Série cores: os segredos do azul
Conforme prometido, vou compartilhar aqui alguns capítulos do livro “Wie Farben wirken: Farbpsychologie, Farbsymbolik und Kreative Farbgestaltung“, de Eva Heller, que fez uma pesquisa e descobriu, entre outras coisas, que azul é a cor favorita de 38% das pessoas que entrevistou (não dá para estender isso como regra geral porque, como vimos no post anterior, a percepção depende do contexto e das circunstâncias, além do perfil do grupo pesquisado).
Uma coisa interessante e que eu nunca tinha reparado é que é possível usar as cores para da impressão de perspectiva. Quanto mais quente a cor, maior a sensação de proximidade. Quanto mais fria, mais distante. Como o azul é a cor mais fria da paleta, sempre que um pintor quer representar alguma coisa bem longe, usa azul (e quanto mais claro, mais distante).
Até o início do século passado, quando os pigmentos sintéticos foram popularizados, escolher a cor de uma roupa não era uma questão de gosto, mas de bolso. Como alguns corantes eram mais raros que outros, o preço variava muito. Bem, o mais comum, popular e barato era justamente o nosso querido azul.
Mas não pense que todo azul era acessível; o azul-royal (ou real) tem esse nome justamente porque sua intensidade fazia o preço ficar tão alto que usá-lo era privilégio de reis. O povão usava uma coisa mais para o desbotado, tanto que os trabalhadores eram conhecidos como “colarinho azul” em contraste com o pessoal que mandava mesmo, os do “colarinho branco”. Os uniformes dos operários chineses também eram essa cor.
O tom mais comum era o chamado índigo (sim, esses das calças jeans, que ainda nem sonhavam em existir na época) e a cor vinha de uma planta chamada Waid (não encontrei nenhuma tradução) que, ironicamente, é um arbusto com florzinhas amarelas. Os celtas usavam o pigmento para pintar o rosto de azul e assustar os romanos (e a gente que achava o Blue Man Group muito original…rsrs). Alexandre o Grande ordenou que se plantasse Waid em todas as fazendas, sítios e terrenos dos seus domínios.
Para se ter uma ideia da importância da tal plantinha, no início do século XVIII já havia mais de 300 povoados especializados em plantá-la na Europa. Como somente as folhas eram usadas na fabricação do corante, a planta podia dar várias “colheitas” durante o ano. As folhas ficavam cerca de 2 semanas secando ao sol e depois eram colocadas numa tina para receber o principal ingrediente: urina fresca de homens alcoolizados. Com o sol, a urina se transformava em álcool e fazia a oxidação acontecer. Já pensou ter um emprego desses, onde você tem que passar o dia enchendo a cara (mas só quando tem sol) e fazendo xixi numa tina?
Não é por nada que em alemão, quando uma pessoa está bêbada, diz-se que ela está Blau (azul). Acho que a maioria dos alemães nem sabe da origem do termo…rsrs
O nome Indigo significa “que vem da Índia”, mas nesse país eles usavam outra planta (essa com cachos de florzinhas brancas ou rosadas, que os europeus acabaram chamando de Indigo também). A verdade é que o pigmento dava em todo lugar; até os faraós egípcios tinham suas múmias pintadas de azul, só que a planta que os indianos usavam resultava numa cor mais intensa e luminosa que a Waid, usada pelos europeus. Inclusive, uma das coisas que motivou Vasco da Gama a buscar o caminho das Índias era justamente trazer o corante feito com Indigo.
O azul era tão importante para a economia que o Indigo foi proibido na Alemanha em 1577 por conta de um lobby dos plantadores de Waid (a França também proibiu em 1598 e a Inglaterra em 1611). Em 1654 o Kaiser chegou a declarar que o Indigo era a cor do diabo. Como o pior Indigo era igual ao melhor Waid e a concorrência acaba regulando o mercado, os plantadores acabaram capitulando e o corante foi legalizado em 1737.
No século dezenove, os químicos desenvolveram corantes sintéticos de várias cores, mas o azul continuava sendo um mistério. Em 1865 as empresas alemãs Bayer e Hoechst se uniram para fundar a BASF (Badische Anilin und Soda Fabrik) e chegaram a investir 18 milhões de marcos nessa busca (a fórmula até era conhecida, mas caríssima de ser produzida). A luta foi complicada, pois os fabricantes do corante natural baixaram o preço para desestimular o desenvolvimento de uma versão sintética. Um verdadeiro drama, pois por causa das anilinas (o pigmento artificial) o Indigo original foi praticamente extinto, assim como a Waid.
Nossa, quem podia imaginar que o azul tinha tanta história, né?
Por falar nisso, tudo azul aí com você?
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