Ele chutou o pau da barraca 95 vezes…

Esse fim de semana teve um passeio da escola para conhecer a cidade de Wittenberg. Na verdade, a cidade se chama Lutherstadt Wittenberg, ou “Wittenberg, cidade de Lutero“.

Apesar de eu não ser nem um pouco ligada em assuntos religiosos, a impotância histórica desse lugar não é pequena não.

Wittenberg tinha um mosteiro onde Lutero estudava e o sujeito ficou muito p* da vida quando viu que a igreja católica aproveitou a invenção da prensa de Gutenberg para vender indulgências (já falei sobre isso aqui e aqui). O negócio fez tanto sucesso que vendia como pão quentinho. Em vez de pecar e depois ter que confessar, fazer penitências e toda essa coisa chata para garantir um lugar no céu, bastava comprar esse papelzinho, que era uma espécie de salvo-conduto. Ou seja, quem era rico podia se esbaldar nas delícias pecaminosas do nosso mundinho recém chegado à era renascentista.

Lutero, que já não estava gostando de outras coisas que andava vendo por lá, escreveu para o Papa, para tirar satisfações e perguntar que pouca vergonha era aquela. O Papa nem deu bola (estava felicíssimo com o negócio mais lucrativo da história) e Lutero não deixou barato. Chutou mesmo o pau da barraca. Escreveu 95 teses que contestavam essas ações (o cara era um estudioso e erudito, sabia argumentar e fundamentar muito bem suas posições) e pregou todas elas nas paredes de uma igreja em Wittenberg (por sinal, a igreja fazia parte do castelo do Kaiser, na época, que já tinha comprado um lote de indulgências, só para garantir).

Imagina só o bafafá que deu, um cara sozinho lutar contra a potência que era a igreja católica na época; muito macho mesmo. Bom, entre outras coisas, ele ficava indignado com o fato da Bíblia não ser acessível a todo mundo, pois a versão que eles estudavam era em latim, língua que só os eruditos conheciam.

Aí, sabe o que esse cara, que não era nem um pouco fraco fez? Inventou o alemão moderno! Sim, essas declinações, regras malucas e gramática de dar dor de cabeça são obra dele e de seus alunos, que resolveram traduzir a bíblia para uma língua que o povo pudesse entender.

A Alemanha, na época, era cheia de dialetos falados e não escritos. Então ele resolveu colocar ordem na coisa e fundiu o latim, que ele sabia bem (daí as declinações) com as várias versões do idioma falado pelos saxões. Deu no que deu.

Só para se ter uma vaga ideia do tamanho da revolução que o cara fez e a importância do trabalho dele, além de ter criado a igreja protestante (que protestava contra as indulgências católicas), ele publicou a primeira versão da Bíblia em alemão em 1522. Em apenas 5 anos, já haviam sido vendidos 100.000 exemplares!! Não é incrível? Se imprimir e vender tudo isso de livros hoje já não é pouca bobagem, imagina só naquela época.

Olha, eu xingo muito quando tenho que estudar a gramática, mas não posso deixar de admirar esse sujeito de maneira nenhuma.

Ainda mais quando a gente visita a casa dele (que também funcionava como universidade e tinha alunos residentes; o kaiser era seu admirador e cedeu o prédio) e vê todo o material impresso que eles produziam. O cuidado na diagramação, nos alinhamentos, a harmonia entre texto e ilustrações é uma verdadeira aula de design para qualquer um que se interesse minimamente pelo assunto. E isso em meados de 1500, 4 séculos antes da Bauhaus pensar em existir. Isso sem falar no marketing, pois o sujeito precisou “vender” uma ideia totalmente revolucionária para um mundo tão conservador que achava que lugar no céu se comprava com um papelzinho.

Decididamente, Lutero não era fraco não. Tem todo o meu respeito, esse sujeito.

Como toda cidadezinha alemã, essa também parece cenário de filme de época

Tudo lindo, coloridinho e caprichado

Foi nessa igreja que Lutero pregou as tais 95 teses contestando as indulgências

Repare que luxo o telhado da igreja

Fico impressionada como as folhinhas de hera ficam completamente vermelhas no outono...

Se quiser ver mais fotos, é só ir direto no Flickr clicando aqui.

Episódio 6: Arte alternativa

Gente, não é por nada não, mas se eu fosse vocês não deixaria de ver esse vídeo. Vocês vão ver o quanto pode render para uma cidade ter um prédio que ia ser demolido ser ocupado por artistas. Fato.

Se você não conseguir ver o vídeo aqui no blog, pode ir direto no Youtube clicando aqui.

Mefisto adoraria saber

Agora me dei conta de que não contei uma curiosidade interessante sobre Leipzig. É que um dos moradores mais ilustres da cidade foi ninguém menos que o maior nome da literatura alemã, o célebre Johann Wolfgang von Goethe. Goethe morou na cidade entre 1765 e 1768, quando estudava direito.

Pelo visto, o célebre morador (que naquele tempo era um anônimo) passava muito tempo numa taberna subterrânea em uma rua do centro da cidade, tanto que a usou como cenário de seu poema épico mais famoso, Dr. Fausto. Nota: taberna era o boteco de antigamente.

Na verdade, Dr. Fausto é uma antiga lenda alemã muito usada como base alegórica de romances; mas foi Goethe que a tornou conhecida no mundo todo. O tal Dr. Fausto é um professor atormentado em busca do conhecimento; ambicioso, ele se dá conta de que não vai conseguir aprender tudo o que sonha. Eis que surge em cena o diabo, ou, nessa versão, Mefistófeles (Mefisto para os íntimos).

Dr. Fausto e Mefisto encontram-se na tal taberna e fazem um acordo. Fausto terá todo o conhecimento que quiser em troca de sua alma quando morrer. Bom, Goethe levou 60 anos para escrever a história, toda em versos caprichadíssimos, então já dá para ter uma ideia do tanto de reviravoltas que acontencem, e, é claro, do arrependimento de Fausto quando ele se dá conta de que nunca poderia saber tudo. Além disso, saber por saber sem nenhum objetivo já não o satisfazia mais e ele achava que a única solução era a morte (que ele não tinha mais, já que tinha vendido sua alma). Tentou negociar, mas Mefisto não quis nem saber: negócio é negócio.

Bom, nem preciso falar que o personagem morre no final todo atormentado e arrependido. Mas essa história comprida é para dizer que a tal taberna escondida que inspirou Goethe e aparece no romance como cenário da negociação entre o Dr. Fausto e o Mefisto existe até hoje lá em Leipzig.

Só que a cidade cresceu, o lugar histórico ficou famoso, transformou-se num restaurante frequentadíssimo por turistas e a rua onde ele se encontra foi coberta e virou um shopping.

Tem final mais perfeito para quem vendeu a alma ao diabo?

Escada que leva à antiga taberna subterrânea (agora com a escultura do Dr. Fausto e do Mefisto na porta)

A rua foi coberta e virou shopping

E a antiga taverna virou restaurante para turista

Antes e depois

Aqui não é Dia da Criança, mas mesmo assim vou postar uma foto de quando eu era pequenininha e já gostava de bichos fofos (repare a rebeldia: todas as outras crianças se sentam no banquinho da charrete para tirar a foto…rsrsrs). Cresci e o carneirinho virou o poder!

Feliz Dia das Crianças e divirtam-se vocês também, afinal, estamos aqui para isso mesmo.

Não sei quantos anos eu tinha na primeira foto, mas na segunda (fevereiro desse ano) já estou na 44ª primavera. A primeira foto é de um daqueles fotógrafos de crianças de antigamente (acho que não existe mais) e segunda é do Michel Téo Sin.

Dois livros e um filme

Como não trouxe quase nenhum livro por causa do peso e ainda não sei ler em alemão (como o analfabetismo dói…), tenho que apelar para os poucos best-sellers da seção de livros em inglês das livrarias daqui. Semana passada li “The imperfectionists“, de Tom Rachman e essa semana, o primeiro tijolo da trilogia Millennium, de Stieg Larsson.

Comecemos com “The imperfectionists“. Confesso que fiquei seduzida pelo ótimo título e, principalmente, pela capa (tem uma coleção de clássicos da editora Martin Claret que me recuso a comprar porque as capas são de doer os olhos). Bom, a capa em questão já começa com um monte de elogios e selos (The New York Times Book Review, New York Times Bestseller, Financial Times, etc) e é linda.

Olha, o livro está longe de ser ruim, mas não merece esses elogios todos não. É um romance que conta a história de um jornal desde que foi criado, em Milão, em 1953, até os dias atuais. Por meio de dúzias de personagens que aparecem para nunca mais voltar, a história vai se desenrolando de maneira mais ou menos previsível. Apesar de bem escrito, me irritou um pouco o abuso de estereótipos (o velho libertino, a executiva frustrada, a gorda infeliz, o aventureiro charmoso, o milionário cheio de segredos e por aí vai). O mérito, além da boa redação, penso que se dá mais pela atualidade do debate; o jornal fica meio perdido com a internet e não sabe bem como continuar (acho até que essa é a razão do inexplicável sucesso). Se você conseguir de graça, leia. Se não, não sei se vale o investimento.

Já o primeiro volume da trilogia Millennium, “The girl with the dragon tatoo“, é bem mais atraente. Você gruda no livro e não descansa enquanto não der conta. Como todo bom policial, não é nada muito profundo, mas tem uma história bem amarrada, bem escrita e com personagens um pouco mais complexos (claro, se a gente levar em conta que é um livro de ação).

Eu diria que é um Dan Brown mais caprichado e sem milagres ou furos no roteiro. Os personagens são cativantes e o enredo, apesar de um pouco previsível para quem está familiarizado com a fórmula, é muito criativo. Esse eu recomendo mesmo. A versão que eu li é uma tradução direta do sueco, língua de origem do Steve Larsson (que, curiosamente, morreu prematuramente aos 50 anos, logo depois de entregar a obra à editora). A versão brasileira é uma tradução do francês; acho que se perde um pouco nessa triangulação; tanto que o título em português acabou se tornando “Os homens que não amavam as mulheres“. Já vi que vou devorar o segundo volume na viagem de volta ao Brasil (semana que vem!).

Por último, o filme em questão é “Melancholia“, do dinamarquês Lars Von Trier. Lindo, lindo, lindo. A fotografia irretocável, a história bem contada, as atuações irrepreensíveis e a música perfeita. Mas também muito, mas muito triste. Mas não aquela tristeza de se debulhar em lágrimas; é uma outra, mais profunda, que nos faz refletir sobre a finitude da vida, a rapidez com que as coisas podem mudar e até acabar mesmo. Desde que você não esteja esperando um melodrama, um romance ou um filme de ação, também recomendo.

O DNA da maçã

Sei que a morte do Steve Jobs já saturou os meios de comunicação e não se fala em outra coisa. Mas também tenho recebido vários e-mails questionando sobre a identidade corporativa da Apple (se ela sobrevive sem seu grande mentor).

Olha, eu acredito que sobrevive sim, e bem. Até porque a Apple é uma empresa, não uma EUpresa. Steve já fez muita falta da outra vez que saiu e, nessa segunda etapa, teve a consciência da importância de deixar sua menina dos olhos bem preparada para sua eventual falta. E vamos combinar que uma organização que pode contar com um Johnathas Ive e um Tim Cook na folha de pagamento tem tudo para não deixar que os viciados na maçã (como eu) não morram de inanição; pelo menos estou contando com isso.

A identidade de uma organização é seu DNA. Isso quer dizer que o conjunto de características que a tornam única e especial já nasce com ela, é congênito. Então será que isso significa que a identidade da empresa é igualzinha à do seu dono ou fundador? Será que os dois são uma coisa só?

Vamos pensar: uma empresa é uma entidade muito diversa de um ser humano. Ela é formada por pessoas, cujo número varia com o tempo. Uma empresa pode começar com apenas um proprietário ou com mais de 10 mil colaboradores (quando é fruto de uma fusão ou aquisição, por exemplo). Ela pode continuar por anos com um ou dois funcionários ou multiplicar várias vezes seu corpo original.

Já o fundador é uma pessoa de carne e osso e tem sua própria essência, sua maneira toda única de se comportar profissionalmente. Mesmo relaxado na vida pessoal, o dono pode ser muito exigente como empresário. Outros atributos (em geral, a maioria), permeiam tanto a sua vida pessoal quanto a profissional. Mas como separar uma coisa da outra? Será que elas precisam mesmo ser separadas?

Sim, precisam. Uma empresa é sempre maior que seu dono, e, apesar da maioria de suas características ser geralmente compatível (a empresa herda atributos do fundador), são de naturezas distintas, inclusive com ordens de grandeza diferentes. É como se uma empresa fosse um filho; ela herda genes dos pais, mas não se tem muito controle sobre quais são os que vão realmente vingar e predominar no caráter da cria.

Mas quando uma organização está começando ou é composta por apenas uma pessoa, a pergunta que sempre faço para identificar o caso corretamente nas minhas consultorias é: “se daqui alguns anos o dono morrer, a empresa acaba?”

1) Resposta NÃO: Ela é uma empresa de fato, isto é, vai crescer, agregar novos funcionários e seu dono, inclusive, vai poder tirar férias, ficar doente e até morrer, quando for o momento. Nesse caso, devemos definir a identidade da empresa para nortear todas as suas ações e comunicações. É um caso desafiador mas perfeitamente possível de ser resolvido, separando claramente o que é a empresa e o que é a pessoa. Não, a empresa não vai ser necessariamente “a cara do pai”. Para saber mesmo qual é seu DNA, é preciso investigar e pesquisar, sem julgamentos pré-estabelecidos.

2) Resposta SIM: Então, temos uma EUpresa. Não há nenhum problema nisso, eu, por exemplo, encontro-me neste caso. A minha empresa de consultoria existe porque preciso trabalhar dentro das regras do fisco, mas não tem identidade própria. Todo o trabalho de divulgação é feito sobre o meu nome. É o caso de muitos médicos, dentistas, advogados e outros profissionais liberais. Nesse caso, para haver coerência entre as ações e comunicações da empresa, temos que definir a identidade profissional de seu fundador.

Investi quase toda a última década pesquisando sobre o assunto e, para quem quiser saber mais, recomendo “DNA Empresarial: identidade corporativa como referência estratégica” de minha autoria, publicado em 2010 pela editora Integrare, de São Paulo.

A Apple é uma empresa de verdade com uma identidade própria e agora só nos resta torcer para ela ter puxado o pai.

Infelizmente, não há como ter certeza, pois está cheio de casos aí para mostrar que nem sempre a organização consegue herdar todos os genes que deveria de seu fundador. Acho que se o comandante Rolim Amaro fosse viajar de avião hoje, iria se horrorizar com o que passou a ser “o jeito TAM de voar“…

Lígia Fascioni | www.ligiafascioni.com.br

Pequenos pedalantes

Além de ver a cidade funcionando tão bem com esse tanto de bicicleta nas ruas (aqui não tem motoboy, só bikeboy, ou, no caso, Fahrrad-Junge — tá bom, o termo não é esse, fui eu que inventei…rsrsrs) fico feliz da vida ao ver crianças tão pequenas já fazendo exercício (agora reparei que ainda não vi nenhuma criança obesa aqui, apesar do tanto de salsicha e batata que elas comem).

Os pais (e sim, na maioria os pais mesmo, não as mães) levam os bebês para a escola na garupa ou em carrinhos especiais; quando eles aprendem a andar, já vai cada um com sua bicicletinha pedalando.

Não sei como vai ser quando o inverno chegar, mas olha e vê se não é inspirador…

Pai levando a filha para a escola

O papai e os dois pintinhos pedalando

Mais um pai levando cria

Essa mãe é super-descolada; olha só a cabine com proteção contra a chuva

Repare que nem sempre os pais estão de capacete (vejo pouca gente usando), mas as crianças sempre estão protegidas...

Além do que, a criançada não fica fazendo concurso na porta da escola para ver qual o pai tem o carrão mais caro. Sem falar que não tem fila dupla com gente trancando a rua.  Civilidade é isso aí…

Como Leipzig mudou a história

Antiga Rathaus, prefeitura da cidade, hoje transformada em museu.

Nossa, às vezes fico assustada com a minha ignorância sobre história. Ainda bem que o Conrado sabe muito e me explica os lances todos. Lembro que em 1989, quando caiu o muro de Berlin, eu fazia estágio, estava enlouquecida com as provas de eletrônica do último semestre da faculdade e os preparativos da formatura; um perfeito modelo da alienada. Soube que o tal famoso muro tinha caído, mas não ficou nenhum registro além. Agora, pouco a pouco, vou conhecendo os outros capítulos e tendo uma ideia da dimensão do acontecimento.

A gente passou o último final de semana em Leipzig, no coração da Saxônia, e aprendi muita coisa. E me comovi, me emocionei muito, cheguei até a chorar. Visitamos o museu da cidade que conta um pouco da história com fotos, imagens e objetos.

Tá, mas por que Leipzig? A história toda não se desenrolou em Berlin?

Bom, vamos do começo: o museu dá uma geral sobre as duas guerras, com ênfase na segunda. Saldo de mortos: 62 milhões. Caramba, é gente demais! Eu não tinha ideia desse número. Era um tal de pegar a população de um país como a Polônia, por exemplo, e avisar para 2 ou 3 milhões de pessoas que elas tinham 2 dias para dar o fora. Já pensou?

Bom, horrores à parte, acabou a tal guerra, a Alemanha perdeu, mas não se rendeu. Então pegaram o país e dividiram entre os vencedores: um pedaço para os EUA, outro para a França, outro para a Inglaterra e o último naco para a antiga União Soviética. Pois a URSS queria implantar o regime socialista; destruiu o que restou dos palácios (símbolos da burguesia) e construiu prédios horrorosos no lugar (é de doer os olhos mesmo). Os outros países meio que deixaram a coisa solta; queriam que a Alemanha se desenvolvesse para ser um modelo de como o capitalismo poderia dar certo (e para ser um mercado consumidor também, é claro). Bom, aí o pessoal começou a ver que do lado ocidental (capitalista), a vida parecia melhor e mais confortável e começou a se mudar para lá. Aos montes. O tempo todo. Sem parar.

Os russos ficaram (com razão) preocupados com a emigração massiva e decidiram fechar as fronteiras da parte que era deles. Do dia para a noite, em Berlin, passaram um arame farpado onde existia a delimitação, até então, apenas virtual e depois construíram o tal muro, com a desculpa que era para proteger o seu lado das más influências dos outros.

Tinha partes da fronteira que passava por dentro de prédios. Pois eles simplesmente expulsaram as famílias que viviam lá e emparedaram todas as janelas. Os vídeos mostram o desespero das pessoas, que já tinham passado pelo terror do nazismo e não precisavam de mais isso, né? Tem até um vídeo que mostra um soldado fugindo, saltando por cima do arame farpado para o outro lado.

Bom, Leipzig ficou do lado da Alemanha que pertencia à URSS. A cidade, completamente destruída pela guerra, hoje tem a arquitetura toda irregular. Partes antigas, lindíssimas, foram restauradas como eram; e convivem lado a lado com algumas monstruosidades da arquitetura comunista e outras tentativas mal sucedidas de modernidade. Imagine uma cidade em colapso total onde os homens todos morreram. As mulheres tiveram que carregar pedras para limpar as ruas, reconstruir tudo e arrumar um jeito de alimentar os filhos. Dureza.

Com a guerra fria, a situação econômica e política foi ficando bem complicada e a pressão era grande. Então o pessoal que se reunia na Igreja de São Nikolai (compartilhada por católicos e protestantes) começou um movimento pacífico e muito inteligente: todas as segundas-feiras eles se reuniam para rezar (e protestar contra o regime). Claro que qualquer tentativa de manifestação era tratada à bala pelos soldados e não foi pouca gente que morreu por falar o que não devia. Mas o governo nada podia fazer com a multidão andando pelas praças rezando e segurando velas nas mãos. A cada segunda-feira, o movimento aumentava mais, até  que a cidade inteira começou a participar. Depois, veio gente de todas as partes e aquela massa humana gigante começou a chamar atenção. Os líderes políticos não sabiam o que fazer, pois era um movimento totalmente pacífico — as pessoas só oravam e caminhavam juntas. A pressão ficou tão grande que o partido comunista não conseguiu segurar e sucumbiu ao movimento que resultou na queda do muro, em novembro de 1989 e, consequentemente, o primeiro passo para a reunificação do país.

Coisa forte. Emocionante, né?

Tem algumas outras curiosidades sobre a cidade, mas conto depois, para não misturar assuntos.

E a igreja de San Nikolai, fundada em 1165, nem é tão bonita quanto importante

Tem mais algumas fotos a seguir, mas dá para olhar direto lá no Flickr, se quiser. É só clicar aqui.

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Sobre a Bauhaus

Como hoje é feriado aqui na Alemanha (data da reunificação), aproveitamos o fim de semana para dar uma volta de moto. O destino era Leipzig (breve posts a respeito), mas resolvemos passar em Dessau, que ficava no caminho, para conhecer a primeira escola de design da história, a Bauhaus.

Na verdade, a Staatliches Bauhaus começou em Weimar em 1919 (ainda vou até lá, está na lista). Walter Gropius, o cérebro por trás do negócio, convidou artistas e arquitetos para bolar um jeito de projetar produtos já pensando em como seria a produção em série desses objetos. Tinha gente do naipe de Paul Klee, Wassily Kandinski, Marcel Breuer e Mies van der Rohe, só para citar alguns mais conhecidos. A ideia era que curso permeasse a arquitetura, a arte e o design, sem subdivisões entre essas áreas (Viu gente? No começo era essa coisa linda, todo mundo junto, sem brigas!). O processo criativo acontecia por meio de workshops, com muita experimentação (célula embrionária do design thinking).

Uma curiosidade é que Bauhaus, em alemão, significa literalmente “casa de construção” e na Alemanha inteira tem uma rede gigante de lojas de material de construção com esse nome, olha só.

Pois a instituição funcionou em Weimar até 1925, quando se mudou para Dessau, cidade mais industrializada, com mais potencial para sustentar a escola e aproveitar a mão-de-obra gerada lá. Os caras fizeram e aconteceram; tudo o que a gente vê hoje no projeto gráfico e de produto tem alguma referência de lá. Eles praticamente inventaram o design como o conhecemos hoje.

Bom, a questão é que, com a guerra e a tomada de poder pelos nazistas, o pessoal da Bauhaus passou a ser visto como um incômodo; imagina só um bando de gente esquisita que queria mudar o mundo duvidando dos padrões pré-estabelecidos, querendo criar coisas novas e métodos revolucionários; eles eram vistos como degenerados. Não tinha como. Foi então que começou o desmonte. Em 1932 a escola se mudou para Berlin e ficou só um ano.

Os principais professores começaram a emigrar para os Estados Unidos para evitar perseguições e a coisa foi ficando bem mais difícil de sustentar. Até convidaram uns ex-alunos para fundar a escola de Ulm, mas o projeto, iniciado em 1953, terminou em 1968 por causa de guerras de egos, brigas internas, política e todo tipo de complicação administrativa.

Mas, a despeito da história tão curta, a Bauhaus já tinha deixado a sua marca e espalhado sua semente pelo mundo.

A escola de Dessau foi quase que completamente destruída durante a segunda guerra e o campus foi aberto novamente, depois de uma cuidadosa restauração, em 1976; os prédios de Weimar e Dessau foram tombados pela UNESCO em 1996 como Patrimônio da Humanidade.

As instalações em Dessau são muito interessantes e dá até uma certa comoção de pisar lá dentro, andar pelas salas de aula e passear pelos prédios que serviam de moradia para esses visionários. Preciso ressaltar que o acervo da exposição permanente é bem pobre e até meio decepcionante, apesar das peças icônicas. Passeei pelo campus e vi os prédios dos laboratórios e a biblioteca; enfim, foi muito preciosa a sensação de andar por lá (apesar da maioria dos prédios estar fechado, pois era sábado véspera de feriado nacional).

Hoje eles oferecem apenas alguns cursos de pós-graduação e a produção não é nem sombra do que já foi; tenho inclusive minhas dúvidas se a equipe atual faz jus ao nome que carrega. Mas o prédio e as lembranças estão lá em uma verdadeira aula de história, para nos recordar para sempre onde foi que tudo começou.

Seguem mais algumas fotos, mas, se preferir, você pode vê-las diretamente no Flickr (clique aqui). Continue reading “Sobre a Bauhaus”

Traumatizada

É, parece que hoje é o dia internacional do Spam Sem Noção (se é que há uma categoria de Spam Com Noção, o que seria um paradoxo), pois olha só o que acabei de receber. No começo, achei que era alguma piadinha, mas depois vi que o negócio era sério.

Gente, sério: o que passa pela cabeça de alguém que me manda uma coisa chamada Trauma 2.0 e acha que vou ficar tentada a adquirir tão nobre e inusitado produto?  Por que alguém compraria um Trauma, ainda mais na versão melhorada e com mais recursos (2.0) minha gente? Olha, sinceramente, o mundo está mais louco, descontrolado e, vá lá, traumatizado (com sequelas) do que imaginava a minha vã filosofia de buteco.

É mais fácil aprender alemão em braile do que decifrar a estratégia de marketing embutida nesse negócio.

Traumatizei…