uma em que ela pede para o povo adivinhar quais são os produtos mais caros e mais baratos só pela fonte usada no rótulo e qual a profissão de alguém só com base nas fontes tipográficas usadas no seu cartão de visitas (ela produz vários, com as mesmas informações, mudando apenas a fonte). Aliás, esse capítulo sobre a relação entre as fontes e as profissões já vale o livro. É claro que se pode fugir dos clichês, mas há que se ter em mente que a mensagem terá um pouco mais de dificuldade de ser apreendida pela maior parte das pessoas.

Até a reação dos leitores a determinadas notícias no jornal sofrem influência de acordo com a fonte em que o texto é escrito. É claro que isso não é novidade para quem já leu um pouco sobre tipografia; o que ainda não tinha visto eram pesquisas com números que comprovassem a teoria.

Outro caso interessante é a avaliação que as pessoas fazem de um chef de um restaurante baseando-se na fonte tipográfica do menu. É incrível a influência, inclusive na percepção de preço. Há pegadinhas onde se faz uma pergunta capciosa (exemplo: “quantos animais de cada espécie Moisés levou para a arca?”. O trabalho do pesquisador David Lewis mostra que se a fonte é fácil de ler, 80% das pessoas erra e responde um par. Quando a fonte exige um pouco mais de concentração na leitura, esse número cai para 50%; metade consegue se dar conta que o sujeito da arca é o Noé, não o Moisés. Louco isso, né?

As fontes também influenciam o humor das pessoas e fazem com que elas consigam voltar no tempo (e nesse capítulo fiquei sabendo que há o Museum of Brands em Londres que guarda embalagens desde a época Vitoriana. Não posso perder de jeito nenhum!).

Sarah gosta e sabe brincar com as letras. Ela apresenta o equivalente tipográfico aos filtros de imagens do instagram. É legal demais, olha só:

IMG_9334

Ela diz também que as fontes que a gente mais gosta e usa revelam muito sobre a nossa personalidade (claro, assim como as roupas, o corte de cabelo, etc). Por isso, o livro é oferecido com a capa em cinco fontes diferentes e você escolhe qual prefere quando faz o pedido: Baskerville, Claredon, Didot, Gill Sans e Helvetica. O meu é em Gill Sans (adoro). Resumo: sou uma tradicionalista que gosta de pensar que é moderna…rsrsrs. O texto é bem maior, mas não vou reproduzi-lo aqui não (parece horóscopo; acerta umas coisas e erra outras).

Olha, o livro é diversão até o fim: veio com um óculos 3D para o estudo da percepção das fontes, propõe uma série de atividades (ótimo para professores) e até fotos de balas e biscoitos que traduzem a personalidade de cada fonte tem (com receitas e tudo!).

Meu único reparo é que essa primeira edição, de 2.000 exemplares, foi impressa on demand. Daí que a encadernação é boa, mas como o papel interno é muito grosso (170 g/cm²), fica difícil de manter o livro aberto durante a leitura.

No mais, recomendo com estrelinhas. Vai lá: The type taster.

ATUALIZAÇÃO: A versão que eu comprei foi da própria autora; pelo jeito fez sucesso, pois ela já lançou a segunda edição revisada com a mudança de título para Why Fonts Matter e está disponível na Amazon (clique aqui para comprar).